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Pela Avenida Almirante Reis ida e volta

02.10.21 | Manuel_AR

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Tenho por hábito fazer caminhadas pelas ruas da área central da cidade Lisboa, hábito entretanto interrompido voluntariamente devido ao confinamento que me limitou ao espaço limítrofe da minha residência.

Hoje iniciei a minha dependência de exercício físico moderado que também me desperta os sentidos para a observação de lugares e pessoas que de movem pelos espaços da minha caminhada.

O trajeto definido para hoje foi a descida de toda a Av. Almirante Reis tendo como objetivo Martim Moniz, Largo de São Domingos, Rossio com regresso pelos mesmo trajeto.

Durante este meu périplo tive a oportunidade para estar atento a mudanças que se terão dado desde há quase dois anos. A atividade e o fluxo ininterrupto de pessoas pareceram-me terem recuperado para os de antes da pandemia.

As ciclovias descendente e ascendente lá estavam, lindas, pintadas a verdezinho, como Medina as sonhou, o que prova que Lisboa é uma cidade com sustentabilidade ambiental dada apenas pelo verde das ciclovias que agora Moedas quer eliminar.

Ambulâncias desciam a avenida com as sirenes a gritar para os veículos automóveis se encostarem à direita da via cujo espaço era diminuto o que as obrigou a invadir o espaço das ciclovias para poderem rapidamente progredir em direção ao ponto de socorro, suponho, do Hospital de São José.

Durante todo o meu trajeto de descida da Avenida tive oportunidade de contar os velocípedes que a desceram ou subiram por aquelas verdes ciclovias. Pasmem-se: quatro. Sim, quatro que subiam e não dei por algo que descesse. Podem perguntar durante quanto tempo. Foi o tempo que, ao meu passo de passeio, demorei a descer aquela via, ou seja, cerca de meia hora até ao Martim Moniz.  Em trinta minutos subiram aquela artéria quatro utilizadores de bicicletas, em oito horas de trabalho passariam teoricamente sessenta.

Talvez Fernando Medina me dissesse que não tenho visão de futuro porque daqui a 100 anos passarão a ser muitas mais. Temos é que acabar com os automóveis na cidade para ela ficar mais verde, exaltaria. Temos que pôr todos a andar de bicicleta, mesmo quem não saiba nem possa pedalar, crianças, homens, mulheres, idosos e idosas, doentes para irem a uma consulta hospitalar. Pois então! É assim que uma cidade fica menos poluída. Não é como esse Moedas que pretende trazer ainda mais automóveis para dentro da cidade com a promoção de preços baixos para estacionamento.

Apenas por curiosidade, Lisboa, nos censos de 2020, tem uma população dos 15-64 anos de 280124 pessoas e com 65 e mais anos apresenta 143990 pessoas, mais de metade da considerada em idade ativa (Fonte INE).   

Mas voltemos ao meu circuito. Ao chegar à Praça de Figueira deparei-me com um cenário próximo do pré-covid-19, turistas estrangeiros por todo o lado que espreitavam as ementas colocadas à porta dos restaurantes populares e baratuchos, pois os que agora para aqui viajam aparentam ser de classe média baixa e, sobretudo, mais jovens. O centro de Lisboa voltou a ser um “espaço turistificado”, desordenado. Entenda-se por turistificação, segundo alguns geógrafos, uma paisagem que pode apresentar-se destruída em decorrência do uso turístico ou da especulação imobiliária, e, para outros, especialmente os que não conheceram a paisagem antes pode ter outro valor, que gere atratividade e mereça destaque.

A articulação entre Câmara e o Governo, pode direcionar o planeamento da cidade dando prioridade a novas procuras do espaço urbano de sobrevalorizando o atendimento turístico, deixando para segundo plano os interesses da população local.

Terá sido Medina o responsável? De qualquer modo bem-vindos a Lisboa da covid (ou ex-covid?), do turismo e das bicicletas e do salve-se quem puder. Sim, das bicicletas! Como assim?

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Da Praça da Figueira dirigi-me para o largo de S. Domingos onde a Igreja do mesmo nome, arquitetura religiosa barroca, muito visitada depois do violento incêndio que quase a dizimou a 13 de agosto de 1959, mas onde ainda se podem ver as colunas corroídas pelo calor que as calcinou.

Acedi ao largo através do percurso pedestre que liga a Praça da Figueira ao referido largo pela Rua Dom Antão Vaz de Almada. Qual o meu espanto e perplexidade quando me deparo com um grupo excursionistas de mais de uma dúzia de bicicletas que transportavam estrageiros que ocupavam a maior parte do espaço pedonal e que se dirigiam em direção à referida Praça atrás de outro velocípede pedalado por um sujeito de calção e capacete que me pareceu ser o guia. Pedalavam equilibrando-se nas duas rodas sem qualquer respeito pelos peões que naquele momento se deslocavam no passeio que deveria ser apenas a eles destinado, mas que eram obrigados a desviarem-se. Pensei: bem visto ó Medina! Mas olha que eu, mesmo assim, votei em ti.

Não, Fernando Medina não perdeu por causa das bicicletas e das trotinetas em desmando pela cidade, mas ajudaram. A sustentabilidade das cidades não se faz com as bicicletas e com as trotinetas e com ciclovias pintadas de verde não, não vão salvar a cidade nem o planeta. Evitar e reduzir automóveis nas cidades é uma coisa, substituí-los por outros preferencialmente e sem critério, de costas viradas para a maioria dos cidadãos, é outra.

Era a hora de regressar seguindo o itinerário no sentido inverso, desta vez em direção a norte pelo passeio da direita, felizmente que ainda os há, mesmo que bicicletas driblando perigando peões que se passeiam pelo piso da calçada portuguesa.

O troço de Martim Moniz pela Avenida antigamente denominada Avenida D. Amélia que após a revolução republicana de 1910 mudou para a denominação atual até ao denominado Bairro das Colónias é acompanhada pela muda de gentes que se deslocam para cima e para baixo com predominância das provenientes da Ásia que se começam a sobrepor-se aos africanos que nas últimas décadas dominavam e que deverão ter escolhido novos lugares.

Estes asiáticos – chineses, paquistaneses, indianos, bangladeshianos, nepaleses - são imigrantes que vieram substituir a mão-de-obra que nega trabalho em algumas áreas e no pequeno comércio variado que dá ao português muita preocupação e pouco rendimento. Contrariamente aos que grupos racistas e nacionalistas da extrema-direita nacionalistas e neonazis que dizem que esses vieram tirar o trabalho aos autóctones, numa inversão propositada do problema. A falta de mão de obra em alguns serviços, deve-se aos autóctones que não querem trabalhar nesses serviços.  

Já próximo da Praça do Chile e passando pela Rua Morais Soares pareceu-me que tinha ultrapassado fronteiras encontrando-me nos espaços de Katmandu e de Daca a estes imensos brasileiros.

Ao regressar a casa chegou-me à memória Margarida Martins agora ex-Presidente da Junta de Freguesia resultante da agregação das antigas freguesias de São Jorge de Arroios e Pena e com a quase totalidade do território da antiga freguesia dos Anjos que terá observado, não me lembro em que circunstâncias nem em que lugar, que Arroios era a freguesia mais multicultural de Lisboa.

A propósito, em fevereiro de 2019, o Jornal de Notícias escrevia que “Passear pelo Largo do Intendente, ou Avenida Almirante Reis ilustra esta realidade. As esplanadas e os restaurantes são autênticas Torres de Babel, com clientes de todo o mundo sentados, lado a lado. A isto junta-se a diversidade de lojas, de templos religiosos e aromas que, por si só, nos transportam para outras paragens do Mundo.

Orgulhosa desta diversidade, Margarida Martins, a presidente da Junta de Freguesia de Arroios, atribui esta fraternidade à aposta na integração logo a partir dos bancos da creche. "Na maioria dos casos, há 24 nacionalidades de meninos que crescem juntos. Habituam-se a ver-se como iguais, convivendo com as diferenças, onde a língua portuguesa é sempre o elo de ligação", explicava.