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Uma análise do discurso do presidente da Rússia Vladimir Putin antes da invasão da Ucrânia

22.04.22 | Manuel_AR

Ucrânia e Putin-8.png

Quem tiver paciência para ler na íntegra os discursos do Presidente Vladimir Putin antes e depois do 24 de fevereiro, data triste marcada pela invasão da Ucrânia pelas suas forças, encontrará nos artigos e opiniões escritos pelos que se dizem não pertencer ao “pensamento único do rebanho” muitas semelhanças, algumas passagens parecem ser frases transcritas sobre as causas da invasão fazendo parecer que são o ocidente, a OTAN, os EUA e a U.E. os grandes responsáveis por tal ato alinhando com as teses de Moscovo e, claro, como a da Embaixada Russa em Portugal.

Parecem querer deixar claro que as vítimas só merecem solidariedade quando são perfeitas, daí as acusarem de erros e outras culpas. Para esses se não há vítimas perfeitas, não há solidariedade para com eles nunca. É uma nova moral, a deles, que nos querem quase impor.

Elencam os defeitos ucranianos merecedores do inferno, por não serem os meninos bem-comportados que deviam ser. Se os ucranianos não são isentos de quaisquer culpas e serem por eles vistos como inocentes, então, não se pode reclamar dos alegados injustos e perversos crimes de guerra russos cuja responsabilidade não é dos russos, mas do seu chefe máximo Putin. Para esta gente as vítimas só merecem solidariedade se forem univocamente perfeitas e, como não há vítimas perfeitas, então não são nunca merecedoras de solidariedade.

Cito abaixo, com realce, algumas das citações dos argumentos do discurso de Putin publicado por alguns órgãos de comunicação russos a 24 de fevereiro de 2022 titulado com “O discurso do Presidente à nação em conexão com a situação no Donbass”.

Putin: Assim, começarei com o facto de que a Ucrânia moderna foi inteiramente criada pela Rússia, mais precisamente, bolchevique, a Rússia comunista. Este processo começou quase imediatamente após a revolução de 1917.

Putin parece prender ser o interprete único da história russa. A Ucrânia não deixou de ser um país por ter sido anexado durante a Revolução Soviética:

A Ucrânia não deixou de ser um país por ter sido anexado durante a Revolução Soviética, como também o foram outros países depois da II Guerra que ficaram sob a alçada da ex-URSS.

Putin omite factos históricos ao referir-se apenas à Ucrânia moderna. Mas um país, não é por isso que deixa de ser soberano e de existir historicamente. A Rússia moderna também foi criada pelos mesmos e não foi por isso que deixa de ser um país independente e soberano!

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Putin: sem qualquer autorização do Conselho de Segurança da ONU, …eles (o ocidente) conduziram uma sangrenta operação militar contra Belgrado, usaram aviação, mísseis bem no coração da Europa.

Os factos:

A operação militar foi decidida após o fracasso das negociações para terminar o conflito no Kosovo entre os separatistas armados albaneses do Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) e as forças sérvias comandadas pelo líder nacionalista Slobodan Milosevic.

A intervenção da NATO, com o objetivo de evitar uma limpeza étnica e crimes de guerra como os sucedidos em Srebrenica ou no cerco a Sarajevo, não teve a aprovação do Conselho de segurança da ONU após veto da Rússia e da China (entre os membros permanentes).

Em resultado dos bombardeamentos, a Jugoslávia retirou-se do Kosovo, que se tornou num país de facto, apesar de não ser reconhecido por um número suficiente de países. É no Kosovo que os EUA têm a maior base militar fora do país.

Slobodan Milosevic acabou por se demitir em 2000 face a manifestações e no ano seguinte foi preso e levado para Haia, onde o Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia o acusou de crimes de guerra e contra a humanidade. A sua morte por ataque cardíaco, em 2006, impediu o desfecho do caso.

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Putin: …Temos que lembrar esses factos, porque alguns colegas ocidentais não gostam de recordar esses eventos, e quando falamos sobre isso, eles preferem apontar não para as normas do direito internacional, mas para as circunstâncias que eles interpretam como bem entenderem.

Antes da invasão da Ucrânia terá Putin, olhado para as normas do direito internacional? Este argumento é também utilizado pelos que se colocam ao lado de Putin, ao recorrer ao”mau comportamento” do ocidente para justificar a agressão. Parece que, neste caso, quem coloca de lado todas as normas e pratica crimes de guerra como os que se têm visto pelos órgãos de comunicação é o próprio Putin com a invasão após a data do discurso.   

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Continua o discurso:

Putin: Depois foi a vez do Iraque, Líbia, Síria. O uso ilegítimo da força militar contra a Líbia, a perversão de todas as decisões do Conselho de Segurança da ONU sobre a questão líbia levou à destruição completa do Estado, ao fato de que surgiu um enorme foco de terrorismo internacional, ao fato de que o país mergulhou em uma catástrofe humanitária, no abismo da guerra civil de longo prazo que ainda não cessou. A tragédia à qual centenas de milhares e milhões de pessoas estavam condenadas, não só na Líbia, mas em toda esta região, deu origem a um êxodo migratório em massa do norte da África e do Oriente Médio para a Europa.

Foi preparado um destino semelhante para a Síria. As ações militares da coligação ocidental no território deste país sem o consentimento do governo sírio e a sanção do Conselho de Segurança da ONU nada mais são do que agressão, intervenção.

Em 2015, as Forças Armadas foram usadas para colocar uma barreira confiável à penetração de terroristas da Síria na Rússia. Não tínhamos outra maneira de nos proteger.

Os factos:

Os factos foram intencionalmente distorcidos no discurso para que Putin tivesse argumentos para uma despropositada comparação com a invasão que lançou sobre a Ucrânia, esquecendo a sua intervenção na Síria para a apoiar o ditador Assad.

Uma coligação liderada pelos EUA também realizou ataques aéreos e mandou forças especiais para a Síria a partir de 2014 para ajudar uma aliança de milícias curdas, árabes, assírias e turcas chamada de Forças Democráticas Sírias, as FDS, que antes estava dominando pelo Estado Islâmico. As (FDS) defendem um governo secular, democrático e federalista em território sírio.

O Presidente russo, Vladimir Putin em 2015 mobilizou as suas tropas para ajudar Bashar al-Assad na guerra civil na Síria que já leva mais de uma década. Em 2016 a zona oriental de Alepo era conquistada pelo regime às forças da oposição, com a ajuda da força aérea da Rússia, que reduziu praticamente a ruínas uma das cidades mais antigas do mundo.

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Putin: Após o colapso da URSS, a redivisão do mundo realmente começou, e as normas do direito internacional que se tinham desenvolvido naquela época – e a chave, as básicas foram adotadas no final da Segunda Guerra Mundial e consolidaram em grande parte seus resultados – começaram a interferir com aqueles que se declararam vencedores na Guerra Fria.

O saudosismo:

Putin mostra-se saudosista e elogia indiretamente o passado ao tempo da URSS para imputar ao ocidente a culpa de todos os males que inclusivamente levaram ao fim da Guerra Fria.

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Putin: … a invasão do Iraque também sem qualquer fundamento legal. Como pretexto, eles escolheram as supostas informações confiáveis disponíveis para os Estados Unidos sobre a presença de armas de destruição em massa no Iraque. Como prova disso, publicamente, diante dos olhos de todo o mundo, o Secretário de Estado dos EUA sacudiu algum tipo de tubo de ensaio com pó branco, assegurando a todos que esta é a arma química que está sendo desenvolvida no Iraque. E então descobriu-se que tudo isso era uma fraude, um blefe: não há armas químicas no Iraque. Incrivelmente, surpreendentemente, o fato permanece. Havia mentiras no mais alto nível estadual e da alta tribuna da ONU. E como resultado, enormes baixas, destruição, uma incrível onda de terrorismo.

Confundir e misturar factos são argumentos ineptos:

As fraquezas e estratégias errada da política externa dos EUA e de países que o coadjuvaram na invasão do Iraque foi uma espécie de retaliação ao terrorismo do 11 de setembro de 2000 muito mal escolhida, mas não se tratou de uma ocupação territorial e à luz da mora não pode justificar um caso de invasão como aquele que Putin cometeu.

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Putin: Apesar de tudo, em dezembro de 2021, tentámos mais uma vez chegar a um acordo com os Estados Unidos e seus aliados sobre os princípios de garantir a segurança na Europa e sobre a não expansão da OTAN. Tudo em vão. A posição dos EUA não está mudando. Eles não consideram necessário negociar com a Rússia sobre esta questão-chave para nós, perseguindo seus objetivos, negligenciando nossos interesses.

 

A tese da liberdade de escolha:

A que interesses é que Putin se refere? Voltar a fazer sucumbir os países quer estiverem sob o domínio da Ex-URSS? É que Putin ainda não conseguiu digerir a sua frustração de que países que eram satélites da URSS após a libertação da sua esfera estejam a optar por aderir à União Europeia e pedirem a sua entrada para a OTAN. Países livres e soberanos têm o direito de optar pela sua entrada nas organizações que entenderem e, se isso, acontece talvez seja porque estejam receosos da uma agressão por parte de Moscovo/Putin e que lhes acontecesse como está a gora a acontecer à Ucrânia.

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Putin: Quanto à esfera militar, a Rússia moderna, mesmo após o colapso da URSS e a perda de uma parte significativa de seu potencial, é hoje uma das potências nucleares mais poderosas do mundo e, além disso, tem certas vantagens numa série de novos tipos de armas. A este respeito, ninguém deve ter dúvidas de que um ataque direto ao nosso país levará à derrota e terríveis consequências para qualquer potencial agressor.

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A expansão da infraestrutura da Aliança do Atlântico Norte, o início do desenvolvimento militar dos territórios da Ucrânia são inaceitáveis para nós. Certamente não é sobre a própria OTAN – é apenas um instrumento da política externa dos EUA. O problema é que nos territórios adjacentes a nós – notei, em nossos próprios territórios históricos – está sendo criado um hostil "anti-Rússia", que é colocado sob controle externo total, intensamente estabelecido pelas forças armadas dos países da OTAN e bombeado com as armas mais modernas.

Para os Estados Unidos e os seus aliados, esta é a chamada política de conter a Rússia, dividendos geopolíticos óbvios. E para o nosso país, é, em última análise, uma questão de vida ou morte, uma questão do nosso futuro histórico como povo. E isso não é um exagero – é. Esta é uma ameaça real não só aos nossos interesses, mas à própria existência do nosso Estado, à sua soberania. Esta é a linha vermelha que tem sido repetidamente falada. Eles atravessaram.

 

A omissão dos falsos pacifistas:

Putin pontua sobre uma possível justificação para iniciar uma invasão seja onde for por motivos de defesa e clama ao povo pelo orgulho nacional na sua defesa preparando a população para potenciais ataques sobre os que ele chama agressores.

Putin contradiz todos quantos criticam e assinalam o ocidente como um conjunto de países belicistas que tem enormes custo financeiros com inclusão nos orçamentos dos países enormes verbas destinados ao armamento. Putin é claro no que diz respeito ao armamento e ao investimento nas suas forças armadas considerando a Rússia como “uma das potências nucleares mais poderosas do mundo. A todos quanto sejam contra os EUA e os seus aliados Putin agradece a ajuda e é um estímulo para futuras pretensões expansionistas.

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Putin: Vemos que as forças que realizaram um golpe de Estado na Ucrânia em 2014 tomaram o poder e estão segurando-o com a ajuda, de facto, de procedimentos eleitorais decorativos, finalmente abandonaram a solução pacífica do conflito. Durante oito anos, fizemos todo o possível para resolver a situação por meios pacíficos e políticos. Tudo em vão.

A falsa desculpa:

A atuações do Kremlin como se passa na Bielorrússia onde está há anos um ditador títere de Moscovo, e na própria Rússia onde a oposição é esfrangalhada e depois perseguida por Putin, tal qual hoje a censura férrea está em circulação em toda a Rússia. Fazem censura ao que se passa na Ucrânia e proíbem a liberdade de expressão sobre a guerra. Então não é uma intervenção militar especial?

 

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Putin: Claro, eles também irão para a Crimeia, assim como em Donbass, com guerra, a fim de matar, como punidores de gangues de nacionalistas ucranianos, cúmplices de Hitler durante a Grande Guerra Patriótica, mataram pessoas indefesas. Eles também declaram abertamente que reivindicam uma série de outros territórios russos.

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Todo o curso dos acontecimentos e a análise das informações recebidas mostram que o confronto da Rússia com essas forças é inevitável. É só uma questão de tempo: eles se preparam, esperam por uma hora conveniente. Agora eles também afirmam possuir armas nucleares. Não permitiremos que isso aconteça.

As mentiras desmontadas pelos factos:

A justificação para a invasão era que, o inimigo, a Ucrânia, seria um potencial invasor e que, como tal, para o evitar deveria ser primeiro invadido. Apenas e porque havia “análise das informações recebidas”.  Também para Hitler o inimigo eram os judeus e a Polónia e que, por isso, a invadiu. Curiosa esta narrativa. Como Putin, no seu discurso antes da invasão, preparava os russos para o apoio das suas teses conotando e chamando aos ucranianos nacionalistas, nazis e neonazis e até cúmplices de Hitler. Vemos agora, trinta e quatro dias, após a invasão da Ucrânia quem é criminoso de guerra! 

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Putin: … a Rússia após o colapso da URSS aceitou novas realidades geopolíticas. Respeitamos e continuaremos a tratar todos os países recém-formados no espaço pós-soviético da mesma forma.

… a Rússia não pode se sentir segura, desenvolver, existir com uma ameaça constante emanando do território da Ucrânia moderna.

… decidi realizar uma operação militar especial. O seu objetivo é proteger as pessoas que foram submetidas ao bullying e ao genocídio pelo regime de Kiev por oito anos. E para isso, lutaremos pela desmilitarização e desnazificação da Ucrânia, bem como trazendo à justiça àqueles que cometeram numerosos crimes sangrentos contra civis, incluindo cidadãos da Federação Russa.

Ao mesmo tempo, nossos planos não incluem a ocupação de territórios ucranianos. Não vamos impor nada a ninguém à força.

 

A pergunta que merece resposta

Se os planos não incluem a ocupação de territórios ucranianos e de não impor nada a ninguém, a pergunta que se coloca é então o que foi que aconteceu nos últimos 39 dias e o que continua a acontecer?  Será que tudo quanto se vêm em todos os canais informativos de todo o mundo, com exceção da Rússia, é tudo ficção, mentira e propaganda do ocidente? Só os apoiantes do Kremlin é que acreditarão nisso refugiando-se do que no passado o ocidente também fez.

 

Putin: No centro de nossa política está a liberdade, a liberdade de escolha para todos determinarem independentemente seu futuro e o futuro de seus filhos. E consideramos importante que esse direito – o direito de escolha – possa ser usado por todos os povos que vivem no território da Ucrânia de hoje, por todos que o querem.

 

Salvadores há muitos.

Mais uma vez a deturpação das realidades Putin quer mostrar-se ao povo russo como o grande salvador da humanidade e, neste caso, da Ucrânia. Falar em liberdade quando no seu país ela está condicionada ou não existe, falar no direito de escolha quando quer impor a sua escolha a outros. Um país soberano, seja ele o que for tem o direito de escolher o que regime que quiser, não necessita de salvadores que os ocupem.

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Ecos da história.

Desde o início de março de 2014, manifestações de grupos pró-russos e anti governo ocorreram nos oblasts de Donetsk e Luhansk, que integram a região da Bacia do Rio Donets, na sequência da Revolução ucraniana de 2014 e do movimento Euromaidan. Esse conflito armado ocorreu em parte do território ucraniano que foi objeto de diversos protestos pró-russos em todo sul e leste da Ucrânia. Trata-se de um conflito armado entre as forças separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk e o governo ucraniano.[43][44] Os separatistas são amplamente liderados por cidadãos russos.[45] Os paramilitares voluntários russos são relatados por compor entre 10% e mais de 50% dos combatentes.

Após o colapso da União Soviética em 1991, a Ucrânia firmou-se como uma nação independente. Contudo, no Leste, especialmente em Donetsk e Luhansk (na região da Bacia do Donets (Donbas), as minorias russas começaram a reinvindicar mais autonomia política, algo a que o governo central em Kiev resistia. No final da década de 2000, o governo ucraniano passou a buscar uma maior aproximação com a Europa Ocidental, algo que a Rússia via com maus olhos. Em 2013, em meio a uma crise económica, o presidente Víktor Yanukóvytch rejeitou um acordo com a União Europeia e iniciou uma reaproximação com o governo russo. A população ucraniana, principalmente aquelas concentradas nas grandes cidades do Oeste, iniciaram-se enormes protestos (conhecidos como Euromaidan) e forçaram o presidente Yanukóvytch a renunciar em fevereiro de 2014. Aproveitando-se do caos político que se seguiu na Ucrânia, a Rússia anexou, em março, a região da Crimeia.

 

Em síntese: E mais não digo. Se não existissem estes pretextos Vladimir Putin recorreria a outros para justificar a invasão que há muito terá premeditado. O tempo oportuno foi este após a saída de Merkel da cena política e a presidência dos EUA ter mudado de Trump para Biden.