Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Opiniões há muitas, é como os chapéus! Política, Sociedade, notícias e crónicas a Propósito de Quas

Aqui vocês, podem encontrar de tudo um pouco:sociedade, ambiente, comunicação, crítica, crónicas, opinião, política e até gastronomia, apoiados em fontes fidedignas. Enfim, um pouco de tudo e de nada.

O processo

28.04.17 | Manuel_AR

Sócrates_Processo.png


Mais um adiamento, na prática sem prazo, do processo “Operação Marquês”. Já afirmei várias vezes que não discuto nem comento o processo de que Sócrates é arguido, nem a sua presumível culpabilidade ou inocência, olho apenas a forma como o processo tem vindo a ser gerido com sucessivos adiamentos de acusação. Por este andar podemos suspeitar que poderá ser conveniente começar a acusação próximo das eleições autárquicas. Se assim for, não me digam que é coincidência, posso então inferir que estes adiamentos podem servir como estratégia partidária de alguns pois de certo que na altura a comunicação social arranjará espaço para esmiuçar e espicaçar.


Ao olhar para a estante onde repousam os meus livros recordei-me de Franz Kafka e do livro “O Processo”, de que é autor, uma espécie de protótipo do absurdo. Procurei-o, e do mesmo transcrevo uma pequena passagem.


 


“― Não pode sair; o senhor está preso.


― Assim parece ― disse K. ― E por que razão?


― Não é da nossa incumbência darmos-lhe explicações. Volte para o seu quarto e aguarde. O processo já está a correr, o senhor será informado de tudo na devida altura. já estou a exceder os limites da minha missão ao falar-lhe assim tão amavelmente; no entanto, espero que pessoa alguma, além de Franz, me ouça; Franz, aliás, contra todos os regulamentos, trata-o com verdadeira amizade. Se daqui para o futuro, o senhor tiver tanta sorte como a que teve com os seus guardas, poderá acalentar esperanças


K. reparou também que entre os dois homens se trocavam sinais de entendimento a seu respeito. Que espécie de gente era aquela? De que falavam? A que repartição do Estado pertenciam? K. vivia num Estado que assentava no Direito.


– Ó meu Deus! – disse o guarda. – Como é incapaz de adaptar-se à situação e parece determinado a irritar-nos inutilmente, a nós que, entre todos os outros, somos sem dúvida os mais próximos de si!


Quer apressar o fim do seu maldito grande processo, discutindo a identidade e o mandado de prisão connosco, os guardas? Somos apenas funcionários, quase incapazes de nos entendermos com documentos de identidade e cujo único elo com o seu caso é ficarmos de guarda dez horas por dia à sua casa, sendo pagos para isso. Eis tudo quanto somos; todavia, somos capazes de perceber que as altas autoridades que servimos, antes de ordenarem uma tal detenção, se informam pormenorizadamente dos motivos da prisão e da pessoa do acusado. Não existe erro possível. As autoridades de que dependemos, tanto quanto as conheço, e apenas conheço os escalões mais baixos, não são do género de ir procurar a culpa no seio da população; pelo contrário, como diz a lei, é a culpa que as atrai, e elas devem então mandar-nos, os guardas. É a lei. Onde poderia haver erro?


– Ignoro tal lei – disse K.


– Tanto pior para si – disse o guarda.


De uma maneira ou de outra, os pensamentos dos guardas, desviá-los a seu favor ou dominá-los.


Mas o guarda ignorou simplesmente a sua observação, dizendo:


– Há de sentir-lhe os efeitos.


Franz interveio então:


– Estás a ver, Willem, que ele reconhece que ignora a lei, e afirma ao mesmo tempo estar inocente.


– Tens perfeitamente razão, mas não há outra maneira de fazê-lo escutar alguma coisa – disse o outro.”