Não basta acreditar e partilhar é preciso verificar
Quando o jornalismo sensacionalista se sobrepõe à verdade e noticia narrativas como sendo a verdade dos acontecimentos e, como no caso do hospital em Gaza, toma como verídica apenas a informação de um dos lados, o Hamas, sem o confirmar nem validar com outras fontes, então está a trabalhar no sentido da propaganda e da desinformação proveniente de apenas um dos lados fazendo com que as suas narrativas vençam.
Por entre as guerras com mais visibilidade como são a da Ucrânia e a do Israel-Hamas há uma outra guerra que se desenrola fora do campo de batalha que envolve uma disputa pela mente e pela emoção das pessoas. É uma outra guerra que passa para o meio social que reage consoante o ambiente informativo.
Em tempo de guerra a desinformação surge em enxurrada e agrava-se com a contrainformação feita pelos Estados. A desinformação, algumas vezes gerada por ignorância, outras por premeditação pelas partes em confronto na tentativa de captar para as suas razões as opiniões públicas em vários países e a maior parte das vezes toma posições antagónicas.
É uma estratégia complementar à contrainformação cuja finalidade é enganar e fornecer informações falsas ou distorcidas, para confundir, desorientar ou desmoralizar. O seu objetivo é moldar a perceção pública da realidade e influenciar o decurso das operações captando a atenção do público. Associada à desinformação tem o efeito de poder ser aproveitada por cada uma das partes para levar o público a tirar ilações e interpretações consoante os seus interesses e, em tempos de conflito, tornou-se uma tendência para aproveitar mensagens provenientes de personalidades com influência. É por isso que devemos estar atentos aos riscos e à manipulação mediática que podem atingir a democracia, os direitos humanos e até a paz mundial.
Vem ao caso o discurso do Secretário-Geral António Guterres no Conselho de Segurança da ONU, a 24 de outubro, sobre a guerra entre Israel e o Hamas onde afirmou que “um tsunami de desinformação que está a alimentar a polarização e a desumanização. Devemos enfrentar as forças do antissemitismo, do fanatismo muçulmano e de todas as formas de ódio”, palavras que levaram Israel a exigir a sua demissão do cargo de secretário-geral das Nações Unidas. A partir de um discurso ou de uma opinião é sempre possível fazerem-se várias leituras consoante os pontos de vista que se pretendam evidenciar.
Os media (órgãos de comunicação social: imprensa, rádio, televisão e internet, sobretudo as redes sociais) têm um papel fundamental na difusão da informação podendo contribuir para a manipulação da opinião pública de modo a corresponder aos pontos de vista de cada uma das partes envolvidas num conflito.
A informação, quando fornecida em termos de propaganda, assenta na difusão de ideias, valores e informações com o objetivo de influenciar a opinião pública e o comportamento das populações e, frequentemente, tem a tendência para distorcer a realidade, criando falsas expectativas ou ilusões sobre o andamento ou o possível desfecho dum conflito/guerra.
Se, por um lado, numa situação de conflito bélico a comunicação social tem o dever de informar e esclarecer sobre os acontecimentos da guerra, por outro lado, também pode servir para influenciar o moral dos militares envolvidos nas operações e da população civil assim como mobilizar apoios e denunciar atrocidades e contribuir para a difamação dos inimigos. Durante a Segunda Guerra Mundial, com meios de comunicação muito mais rudimentares comparativamente aos de hoje, foi utilizada a propaganda para influência da opinião pública sobre os vários países envolvidos.
A comunicação social, sobretudo os canais de televisão, é um elemento essencial e poderoso da propaganda que possibilita influenciar e explorar os sentimentos de patriotismo, medo, ódio, esperança e até de culpa. Por outro lado, pode gerar ansiedade, pânico, ódio, preconceito e até violência contra os inimigos ou grupos minoritários dos elementos em confronto.
Assim, surge a contrainformação com a estratégia de enganar o adversário e as opiniões públicas das nações em confronto ao fornecer informações falsas ou distorcidas, para confundir, desorientar ou desmoralizar através da rádio, jornais, panfletos, cartazes, televisão e internet. As redes digitais passaram a fazer parte das operações militares nos conflitos armados podendo interromper o funcionamento de infraestruturas essenciais e serviços vitais para a população civil. Veja-se o que está a acontecer no conflito Israel-Hamas onde foram cortadas infraestruturas de água, energia e também de redes de comunicação com consequências devastadoras associadas a danos por bombardeamentos que afetam hospitais e outros serviços que deixam de funcionar total ou parcialmente para a população civil.
Os hackers são outros elementos que estão a contribuir para a desinformação. Como não são militares não agem de acordo com instruções oficiais das autoridades, mas tornam-se elementos participantes importantes na guerra moderna, a ciberguerra, e não se abstêm de cometer crimes de guerra se consideramos as "leis da guerra cibernética” criadas pela Cruz Vermelha que parece ninguém cumprir.
Não apenas em tempos de guerra, mas também quando há polarização entre estados ou grupos sociopolíticos os hackers podem apoiar voluntariamente um lado ou outro do conflito através operações nas redes digitais globais para combater o inimigo e gerar desinformação. Pode ser, por exemplo, piratear para recolher informações ou operações de sabotagem para destruir bases de dados importantes, ou ainda espalhar desinformação. Os hackers militares podem fazer tudo isto, mas obedecem a ordens, têm comando e representam uma das partes do conflito.
Para combater a manipulação através da desinformação restaria a censura aos diversos canais de informação, como parece estar a acontecer na Federação Russa, para restringir ou proibir informações e notícias consideradas perigosas, ofensivas ou subversivas para um Estado, um governo ou para a sociedade, mas isso é algo que não se pretende. A censura pode estabelecer-se por decreto e estar implícita em algumas redações de órgãos de informação onde se evitam algumas designações como, por exemplo, as que são feitas como ser o Hamas terrorista, como é o caso da BBC.
A BBC não atribui ao Hamas a designação “terrorista” o que é justificado por um artigo no site da BBC News onde o autor escreve que: “Mas isso não significa que devamos começar a dizer que a organização cujos apoiantes os levaram a cabo é uma organização terrorista, porque isso significaria que estávamos a abandonar o nosso dever de permanecer objetivos.”
Ao confundir-se isenção e neutralidade com objetividade parece de algum modo estar a confundir a opinião pública para lavar a face daquela organização. O facto é que foi mesmo um ato terrorista.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas em outubro de 2004 na resolução 1566 considerou os atos de terrorismo “como atos criminosos, nomeadamente contra civis, cometidos com o intenção de causar morte ou lesões corporais graves, ou fazer reféns, com o propósito de provocar um estado de terror no público em geral ou num grupo de pessoas ou determinadas pessoas, intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional praticar ou abster-se de praticar qualquer ato que constitua crimes no âmbito e conforme definidos nas convenções internacionais e protocolos relativos ao terrorismo, não são em circunstância alguma justificáveis por considerações de ordem política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou outros de natureza semelhante, e apela a todos os Estados para que evitem tais atos e, se não prevenidos, para garantir que tais atos sejam punidos com penas compatíveis com a sua natureza grave.”
Independentemente do que o Hamas defenda o facto é que praticou um ato terrorista no dia 7 de outubro passado. Não podemos disfarçar ou esconder uma ação explícita não a nomeando ou fazendo esquecê-la. Chamar terrorismo à ação executada pelo Hamas não é perder a objetividade. Neste caso específico, como entre outros, a independência não é ser neutro porque neste caso o ser neutro é estar a favor das atrocidades cometidas.
Num conflito como é o do confronto entre Israel e da força militar do Hamas em que este último praticou um ato de terrorismo o jornalismo e a prestação da informação ao público, seja ele que media utilize, imprensa, rádio ou televisão tem a obrigação de verificar e validar as fontes e ter a precaução necessária quando não tem certezas. Quando o jornalismo sensacionalista se sobrepõe à verdade e noticia narrativas como sendo a verdade dos acontecimentos e, como no caso do hospital em Gaza, e toma como verídica apenas a informação de um dos lados, o Hamas, sem o confirmar nem validar com outras fontes, então está a trabalhar no sentido da propaganda e da desinformação proveniente de apenas um dos lados fazendo com que as suas narrativas vençam. Um órgão de comunicação que trabalhe assim estará a trabalhar pro bono para disseminar a propaganda como pretende a organização político militar Hamas, ou, como alguns lhe chamam, Movimento da Resistência Islâmica. Se for assim, a narrativa do Hamas já venceu, e isso pode ser um enorme problema para todos nós.
Combater a desinformação é um dos maiores desafios num mundo onde proliferam informações falsas que se espalham rapidamente. Para tal, deve ser incrementar o desenvolvimento crítico do pensamento em relação à informação que consumimos. Outro ponto importante é o da verificação de fontes de uma informação antes de acreditar e compartilhar. Esta verificação deve ser conferida através de se fonte confiável e se essa informação foi corroborada por fontes independentes e respeitáveis e não partilhar informações duvidosas ou sensacionalistas.
Combater a desinformação é uma responsabilidade que requer os nossos esforços e os da comunicação social. A atenção e o cuidado preventivo no sentido de se estar vigilante e comprometido no sentido de se promoverem informações precisas e verificadas.