Os intocáveis
Não aprecio futebol, e, por isso, não discuto enquanto tal, pronto. Há várias razões para tal, uma dleas é que o desporto não deve ser alienação, outra é que todos são contra a corrupção na política ligada aos negócios, mas quanto ao futebol vamos lá ver..., não é bem assim. Para a extrema direita a corrupção na política é uma das suas armas de batalha. Mas, quando se trata da corrupção no futebol mesmo quando envolvida com a política a coisa pia mais fino, ou melhor, não pia e, por maioria de razões quando algum desses pertence a um desses clubes.
Todos dizemos ser contra a corrupção mas não basta ser contra e escrever artigos tendo em vista publicitação de intervenções que dizem participar em ações contra a dita tendo como base a Lei n.º 83/2017 de 18 de agosto que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, que transpõe parcialmente as Diretivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e 2016/2258/UE. Os políticos podem utilizá-la como disfarce quando estão no mesmo saco e sabem como lhe dar a volta bem dada.
A corrupção abrange um vasto espetro de pessoas e de influências, compadrios, áreas e temas que não se resumem apenas ao suborno para obter vantagem em negociatas onde se favorece uma pessoa ou grupo em detrimento de outros. Pode também passar por objetivos publicitários indiretos de organizações desportivas e até pela repressão e perseguição a opositores desportivos.
Segundo a revista Sábado as investigações nos processos do futebol Leaks cruzam clubes e transferências de atletas. No Benfica visam-se clubes estrangeiros e empresas de intermediação por causa de jogadores e que o clube e Luís Filipe Vieira são dois dos alvos privilegiados da investigação.
Mas há também os intocáveis que normalmente estão protegidos por grandes influências ou por pessoas poderosas. E ainda as comprovadas pretenções dos dirigentes dos clubes para influenciar políticos a pertencerem aos órgãos dirigentes como aconteceu com o Presidente do Benfica Filipe Vieira que, em 6 de junho do corrente ano, disse querer "contar com o atual presidente da Câmara Municipal de Lisboa no Conselho Estratégico do clube. Única condição deste órgão social do clube é ser sócio efetivo do Benfica".
Face aos acontecimentos surgem os negacionistas e os "doentinhos" do futebol clubista a dizer que tudo são "inventonas", que nada aconteceu, que são os inimigos e os adversários do clube... etc., etc.. E ainda aparece o poder político que, quando se fala de futebol nem quer falar e empurra para outras instâncias. Sabemos bem porquê. Os votos do clubistas também contam...
O futebol não pode sair incólume, nem haver intocáveis. Pedro Santos Guerreiro num artigo no jornal Expresso que abaixo incluo, refire-se a alguns intocáveis, apesar da parcialidade benfiquista de parte do seu artigo sob pena de trair o seu clube.
O intocável de Portugal
(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 01/08/2020)
Não é o mais poderoso, não é o mais influente, mas é o mais intocável de Portugal: o presidente do Benfica. Não este, todos. Mas, de todos, este é o que mais poder centra e concentra. Um poder aquém e além-desporto, que faz a ação política, judicial e jornalística sentir-se condicionada. Às vezes pelo que esta faz, mais vezes pelo que não faz. É também por isso que o fim dos debates combates televisivos é um desafio em si mesmo. É apenas um dos necessários.
Em 13 anos de direções de jornais, conheci frentes diversas do exercício do poder, contra o qual os jornalistas estão por função e vocação. Há forças, insídias, orquestrações e eficácias em todos eles, da política aos bancos, das organizações semiclandestinas às empresas, mas nenhum deles se compara ao futebol na falta de regras, na agressividade, na comunicação ameaçadora, seja na cartilharia de alguns comentadores ou na artilharia de trolls nas redes sociais. E tudo isso (e mais) cria navalhas verbais e não-verbais contra quem quer que seja, semeando respeito pelo desrespeito e afastando pessoas, pelo desprezo ou pelo medo.
A decisão anunciada pela SIC e prenunciada pela TVI de acabar com debates com comentadores afetos aos clubes não é um saneamento, é uma medida pela nossa sanidade e de emancipação dos próprios meios de comunicação social à pressão de os clubes mandarem até no espaço em que se lhes faz contraditório. Aplaudo de pé.
O fim dos debates combates televisivos de futebol não é uma decisão sanitária mas de sanidade. Mas nem isso pára a ameaça de violência que afasta a sociedade
Se dou exemplos sobre mim é só para servir de testemunha: durante a investigação do Football Leaks juntei a mensagens anónimas participadas à polícia uma série de mentiras factuais ditas em sinal aberto na televisão sobre quem sou, fui, que amigos tenho e até a que casamentos fui. Mentiras ridículas, que nem merecem ser citadas senão para relatar que muitas outras há que são perigosas, pondo em causa a honra e até a vida de algumas pessoas. Não exagero nem invento.
O problema não é a paixão que cega, é o medo que faz fechar os olhos. Sobretudo quando esse medo impregna as instituições. De todos, os mais medrosos (ou calculistas) são os políticos. Lamento pôr todos no mesmo saco, é claro que não são todos iguais (viva Ana Gomes!), mas o silêncio concreto adornado de anúncio de medidas gerais é uma covardia que persiste. “À justiça o que é da justiça” e etc. Ou os casos de violência. Ou o silêncio chocante em casos como o de Marega, vítima de racismo horripilante em Guimarães, que acabou por dar mais ou menos em nada.
Sou benfiquista, estou com azia por termos perdido um campeonato que podíamos ter ganho: serve compensação ao campeonato de 2015/16, que ganhámos ao Sporting sem merecer nem (espero eu) pagar aos deuses para expiar pecados. Ser benfiquista só me torna mais exigente com o meu clube do que com outros.
É por isso que este não é um texto sobre futebol, mas sobre a sociedade em que vivemos, a justiça que queremos e a liberdade que precisamos de defender.
Luís Filipe Vieira tirou o Benfica do lodo desportivo e financeiro, ao lado de Domingos Soares de Oliveira. O clube não tem hoje rival na estratégia de formação nem nas contas da SAD. Mas o seu poder cresceu de mais e chegou a um ponto em que parecia intocável. Perdeu o apoio de Ricardo Salgado e de Morais Pires, porque o BES colapsou deixando créditos por cobrar como os dele. Hoje, também a banca se livrou do futebol, que já não financia. Mas a forma como muitos políticos e alguns jornais se lhe vergam demonstra poder a mais, o que na verdade responsabiliza quem se verga. Na Justiça, não me lembro de um presidente envolvido em tantos casos, mesmo que espante ver o clube amnistiado do caso Paulo Gonçalves e me enfureça ver Rui Pinto enjaulado como um ladrão de vidas. Não quero justiça, quero a Justiça, a que condena ou absolve sem medo nem favor. E observo como, apesar de tudo, a Justiça é hoje mais forte do que no tempo dos apitos dourados, arquivados na indecência dos anos.
Também não percebo como se gastam €20 milhões a contratar um treinador. Mas reconheço a manobra de contratar Jesus para mudar de assunto sobre a derrota no campeonato e alumiar as almas dos benfiquista para as próximas eleições. Afinal, é preciso ganhar. Um presidente do Benfica, supõe-se, é intocável.