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A Propósito de Quase Tudo: opiniões, factos, política, sociedade, comunicação

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Uma espécie de ação concertada?

21.11.23 | Manuel_AR

 

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A crise política desenrolada por via de investigações efetuadas pelo Ministério Público conduziu à demissão do primeiro-ministro António Costa.  Os desenvolvimentos que se seguiram dariam para tecer teorias da conspiração. Não é este o caso, mas dá para analisar factos antecedentes e consequentes que levam a pensar que algo poderá ter estado fora da normalidade política e judiciária.  

Não irei considerar agora os aspetos ético, político e legal do processo que envolveu atores intervenientes como o chefe do Governo, o Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República com a mobilização dos órgãos de comunicação social, aspetos sobre os quais a discussão pública pouco se tem debruçado.

Interessa desde já tornar claro que a crise política gerada não surgiu agora por mera casualidade, estaria a ser preparada e aguardava o momento oportuno para passar há comunicação social. Para evitar caso de fugas de informação antecipadas como já tem acontecido, fez-se sair a nota para a comunicação social do Gabinete de Imprensa da Procuradoria-Geral da República de 7 de novembro desse conhecimento do inquérito que estava a ser dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que, posteriormente informou estar o caso a ser investigado por este organismo desde outubro(?).

Tendo como base antecedentes que adiante irei referir o processo para a criação de uma crise política já estava em andamento e o seu agravamento estaria a ser delineada há cerca de ano e meio pelas oposições através de várias ações em andamento vindas da direita (incluindo a extrema-direita) e as de extrema-esquerda, independentemente e cada uma delas com a sua própria estratégia e objetivos bem definidos.

Colocada desta forma poderíamos estar a delinear uma espécie de teoria da conspiração que não teria como base qualquer facto concreto que pudesse ser validado no sentido de ser relevante e ter influência significativa. Todavia, se tivermos em consideração factos anteriores a ideia não será de todo irrealista.  Com base em factos concretos e aceitáveis provenientes em notícias que circularam durante o ano de 2022 - sobretudo neste último - e após o Orçamento de Estado para o ano de 2023, aprovado em 25 de novembro de 2022, verificamos que a agitação social começou a ser desencadeada por diversos setores profissionais acelerados pelas declarações dos partidos na oposição. Tais factos, cada um per si podem levar-nos a considerar a possível existência duma espécie de urdidura no contexto do exercício de oposição ao Governo tendente a causar a sua queda precoce, já que a maioria absoluta nunca iria cair por vontade própria.

É do conhecimento geral a forte reação negativa por parte dos partidos, quer à esquerda, quer à direita do Partido Socialista devido ao rancor que lhes causou a maioria absoluta obtida nas eleições de janeiro de 2022.

As razões para a criação de instabilidade social são diferentes de partido para partido. As extremas-esquerdas, PCP e BE, não se conformaram com a enorme perdas de votos que lhes reduziu o número de deputados na Assembleia da República. O artigo de opinião do orientador político do BE  Francisco Louçã no Expresso em fevereiro de 2022 com os argumentos costumeiros é bastante elucidativo. Escrevia na altura Louçã: “Face a este histórico, apresentar esta nova maioria absoluta como uma salvação do país, o tal “cartão vermelho” à crise, e até como a antítese de um poder absoluto, será um ato de fé, um alibi bem engendrado ou mesmo uma defesa antecipada” e ainda “o PS será também a segunda vítima da sua maioria absoluta. É certo que agora festeja a sua vitória pesada contra a esquerda…”. Disse Catarina Martins, em dezembro de 2021, ainda antes das eleições, "…há poucas coisas tão parecidas com a direita do que uma maioria absoluta do PS". O BE tinha já assestado o alvo ao PS.  

Em fevereiro do mesmo ano Jerónimo de Sousa então Secretário Geral do PCP afirmava que “o PS com condições de levar mais longe o seu compromisso com a política de direita e manter a sua opção de subordinação aos grandes interesses económicos que dominam o país", à falta de melhor a cassete costumeira também tinha já assestada as suas flechas.

À direita, durante o ano de 2023, sobretudo por parte do CHEGA e da Iniciativa Liberal, cujo linguajar deste último se aproxima cada vez mais do primeiro, intensificaram-se as ações de crítica e acusações violentas feitas de forma pública. Agora surfam em conjunto a onda desta crise política que parece estar a ser demonstrado terá sido criada artificialmente. Aliás, o acordo IL com o CHEGA poderá estar a abrir uma nova crise política e colocam o Governo PSD nos Açores em risco de cair com a discussão do Orçamento dos Açores para 2024 em que IL e CHEGA não vão votar a favor e comprometem o futuro do Governo Regional do PSD.

Não era apenas o Governo nem as medidas que tomava que estavam sujeitas ao escrutínio o que, normalmente, faz parte do papel e do debate democrático da oposição. O que estava em causa era, sobretudo, a pessoa de António Costa que visavam e em quem viam uma sombra pela sua credibilidade interna e externa. Assim, havia que o descredibilizar, fosse de que forma fosse. Outro que ficou marcado pela oposição foi Mário Centeno logo que foi para o Banco de Portugal e agora voltam ao ataque, por razões pechisbeque. Há quem afirme que isto faz parte do atributo da costumeira invejazinha portuguesa.

Greves, protestos, movimentos, reivindicações vindas dos sindicatos e outros oriundos de diferentes setores, uns afetos à direita, outros afetos à esquerda tiveram palco em 2023. Tinham a finalidade de a coberto de várias contendas causadas por vários sindicatos contra o Governo e que serviam ao mesmo tempo para contestação política. Pedia-se nessa altura a demissão de ministros e até do próprio primeiro-ministro. Pedir a demissão de ministros já vinha sendo habitual no léxico dos radicais de direita, CHEGA e IL com o objetivo de desgastar o Governo e o próprio primeiro-ministro. Claramente destinavam-se, e destinam-se agora a pressionar o Governo demissionário com prejuízo dos utentes, sobretudo dos serviços de saúde.  

Alguns exemplos são os movimentos sindicais com greves e manifestações aos quais se juntavam críticas de ordens profissionais que, afinal, só prejudicam os utentes de serviços como os do SNS, escolas públicas e hospitais.

Órgãos de comunicação social procuravam e “escavavam” casos e casinhos que, de facto, existiam e deviam ser denunciados, mas que não mereciam a importância que lhes era dada. Quando não os encontravam, para criar impacto negativo na opinião pública, na hora nobre os jornais televisivos repescavam casos do passado que passavam encadeados na edição com os atuais a que davam extensa cobertura. O alvo era sempre o mesmo e para mostrem imparcialidade retiravam da arca poeirenta casos de justiça sobre outros partidos e futebol rapidamente passados dos quais maior parte já não se recordava.

Em janeiro de 2023, após cerca de um ano do Governo da maioria absoluta, os trabalhadores da saúde fizeram uma greve nacional por melhores condições de trabalho, salários e contra as horas extras excessivas exigindo também mais investimento no Sistema Nacional de Saúde. A reivindicação embora justa, acumulava com a natureza política da pressão a fazer sobre o Governo.

Num comunicado do PSD em 15 de janeiro de 2023 podia ler-se que “O PSD acompanha com muita preocupação o que se tem passado nos últimos meses nas escolas, resultante da incapacidade de o Ministério da Educação em concluir um processo negocial com a classe docente, e que resultou na manifestação de hoje. Repudiamos por completo o tom persecutório com que o Ministro da Educação se dirigiu à classe docente, procurando usar os alunos como arma de arremesso político, ao tentar colocar os encarregados de educação contra os professores.”. O que faria o PSD nestes casos quando antes acusava os governos do partido socialista de serem despesistas?

Em fevereiro os professores mobilizados por sindicatos afetos à extrema-esquerda, entre eles o radical STOP, liderado por André Pestana que terá sido do partido MAS-Movimento de Alternativa Socialista que posteriormente terá deixado este partido. Os professores saíram à rua para protestar exigindo a recuperação do tempo de serviço de seis anos, seis meses e 23 dias progressão nas carreiras que tinham sido bloqueadas no tempo do Governo PSD-CDS com Passos Coelho primeiro-ministro. O PSD cola-se aos sindicatos e apresenta proposta sobre tempo de serviço dos professores com o BE pela voz de Mariana Mortágua a salientar que "A proposta é muito justa, a posição do PSD é hipócrita porque quando poderia ter aprovado a proposta, quando havia votos na Assembleia da República para ser consequente e para aprovar a proposta, o PSD não aprovou, não o fez”.

As posições das extremas-esquerda tinham também o objetivo de pressão e de oposicionismo, estas também aplaudidas pelas direitas. A direita PSD que na altura teve a iniciativa da congelação das carreiras, cola-se subtil e oportunisticamente ao lado destas reivindicações.

Para além disso protestavam ainda contra o aumento do número de alunos por turma, pela redução do tempo de aulas e a diminuição da autonomia das escolas. Os manifestantes pediam uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos.

Em 2 de outubro de 2023 um título do jornal Público afirma que o “PSD agarra professores e abandona a igualdade de tratamento dos funcionários públicos”. Em fevereiro deste ano, numa entrevista à SIC Notícias, o líder do PSD, Luís Montenegro, dizia que o "princípio basilar da política remuneratória da Administração Pública é que haja equidade e igualdade, pelo que “todos os funcionários públicos” que tiveram “as suas carreiras congeladas têm que ter um tratamento equitativo e igual na recuperação do tempo perdido”. Todavia, em 30 de setembro sai a notícia de que Montenegro anunciou que o partido proporá o pagamento faseado do tempo de serviço dos professores - excluindo assim os restantes funcionários públicos. Escrevia-se no Expresso: “Mas esta é a primeira vez que o líder do PSD admite a recuperação integral do tempo de serviço ainda congelado aos docentes. Em janeiro, por exemplo, o presidente do PSD admitiu mesmo não haver condições para recuperar integralmente a carreira dos professores, devido ao impacto que isso poderia ter nas contas públicas, assim como pela necessidade de encontrar um critério que se aplique de igual forma ao resto da Administração Pública”.

O PSD em outubro deste ano diz o dito por não dito para agarrar professores e abandona a igualdade de tratamento dos funcionários públicos enquanto Pedro Duarte do PSD justificava a mudança de posição dizendo que “nem tudo pode ser uma prioridade, sob pena de nada acontecer”, contudo em 2019, Hugo Soares foi contra a reposição do tempo de serviço dos professores.

Em março, os trabalhadores dos transportes públicos paralisaram as suas atividades por 24 horas, reclamando melhores salários, horários e condições de segurança. A greve afetou os serviços de metro, autocarro, comboio e barco em várias cidades, causando transtornos aos utentes.

Em maio os funcionários públicos fizeram uma greve geral por mais direitos e dignidade, denunciando o congelamento das carreiras, o aumento da precariedade e a falta de pessoal nos serviços públicos. A greve teve uma adesão de cerca de 70% e afetou vários setores como a educação, a saúde, a justiça e as finanças.

Em julho de 2022, passados cerca de seis meses da posse do Governo, a primeira moção de censura ao Governo é apresentada pelo CHEGA que foi “chumbada” no Parlamento com votos contra do PS, PCP, BE, PAN e Livre e abstenção de PSD e IL, tendo o proponente ficado isolado no voto a favor.

Passado um ano das eleições que deu uma maioria absoluta ao PS desencadearam-se movimentos e greves sindicais para pressionarem o Governo para ceder ao que não seria possível conceder. No fundo o objetivo era desgastar o Governo e aumentar a contestação social.

Depois de um ano de mandato surgiram casos com polémicas à mistura que vieram ajudar as oposições à direita e à esquerda do PS que provocaram 13 demissões de membros do Governo. Mas a dissolução do Parlamento, com que as oposições sonhavam, ainda não estava alinhada pela precaução do Presidente da República que alegava que isso só iria agravar a crise económica do país e atrasaria o cumprimento de prazos na aplicação dos fundos europeus.

Durante aquele período, a 5 de janeiro de 2023 a Assembleia da República reprovou a moção de censura ao Governo apresentada pela Iniciativa Liberal com os votos contra do PS, PCP e Livre e as abstenções do PSD, BE e PAN.

Em setembro do mesmo ano o Parlamento debateu uma moção de censura ao Governo novamente apresentada pelo CHEGA que foi a terceira que o executivo enfrentou desde o início da atual legislatura e que teria chumbo garantido. Eram os radicais de direita, com argumentos muito pouco consolidados, apenas para mostrar serviço aos seus potenciais eleitores.

O ano de 2023, pleno de peripécias para o Governo socialista e com ataques ao primeiro-ministro António Costa seriam condições suficientes para uma potencial queda e dissolução do Parlamento não fosse a maioria absoluta. Nem tão pouco as pressões indiretas sobre o Presidente da República surgiram efeito. Assim, podemos considerar que haveria de ser criada uma estratégia que surgisse efeito.

A nova estratégia aparentemente poderá ter vindo do mais do fundo dos meios conspirativos anti Governo socialista talvez com o apoio tácito por alguma parte do Ministério Público mais permeável às circunstâncias políticas. Uma hipotética trama terá vindo do após a verificação de que o trabalho iniciado por forças políticas, sindicatos, ordens profissionais e movimentos vários não estavam a resultar com a rapidez desejada e que o tempo urgia e a incriminação de responsáveis poderia ser a arma mais eficaz através de acusações mesmo que pouco fundamentadas e fiáveis. Fica a suspeição de que a Procuradoria-Geral da República poderá vir a ser uma espécie de quinto poder da República. Sobre o tema a Procuradora Geral Adjunta escreveu um artigo no jornal Público onde aborda algumas questões apreciáveis para reflexão.

Pode duvidar-se desta tese, mas não parece ser tão absurda quantio isso, porque em qualquer poder há sempre algo que se poderá investigar e encontrar no que respeita a crimes praticados por particular contra a administração em geral, mesmo por pouco que seja, mas que voa rápido por fugas de informação através da comunicação social que se encarregará de dar o impacto necessário.

É lamentável que em democracia partidos da direita como o IL, o CHEGA e até o PSD façam uma oposição centrada em denegrir pessoalmente a integridade pessoal e política de rivais partidários para chegar ao poder em vez de se centrarem na apresentação de alternativas e soluções governativas. Quando falam em ética deviam também olhar para si próprios cuja ausência os leva no confronto político a forjar justificativas a que recorrem para apresentarem ao eleitorado à falta de programa alternativo de governo demonstrando falta de ética enquanto opositores. Ou será que a ética não deve existir no confronto político?

As extremas-esquerda, as direitas e a extrema-direita também têm muito que repensar as suas estratégias porque, para atingirem os seus objetivos partidários, apoiam-se mutuamente, embora por razões diferentes, quando se trata estrategicamente do derrube de Governos.

A mais grave crise interna na “geringonça” aconteceu no final da XXI legislatura, semanas antes das eleições europeias que foram em 26 maio 2019, ainda o partido CHEGA não tinha representação parlamentar, quando o BE, PCP, PEV, PSD e CDS-PP aprovaram em sede de Comissão Parlamentar de Educação um diploma para a contabilização total do tempo de serviço dos professores na altura da liderança do PSD por Rui Rio.

Podemos recordar ainda a célebre conjugação entre a direita, a extrema-direita e a extrema-esquerda quando, em 27 de outubro, na votação na generalidade do Orçamento para 2022, o BE votou ao lado do PSD, CDS, CHEGA e Iniciativa Liberal contra a proposta do Governo. PCP e PEV juntaram-se a este conjunto de partidos e o Orçamento “chumbou”, tendo apenas o apoio do PS, as abstenções do PAN e das duas deputadas não inscritas.

Face a isto, este é o momento oportuno para refletir sobre dois pontos cruciais para a nossa democracia: a relação entre a justiça e os media e a sua contribuição para as crises políticas, para o derrube de governos e para a destruição da imagem de cidadãos, por vezes dificilmente recuperável, quando entram num rol de ódios de estimação a partidos, pessoas e instituições devido aos mais variados motivos.  

A estas condições acrescem os movimentos sociais pronunciados por sindicatos, ordens profissionais e outros movimentos ditos independentes e autointitulados sociais, organizados através de redes sociais que influenciam, mobilizam e angariam pessoas através de retóricas demagógicas, sejam eles da esquerda ou da direita, muitos deles até vindos de partidos com representação parlamentar. Há, assim, uma correspondência negativa, por vezes tóxica, entre o poder instituído e outros poderes e órgãos de comunicação social.

Em defesa dum jornalismo livre e dos profissionais que o integram, os profissionais do jornalismo apesar de, na generalidade, serem uma força corporativistas, não obstante, uma sociedade livre e democrática exige órgãos de comunicação social livres. Disso não se tem qualquer dúvida, nem sequer é questionável sua liberdade que nem sempre é respeitada

Cada vez mais faz sentido lançar novamente para o debate público o conceito, caído em desuso, que é o do “quarto poder”. Este conceito foi pela primeira vez utilizado durante a Revolução Francesa por semelhança com o de “quarto estado” como eram o clero, a nobreza e o povo correspondendo ao primeiro, segundo e terceiro estados respetivamente. Em 1821 a imprensa foi chamada pela primeira vez por Edmund Burke o “quarto estado” devido ao seu poder. O conceito deixou, entretanto, de ser utilizado, mas enfatiza a importância do jornalismo que enfatiza a sua importância para a política.

Contudo, é evidente que a política e os partidos necessitam do apoio não apenas a imprensa, mas sobretudo das televisões e dos outros meios de comunicação como os novos media associados à internet como as plataformas digitais e as redes sociais que têm sido elementos essências para se passarem mensagens e informações falsas.

Termino com uma citação dum artigo de opinião da Procuradora Geral Adjunta titulado “Como foi possível acontecer tudo aquilo a que assistimos há duas semanas?” onde escreve a certa altura: “Como se chegou até à tomada de decisões que provocaram uma monumental crise política e cujas consequências vão ainda no adro? Uma coisa é certa: ver um certo político populista de extrema-direita monopolizar a defesa da atuação do MP, dá muito que pensar! Outros haverá que resguardaram o regozijo da crise por entre dentes e aguardam a sua oportunidade num silêncio de marketing.”

Quanto á relação órgãos de comunicação com a política falarei num próximo blogue.