Ler o que outros escrevem
Os comentários e opiniões que nos chegam pelos vários órgãos de comunicação social acerca da política são tantos e tão diversos que, por vezes, conseguem confundir mesmo os mais atentos, conhecedores e atualizados. Quantas vezes os que emitem opiniões e fazem comentários entram também em contradições. Não será o caso dos quais vou hoje fazer algumas citações.
As citações que hoje selecionei podem não corresponder à minha opinião, nem tão pouco que com elas esteja de acordo. Cada um tirará as conclusões que achar deva tirar. Essas citações são apenas exemplos de pontos de vista político que circulam por aí e achei importante que se reflita sobre elas.
A. …”o país está há seis meses mergulhado num jogo de sombras. O Governo finge governar distribuindo as mais variadas prebendas aos mais diversos grupos de interesse, uns mais legítimos do que outros. A oposição esquece-se de todas as suas linhas vermelhas para formar maiorias contranatura no Parlamento, exatamente com o mesmo fim. O propósito de uns e outros é claríssimo: todos temem uma crise política, todos fazem por estar nas melhores condições possíveis quando ela chegar.”
Pedro Norton, 1 de outubro de 2024, Jornal Público
B. … “sou capaz de acompanhar Pedro Nuno Santos no seu ceticismo e reservas profundas quanto ao IRS Jovem. A medida é, não apenas muitíssimo pesada do ponto de vista financeiro (ide ouvir o Conselho das Finanças Públicas), mas é sobretudo de uma eficácia mais do que duvidosa (prestai ainda atenção ao FMI). O próprio PSD parece, aliás, tê-lo já percebido. Foi, afinal, o próprio Hugo Soares que, num assomo de surpreendente candura, sublinhou, num debate na semana passada, o caráter absolutamente experimental da proposta. Só esta confissão dava, de resto, um tratado sobre a irresponsabilidade no desenho das políticas públicas. Mas há mais. Como se tudo isto não bastasse, têm-se ainda levantado dúvidas razoáveis sobre a constitucionalidade da medida e, no plano da equidade e da justiça relativa, parece mesmo muitíssimo problemático fazer da idade um fator determinante do esforço fiscal de cada contribuinte.”
Pedro Norton, 1 de outubro de 2024, in Jornal Público
C. “Lisboa insalubre
Acresce que muitos dos ecopontos são na realidade meros múltiplos de contentores de lixo indiferenciado que, portanto, estão sistematicamente imundos e por conseguinte atraem nuvens de varejeiras o que obriga os residentes nos apartamentos circundantes a manter as janelas permanentemente fechadas para que elas não entrem nas suas cozinhas e casas de jantar.”
D. “Eu tenho a certeza que, todos os que aqui estão, estão a sentir como eu estou a sentir, que o país nos está a escapar das mãos. Estamos a perder o controlo das nossas ruas, das nossas cidades, vilas e aldeias. Estamos a perder o controlo das terras que eram nossas”.
“Nos últimos anos, a nossa estratégia não foi receber bem. A nossa estratégia foi a de receber toda a gente e de qualquer maneira”.
André Ventura, 2 de outubro de 2024, in Diário de Notícias
E. O líder da comunidade, Rana Taslim Uddin, que vive em Portugal desde os anos 1990, contou que muitos bengalis lhe telefonaram, preocupados, e que ele respondeu a todos o mesmo: “Não se preocupem, não tenham medo. O André Ventura e o 1143 escolheram esta palavra sensível, imigrante, porque sabem que é uma palavra que dá votos. É só isso. Disse-lhes que um dia, se calhar, o André Ventura vai para o Governo, mas que não faz mal, nós vamos continuar cá, investimos muito em Portugal e Portugal precisa de nós. O dr. Marques Mendes explicou isso na televisão. Vivemos aqui com as nossas famílias, comprámos casas, lojas, temos os nossos negócios, pagamos os nossos impostos, esta é a nossa terra.”
Bárbara Reis, 5 de outubro de 2024, in Público
F. “Entretanto, todos avistaram de repente e perceberam um drama que se desenha no horizonte: o PRR, o famoso Plano de Recuperação e Resiliência, com mundos e fundos indispensáveis para a economia e a administração pública, está pelas ruas da amargura, com pouco uso e mau proveito, um dos piores registos da Europa. Com nova crise de governo e novas eleições, esta espécie de desastre seria uma calamidade. Presidente, Governo e partidos perceberam que sobre eles se abateria um justo e furioso vendaval. E de nada serve passar culpas: todos serão condenados.”
António Barreto, 5 de outubro de 2024, in Público
G. “… o Conselho de Ministros, nos momentos em que não se entretém a explorar novas possibilidades para a Legística, aprovando PowerPoints, foi aproveitando o Orçamento anteriormente apelidado de "Pipi" para aumentar a despesa, sempre que as reivindicações eram suficientemente ruidosas. Enquanto o Parlamento ia contribuindo para a festa despesista, prolongou-se uma negociação fastidiosa: umas vezes com recuos do executivo, outras com linhas vermelhas do PS, e, já no prolongamento, com piruetas irrevogáveis de Ventura.
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Na verdade, em si, aumentar despesa e reduzir impostos não é um problema. Individualmente, aliás, é o que todos desejamos e, coletivamente, é o que deve acontecer em períodos de arrefecimento económico, quando as políticas públicas devem estabilizar a economia, à custa dos equilíbrios orçamentais. Só que não é este o momento: estamos perante um comportamento pró-cíclico – ou seja, a generosidade orçamental acontece num contexto economicamente favorável, com o emprego em alta, a inflação em queda acentuada e os salários reais a crescerem. E o problema está mesmo na incerteza do futuro próximo, marcado por muitos riscos na envolvente externa (as previsões apontam para um recuo do contributo das exportações para o produto).”
Pedro Adão e Silva, 10 de outubro de 2024, in Público
H. “O Orçamento do Estado para 2025 ontem apresentado é politicamente uma proposta com bola ao centro, destinado a ser viabilizado por uma ampla maioria de AD e PS. Os sinais do Governo são inequívocos, prefere negociar com Pedro Nuno Santos do que com André Ventura, a quem ostraciza, mas Luís Montenegro já percebeu que em caso de emergência e mesmo que o líder do Chega diga pior da proposta orçamental do que um maometano diz do toucinho, o Chega acabaria por dar o sim, mesmo sem negociar.
Não há grandes novidades e nem pode haver, porque a máquina do Estado e os compromissos assumidos deixam pouca margem. E este fardo perdurará e até se agravará nos próximos anos. O peso da dívida no PIB baixa e os juros tenderão a aliviar em 2025, mas os juros da dívida pública ainda constituem um grande ‘ministério’ que os contribuintes pagam. Mas o principal sinal de alerta é a subida da despesa: num cenário de desaceleração económica, que é provável por causa da estagnação alemã e da fragilidade financeira francesa. Há riscos para a gestão das contas públicas.”
Armando Esteves Pereira, 11 de outubro de 2024, in CM
I. “Isto é, apesar da imagem de desorientação e de falta de estratégia negocial para o Orçamento do Estado, Pedro Nuno Santos pode continuar a ser líder. Para isso também contribui – e muito – o facto de o PS estar a começar o percurso de oposição, depois de ter sido governo oito anos. Seja com Pedro Nuno Santos, seja com líderes seguintes, o PS terá ainda de fazer uma travessia pela oposição, em que terá de se renovar e reconstruir. Os governos de António Costa concretizaram o final de um ciclo partidário do PS iniciado por António Guterres, líder que, a partir de 1992, mudou substancialmente o PS do ponto de vista programático e até organizativo.
A missão que a direção do PS – este secretário-geral ou outro que se lhe siga – tem pela frente é árdua e longa. Daí que seja importante que Pedro Nuno Santos ganhe uma linha de rumo e acerte o passo para a ciclópica tarefa que tem pela frente. É urgente que o PS assuma uma posição e acabe com a desorientação perante o Orçamento, que a direção se concentre em preparar as autárquicas e que sejam, finalmente, lançados os novos Estados Gerais, que serão a chave para a retoma da ligação entre o PS e a sociedade, bem como um meio de ser estabelecidos novos desafios e linhas programáticas.”
São José Almeida, 21 de outubro de 2024, in Público
J. “Não, senhor primeiro-ministro. O problema maior do jornalismo português não está nos editores que sopram perguntas aos ouvidos dos jornalistas. Está nos políticos que sopram notícias aos ouvidos de directores de publicações falidas, com accionistas misteriosos, que sobrevivem como zombies há décadas – e agora, para mal dos nossos pecados, com ajudas generosas do Estado. São esses os auriculares que me preocupam. São essas as mensagens de telemóvel que nos deveriam inquietar.”
João Miguel tavares, 21 de outubro de 2024, in Público