O que se diz e o que se faz: entrar na real
Não sou dos que avançam chavões e palavra de ordem como proposta de políticas alternativas que arriscam sem certezas das consequências pela sua realização. Mas factos são factos, e os números não enganam, embora alguns pretendam fazer ginástica com eles.
Quem está no Governo, quando os números não lhe agradam minimizam o facto, quando lhe agradam maximizam-no e até se trasvestem os números para que funcionem de acordo com os seus propósitos.
Concretizemos então através do que se diz e o que se faz. O Governo pretende convencer-nos, através de vários argumentos, que o Estado tem gasto mal o dinheiro dos nossos impostos divulgando então para a opinião pública que se deveria:
- Eliminar gorduras
- Eliminar regalias e privilégios
- Evitar e eliminar desperdícios
- Eliminar as parcerias público-privadas (PPP)
Isto é, eliminar as despesas desnecessária. O que se tem feito então é:
- Cortes nas prestações sociais cujas consequências são:
- Pôr em causa o direito a toda a população a um ensino e a uma saúde pública de qualidade fragilizando-os, assim como algumas classes sociais, diga-se classe baixa e sobretudo a média.
É certo que muitas das prestações sociais que existem ou existiam, por falta do controle, não se destinavam aos fins a que se propunham dando origem a abusos. Haveria também que efetuar alguns acertos em algumas prestações sociais, mas não com as justificações assentes em falácias. Como já referi, os argumentos lançados pelo Governo não coincidem com a realidade dos números mas deveriam coincidir.
Se atentarmos nos números divulgados pelo Eurostat e estes não coincidem com os do Governo então alguma coisa se passa. Ou os números enviados para o organismo da UE (União Europeia) que gere as estatísticas são falsos, ou o Governo mente ou ainda, ou o Eurostat é um poço de erros sendo a sua credibilidade posta em causa, o que não é provável. O mesmo se pode dizer dos números da OCDE.
Recordemos os números representados num gráfico que ontem coloquei num “post” deste blog.
Com a concretização das funções sociais, o Estado gasta menos que a generalidade dos países europeus. Com exceção da Noruega, Luxemburgo, Espanha e Suíça Portugal encontra-se na média Europeia. Como estes valores são favoráveis a Portugal o que acontece é que pretendem baixá-los de modo a serem colocados ao nível dos países que têm valores inferiores, isto é, recuar afastar-nos dos restantes países com o argumento de reduzir a despesa colocando Portugal ao nível dos países que saíram da alçada da ex-união soviética. Os que agora pretendem reduzir as despesas sociais na saúde e na educação são aqueles que, na naquela altura, acusavam (em alguns aspetos com razão) aqueles países de falta de liberdade económica e social que, por isso, estão na base da escala de despesas sociais.
De acordo com números do Eurostat publicados pela revista Visão em 2011 a despesa pública do Estado Português era de 48,9% do PIB e de 49,1% na União Europeia mas com uma taxa de desemprego maior e um nível de vida mais baixo. Entre os 17 membros da zona euro, havia em 2011 oito países onde a despesa pública foi maior, em percentagem do respetivo PIB do que em Portugal: França (55,9%), Finlândia (54%), Bélgica (53,3%), Eslovénia (50,9%), Áustria (50,5%), Grécia (50,1%), Holanda (50,1%) e Itália (49,9%).
Cabe perguntar então qual o objetivo da preocupação com a despesa pública? Por um lado é reduzir o défice até ao exigido pela EU e, por outro, o Governo pôr em prática o seu programa ideológico ultraliberal com a eliminação do estado social para o que pediu ajuda ao FMI, como é do conhecimento público, para a elaboração de um relatório que foi encomendado e, provavelmente pago, que lhe permita ter uma desculpa para a execução do pretendido.
Prova-se que não terão sido as despesas das Funções Socias do Estado responsáveis pela deterioração da economia e pela recessão. Em percentagem do PIB a EU tem uma despesa igual ou superior à de Portugal e que não foi por isso que deixaram de ter ou têm crescimento diminuto.
Sobre o que tem acontecido no passado o diagnóstico está feito, não temos que gastar saliva e tinta votando sempre ao mesmo. Cada partido que tem ocupado as rédeas do poder que faça o seu exame de consciência de acordo com a responsabilidade que a cada um compete.
A dívida pública entre 2000 e 2008 aproximava-se da Alemanha e da França, a partir de 2009 é que se verifica o descontrolo 83,2% do PIB, cujas causas já se conhecem. Aliás em 2000 era inferior àqueles países. Em 2011 já se encontrava em 108,1% conforme podemos verificar no gráfico seguinte.
Dívida Púbica em percentagem do PIB
Fonte: Eurostat
As previsões da dívida pública para 2013 são de 124%. A que se deve este aumento? Será devido às despesas sociais? Não é preciso ser especialista em finanças para fazer uma leitura das estatísticas e da informação disponível, assim, de acordo com o Banco de Portugal em 2012 Portugal irá pagar em juros 8,7 mil milhões de euros por ano ou seja cerca 23,8 milhões por dia. Basta fazer as contas.
O aumento da dívida pública é acrescida pela despesa com os juros dos empréstimos que aumentará e 2014 e, com a recessão, virá a ser superior a que o Estado gasta com o SNS (Serviço Nacional de Saúde).
Ainda temos o caso dos 4 mil milhões de euros que o Governo diz ter que arranjar, mas sem justificar qual o motivo e destino. Com tudo isto, estão já à vista o aumento da pobreza e das dificuldades sobretudo provindo da classe média e média baixa. Redução nos serviços de saúde, nas reformas e outras prestações que se prevê a médio prazo, baixar a esperança média de vida. Pode ser, afinal, uma das formas que encontra para reduzir a despesa com a saúde e, também pagando menos pensões. Por outro lado a destruição da coesão social irá conduzir a confrontos intergeracionais, entre trabalhadores de diversos setores nomeadamente entre público e privado e empregados contra desempregados.
Estratégias como o racionamento de medicamentos que põem em causa a saúde de pessoas que, sem ser por vontade própria como é óbvio tenham ou venham a ter doenças graves e prolongadas, cortes na educação e com o aumento de propinas incomportáveis no ensino superior, muitas famílias vão ser impossibilitadas, devido à austeridade, a impostos elevados e a cortes de salários, de ter os filhos nas universidades.
A competição por um posto de trabalho por qualquer salário que seja ou a sua manutenção vão gerar conflitos e consequentes fraturas na coesão social que tenderão a agravar-se a alargar-se. Basta consultar os dados da Pordata para se verificar que a taxa de risco de pobreza em Portugal antes das transferências sociais passou de 40,8% em 2005 para 42,5% em 2011. Sendo estimativas, e havendo muita pobreza envergonhada que não é manifesta, estas não mostram toda a dimensão do problema pelo que não se conhece qual o seu valor real. E ainda não se conhecem os dados de 2012! São as transferências sociais e de pensões que minimizam substancialmente estes valores, assim, as taxas de 2011, após transferências de pensões passam a 25,4% e, após transferências sociais passa a 18%. Com a redução substancial ou a sua eliminação como se comportariam as respetivas taxas? A ser isso um dos objetivos do governo, isto é, reduzir ainda mais aquelas transferências sociais o que poderá acontecer? Oxalá que não!