Por Putin com amor ou os nossos agentes de Moscovo
Facciosos que pretendem desviar as atenções das responsabilidades de Putin nesta guerra insistem no que os EUA e a NATO fizeram no passado, mas omitem que o presidente russo já foi acusado de financiar vários partidos da extrema-direita na Europa; omitem ter interferido nas eleições norte-americanas, procurando beneficiar Donald Trump; omitem que Putin não esconde as suas preferências na Europa por Órban, Le Pen, Salvini, Santiago Abascal.
Nas últimas semanas tem-se multiplicado uma infinidade de artigo de opinião e de comentários numa dicotomia entre os que revelam claramente estar contra a invasão e os outros, os pró Putin.
Antes de continuar, e porque parece estar a haver alguma animosidade contra os russos, devo esclarecer que nada tenho contra o povo russo nem contra a sua cultura, a minha opinião é a de estar contra as políticas de um líder autocrático e oligárquico que impôs ao povo russo uma democracia(?) iliberal belicista.
Uma democracia iliberal visa um poder executivo forte, controlando e manipulando os limites das instituições garantes da democracia tais como tribunais e outras instituições democráticas do estado. Para o justificar argumentam que essas instituições, garantes dos valores democráticos e de liberdade não possuem atribuições eleitorais e, como tal, impedem a vontade da soberania do povo. Desta forma a narrativa social é construída ganhando, assim, legitimidade dentro do cenário democrático. Sobre democracia iliberal ver aqui.
Ao escrever este texto veio-me à memória “From Russia with Love” com a tradução em português “Da Rússia com Amor”, filme de espionagem lançado em 1963 que permanece relativamente fiel ao romance de Ian Fleming, escritor britânico e autor do livro com o mesmo nome.
Questionei-me sobre o porquê deste filme surgir na minha memória. A memória recente deu-me a resposta: foi o nome do comentador Alexandre Guerreio que ouvi recentemente seguir o mesmo relato da propaganda de Putin e dos seus mandatários que podem ver aqui.
Em tempos de guerra surge sempre quem se colocam de um lado, ou de outro, dos intervenientes do conflito. Foi assim também na segunda guerra mundial quando, por estranho que pareça, também houve quem estivesse do lado III Reich, no início não só os alemães.
Instalou-se com esta guerra um conjunto de gente, felizmente pouca, antiamericana e anti NATO às quais acrescentam o seu antieuropeísmo irracional. Os apoiantes desta corrente não são recentes, agitaram-se a pretexto da invasão da Ucrânia por Putin e colocam-se do lado de um Estado que agride militarmente outro povo soberano e que o massacra. Esta é a realidade e não há argumentos que o justifiquem por mais rebuscados que sejam.
Esta gente reanima ódios antigos que vêm do tempo da URSS e da Guerra Fria que agora estão a ser aproveitados para a sua ressurreição com novos contornos. Daí as teses do PCP contra os EUA, a NATO e a União Europeia em favor da defesa das posições do Kremlin.
O colapso da URSS que foi recalcado por uma espécie de catarse saiu do seu subconsciente ideológico. A retórica da paz que proclamam, com omissões de princípio, em relação à invasão da Ucrânia, vem das palavras de Jerónimo de Sousa que vinculam o PCP e está nas críticas feitas ao governo ucraniano em linha com as de Moscovo. Ao mesmo tempo que diz apoiar o apelo “à solidariedade e ajuda humanitárias às populações”, acusa a Ucrânia de dar apoio a grupos fascistas ou neonazis, alinhando com uma das narrativas usadas por Putin para justificar a invasão daquele país.
Os argumentos recorrem a históricos condenatórios de outras guerras em que intervieram outros Estados, mas cujos contornos e circunstâncias não se encaixam com as atuais. Seria bom que o PCP em vez de falar em golpes recordasse o que se passou na Ucrânia.
Sem me alargar em história porque isso compete a outros debruço-me apenas sobre alguns factos da atualidade da última década para nos situarmos.
Yanukovych foi presidente da Ucrânia de 25 de fevereiro de 2010 a 22 de fevereiro de 2014 que formalmente rejeitou um acordo de cooperação com a União Europeia que há muito tinha sido negociado e que poderia, no futuro, fazer passar a Ucrânia a ser um dos seus membros e integrar o bloco dos 28 países. Este mesmo presidente, na mesma altura, terá recebido uma série de empréstimos oferecidos pelo governo russo de Putin iniciando um processo de aproximação política com o Kremelin. Esta situação levou a uma série de protestos no oeste da Ucrânia denominados "Euromaidan" que já tido início em 21 de novembro de 2013. Protestos públicos que evoluíram para apelos à renúncia do presidente Viktor Yanukovych e do seu governo.
Além da questão da integração com a Europa havia ainda acusações de corrupção contra elementos do governo, pró-Rússia, que também motivou os protestos.
A análise da situação concluiu que Yanukovych estaria sob pressão direta da Rússia e que o anúncio brusco de que o acordo com a União Europeia não seria assinado por os russos de Putin ameaçarem impor sanções à Ucrânia tendo sido Yanukovych chamado de urgência para um encontro em Moscovo com o presidente Vladimir Putin.
Mas voltemos à atualidade recente. O estilo fascizante de Putin está presente na organização de um comício político disfarçado de concerto no passado 18 de março do corrente que e cujo seu discurso podemos considerar como sendo para a obtenção de apoio à guerra, de exaltação patriótica e de celebração dos feitos militares da Federação Russa na Ucrânia ao velho estilo nazi.
Do meu ponto de vista há os que dizem defender a paz e ao mesmo se colocam do lado de Putin. Esses que dizem defender a paz são os que sustentam que a culpa da guerra é de outros. Sem o dizerem claramente alinham com o pensamento do presidente Vladimir Putin que, em dezembro de 2021, lamentou o colapso da União Soviética há três décadas a que ele chamou "Rússia histórica", conforme noticiou na altura a agência Reuters.
Os comentários de Putin, em tempo divulgados pela TV do Estado Russo (RT-Russia Today), terão provavelmente alimentado ao que chamaram especulação sobre as suas intenções em política externa que os críticos internos, (não sei se hoje ainda existem), aproveitaram para o acusar de projetar a recriação da União Soviética e de contemplar um ataque à Ucrânia, ação que na altura o Kremlin de Putin considerou como sendo ousada.
Não há dúvida de que a Rússia de Putin é uma democracia iliberal autocrática tendencialmente expansionista que parece estra a pretender provocar uma crise idêntica à que a Alemanha Nazi colocou em prática em 1938. Há mesmo quem chame a Putin czar e o compare a Stalin e a Ivan, o Terrível, quando na Polónia em 2009 falavam de Putin.
Escrevia-se então em setembro de 2009 aquando das comemorações do início da Segunda Guerra Mundial em Gdansk que “Putin passou a última década a procurar restaurar a grandeza russa, em parte através da reabilitação de Josef Stalin e a encorajar uma narrativa heroica e nacionalista dentro do país”.
Estas afirmações são preocupantes pela tentativa de recuperar um passado tenebroso utilizando táticas semelhantes através da utilização de armamento mais sofisticados e com novas estratégias.
Há um erro quando se pensa que a Rússia, em 1939, trouxe a liberdade à Europa central. Estaline atraiçoou a Polónia depois da invasão nazi invadindo-a pelo Leste. Hoje as ambições imperiais de Putin continuam a ser um perigo, como foi demostrado pela guerra contra a Geórgia em 2008.
Foi em Gdansk onde começou a invasão da Polónia pela Alemanha de Hitler. No dia 1 de setembro de 1939 iniciou uma guerra de seis anos. A Polónia foi dividida em 1939 pelas tiranias gémeas de Hitler e Estaline e foi onde ocorreu o assassinato em massa de judeus no Holocausto nazi e terá sido o principal alvo de campanhas de propaganda concertada russa do Kremlin.
Relativamente à Ucrânia podemos supor que todas as tentativas para chegar a um acordo de paz com Putin serão do ponto de vista moral do direito internacional e do ponto de vista prático e político serão infrutíferos, prejudiciais e perigosos tal e qual o foram todas as tentativas de apaziguar as nazis realizadas entre 1934 e 1939 ao fazer vários acordos e pactos que resultaram em fracassos e não foram respeitados.
Elísio Estaque, sociólogo, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra escreveu num artigo de opinião mo jornal Publico que “O facto de a NATO ter sido criada como força de oposição à URSS num contexto de Guerra Fria, de profunda divisão ideológica no mundo ocidental (capitalismo versus socialismo), associado à imagem do exército soviético no pós-guerra, visto como força libertadora no confronto contra a Alemanha nazi, contribuiu para perpetuar a simpatia das “vanguardas” com a “pátria do socialismo” durante décadas. Desde a Revolução de Outubro, com Lenine e Trotsky, passando por Estaline, Krushtchov, Brejnev, etc, mesmo após a implosão do regime, muitos continuaram a ver no poder russo a força capaz de se opor aos EUA, o locus do poder hegemónico num mundo unipolar.
Na sua cegueira dogmática já veem nesta guerra as trombetas a anunciar o fim do capitalismo ocidental e a consequente queda do império americano.
Fazer comparações com outras ações belicistas da NATO, no passado, ou apresentar contabilidades da mortandade em várias outras latitudes que não a Europa, são de uma insensatez intolerável. Nenhuma ação bélica desta natureza pode ser relativizada, seja onde for e por quem for”.
Facciosos que pretendem desviar as atenções das responsabilidades de Putin nesta guerra insistem no que os EUA e a NATO fizeram no passado, mas omitem que o presidente russo já foi acusado de financiar vários partidos da extrema-direita na Europa; omitem ter interferido nas eleições norte-americanas, procurando beneficiar Donald Trump; omitem que Putin não esconde as suas preferências na Europa por Órban, Le Pen, Salvini, Santiago Abascal.
Há quem esteja com uma venda nos olhos espreitando por alguns orifícios causados pelo desgaste ou que não queira ver por néscia teimosia, e menos por ignorância, e que, por isso, insistem na retórica discursiva do prisioneiro inocente que se defende dizendo que foram outros que o quiseram tramar.