Os novos sinais de perigo que chegam da Ucrânia: um editorial do jornal Público
Editorial
Publicado no jornal Público
27 de Junho de 2022
Manuel Carvalho
Os novos sinais de perigo que chegam da Ucrânia
O tirano que é capaz de bombardear civis ou que encolhe os ombros perante a ameaça de uma impensável crise alimentar mundial não pensa nem actua num quadro mental em que entra a razão, a emoção ou a humanidade.
A brutalidade da invasão da Rússia continua a exigir mais do que a destruição de cidades. A satisfação dos tiranos do Kremlin não se garante com os combates na frente, o cerco dos inimigos, o bombardeamento táctico ou estratégico de alvos militares. Precisa do terror para se alimentar. Precisa de bombardear centros comerciais povoados por gente normal para mostrar músculo e manter a Ucrânia e o mundo sob ameaça. Se uma potência média resiste desde Fevereiro aos ataques do gigante, a sua punição e a dos que a apoiam têm de se pagar com a barbárie.
Nos últimos dias confirmaram-se as piores expectativas. A mão imperialista que domina o Kremlin e subjuga a Rússia não se contenta apenas com a conquista e a anexação do Donbass. As suas forças militares estão exangues, o seu papel na alta finança mundial está esgotado, mas enquanto houver gás, armas, propaganda e intimidação, Putin não vai parar. Pode haver fome generalizada nos países mais pobres, a Ucrânia pode ficar ainda mais devastada, o isolamento da Rússia no continente onde gosta de ser potência há 300 anos pode adensar-se, mas neste cenário de horrores só parece sobrar a fuga para a frente.
Faz por isso todo o sentido que a NATO e as democracias ocidentais se preparem para o pior. Que agravem as sanções, que reforcem a ajuda à Ucrânia, que tratem de aumentar a sua capacidade de resposta militar rápida para 300 mil homens. O tirano que é capaz de bombardear civis ou que encolhe os ombros perante a ameaça de uma impensável crise alimentar mundial não pensa nem actua num quadro mental em que entra a razão, a emoção ou a humanidade.
A Rússia é hoje muito mais do que nos primeiros dias do conflito uma ameaça para a Europa. A firmeza da resposta ocidental surpreendeu e irritou a fera. O Donbass já não basta. Os receios do envio de tropas para Kaliningrado ou para a fronteira entre a Lituânia e a Bielorrússia ganham consistência. Zelensky quer acabar a guerra até ao final do ano, mas nada nos garante que a Rússia, movida pelo superávite do gás e do petróleo, esteja disposta a aceitar uma meia vitória ou uma meia derrota. A megalomania é uma marca dos déspotas.
No entorpecimento que o tempo começa a causar, convém estar atento. Vivemos o momento mais dramático da história europeia desde a Segunda Guerra, e o cenário pode piorar. A unidade da Europa e da NATO e a certeza moral de que o Kremlin de hoje é uma ameaça à paz e à democracia são dos poucos trunfos de que dispomos para manter o optimismo.