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Notícias televisivas: visão da realidade e da negação

09.02.21 | Manuel_AR

Televisão e notícias.png

Estou no meu computador, olho para o relógio e saio da espécie de forma comatosa em que me encontro frente ao ecrã onde caíra depois de almoço apenas com uma interrupção para, a meio da tarde, ingerir à pressa qualquer coisa que me aguente até ao jantar.

São oito horas da tarde. Levanto-me, nervoso, ao lembrar-me de que tenho de estar frente à televisão para ver os noticiários. Como se iniciam todos à mesma hora, com pequenos minutos de diferença, pego no comando e percorro freneticamente os quatro canais para ver as aberturas.

Tudo na mesma. Na abertura dos noticiários que se prolonga por largos minutos a covid-19 continua a ser a prima-dona narcisista e caprichosa que faz exigências inauditas aos esforçados e já desgastados profissionais de saúde cujo nosso respeito, todos eles, nos merecem.

Nós, o povo, temos todo o direito de estar a par da informação, do que se passa com o triste espetáculo com que ela nos tem torturado. Aprendi ao longo da minha formação que, em comunicação, sobretudo a televisiva, as pessoas quando ficam sujeitas a uma repetição sistemática e consecutiva das mesmas ou semelhantes imagens a eficácia do impacto perde-se.  

Normalmente pensamos nas notícias que diariamente consumimos tendo em vista as informações factuais que as imagens televisivas nos transmitem e não as tendências emocionais que captamos e que nos são veiculadas pelas palavras de escolha específica do texto lido em voz-off. A narrativa das notícias e as palavras específicas selecionadas, simultaneamente com a elocução pelo jornalista, por mais objetivas que procurem ser, elas codificam uma riqueza de perceções emocionais e relacionais que a nossa atenção muitas vezes conscientemente ignora afetando a forma como entendemos os eventos descritos.

A nossa perceção da catástrofe e da dor, angústia sofrida por outros mostrada através de exposições sucessivas das mesmas imagens televisivas conduz à banalização do sofrimento. Tanto mais quanto as repetições se sucedem. O jornalismo procura sangue, quando nada há de novo e não se obtém novas imagens emitem-se até à exaustão as de dias ou de semanas anteriores e quando não se têm mais recentes coloca-se num cantinho superior do ecrã as palavras “imagens de arquivo”.

Mesmo quando sabemos que não fazemos parte do grupo, se não nos precavermos, podemos ser atingidos por essas imagens, quando nos cercam diariamente, ficando a nossa capacidade de sensibilização menorizada em relação ao sofrimento alheio banalizado pela repetição.

Sobre a extensão e o do tempo das notícias televisivas dedicadas à pandemia António Guerreiro escreveu para o jornal Público uma crónica com título de “A mentira no pequeno ecrã”. Sobre o Jornal da Noite escreve que «Não mente por dizer mentiras ou falsear imagens, não é a actual questão das fake news e da pós-verdade que aqui surge como pertinente ou a solicitar análise. Mente pelo encadeamento de palavras e de imagens, pela poluição discursiva e visual que produz, pelo tom adoptado (a dimensão prosódica do discurso, digamos assim), arrastando-nos para uma das regiões mais poluídas do planeta». E acrescenta que «Este jornalismo da mesmice — dos mesmos factos, das mesmas pessoas e do mesmo tom — que encena pela redundância uma ilusão de totalidade (e que, por isso, precisa sempre de muito tempo».

Atentemos ao facto de que há por aí negacionistas e outros que tais que contestam a existência da pandemia e a sua gravidade e manifestando-se nas redes sociais e, por enquanto, sem grande impacto público. Mentes ocas, deturpadas, a quem lavaram o cérebro, ficando destituídas de qualquer racionalidade ao que negar factos mesmo que estejam à sua frente.

Não se pode apontar o dedo à comunicação social por negacionismo, antes pelo contrário. Mas, o jornalismo televisivo está obeso de imagens que nos fornece em excesso para nos convencer da realidade pela redundância o que leva a gerar nos espectadores ansiedade e ilusão de ficção e mentira.

A mentira a que me refiro neste tipo de jornalismo não é absoluta é apenas alusiva. A mentira não é premeditada, os sujeitos recetores é que, devido ao encadeamento de palavras e de imagens e à poluição discursiva-informativa e visual produzidas arrasta-nos para colocar a questão de: será isto verdade?

É o caso das imagens relacionadas com a covid-19 que mostram exaustivamente os mesmos grupos etários, nos hospitais, nas ambulâncias, nas macas, nos lares, nas vacinações. Os velhos são as estrelas covid. Não nos admiremos, portanto, que para além dos negacionistas, pessoas bem-intencionadas comecem a duvidar da gravidade da situação que nos aflige e que a generalidade da população está a pagar bem caro com os sucessivos confinamentos devido ao desrespeito de outros que supõem não ter nada a ver com eles, mas sim com os velhos, para o que ajuda o guião do alinhamento que ordena por prioridades as notícias do dia.

Vejo diariamente os noticiários televisivo das 20h, faço zapping entre os três canais generalistas os e observo a overdose de notícias e reportagens sobre a covid-19 em quantidade e em tempo de duração e é óbvio a certeza de as ter já visto por serem iguais às dos dias e semanas anteriores, com pouquíssimas diferenças, muitas delas recolhidas das já emitidas fazendo novas edições e montagens.

Deste cabaz não escapam os jornalistas de serviço às notícias que se distinguem pela mímica da representação. Salvam-se os do canal SIC. José Rodrigues dos Santos da RTP1, é o que mais me irrita pela sua atuação. Não gosto quando em televisão me apontam o dedo e quando, ao lerem notícias, pelo tom e pelas atitudes de pantomina que adotam para salientar pontos da elocução consoante sejam ou não do seu agrado.  Esta é a minha perceção.

Tudo isto nos remete para a dúvida em sentido figurado e de sentimento individual sobre o que nos impingem nos ecrãs, dada a repetição exaustiva das peças jornalísticas e da expressão facial e até corporal que alguns dos pivots fazem parecendo mais momos do que jornalistas.