Jornalismo sem jornalistas ou a extinção dos media
É verdade que muitos, eu incluído, dizemos mal de jornalistas e dos media, mas sem eles não há democracia real. Que os media não devem estar dependentes de foças partidárias, empresas com interesses que não a informação e de ajudas estatais está muito enraizado entre muito, se não na maioria onde também me incluo.
A liberdade de imprensa é um pilar fundamental das sociedades democráticas que permite aos jornalistas informar o público sobre questões políticas, sociais e económicas, sem medo de represálias nem de censura.
O caso da Global Media detentora da TSF, Diário de Notícias e Jornal de Notícias e Jogo é o manifesto da crise em que se encontra a comunicação social em Portugal sobretudo a imprensa.
Numa democracia onde se pretende que prevaleça a liberdade de imprensa será difícil tomar decisões, mesmo que temporárias, para salvar os postos de trabalho e evitar a rarefação de órgãos de comunicação. Qualquer decisão de compra ou inclusão por outra empresa pode conduzir a uma maior concentração de media nas mãos dos que olham com ganância, e finalidades mais ou menos de cariz político e ideológico. Mas que decisões se podem tomar em casos desta natureza numa economia que pretendemos que seja democrática e liberal?
A concorrência entre empresas detentoras de órgãos de comunicação, imprensa, radio e televisão é feroz pela captação de audiências para atrair publicidade, especialmente nos casos dos canais de televisão e de rádio. Na imprensa é a competição por assinaturas, sejam elas em papel ou online.
Li dois artigos de opinião escritos por pessoas que respeito pelo seu perfil sobre o caso da Global Media. O primeiro foi o de Pedro Norton que fez parte do grupo Impresa em 1992, como assessor do presidente do conselho de administração da Controljornal e, a 1 de outubro de 2012, substituiu Francisco Pinto Balsemão como presidente executivo, cargo no qual se manteve até 2016. O segundo foi o de Ana Sá Lopes que em 2018 foi diretora-adjunta do PÚBLICO. Com a remodelação da direção editorial do mesmo jornal passou a redatora principal em setembro deste ano. Se do primeiro é da área do centro, talvez, PSD, da segunda desconheço a sua orientação ideológica ou partidária, mas para o caso o que interessa são as suas opiniões sobre os problemas gerados pela Global Média que está a causar danos ao jornalismo e aos jornalistas.
Com o que Pedro Norton escreve no seu artigo em parte coincide com o meu ponto de vista. Escreveu ele que “O jornalismo deixou de ser um negócio e isso é uma péssima notícia, o jornalismo deixou de ser um negócio sustentável. E sem modelo de negócio não é possível garantir a existência de uma multiplicidade de órgãos de comunicação social capazes de, no seu conjunto, na diversidade das suas saudáveis diferenças editoriais e ideológicas, prover o bem público que é uma Ágora plenamente funcional nas nossas democracias”.
Aqui reside um ponto importante que merecer alguma reflexão visto vivermos numa democracia liberal que alguns das esquerdas mais radicais preferem designar por capitalista.
Nas democracias liberais quando há investimento estes ficam enquadrado no princípio da livre iniciativa e como em qualquer outro negócio o objetivo e o de gerar lucro. Quanto a isso nada há de mal desde que enquadradas nas regras da concorrência, mesmo no que se refere a empresas de comunicação social ditas da área do jornalismo. No caso deste tipo de empresas jornalismo, rádio, televisão, imprensa, há sempre o risco de que a informação produzida, tal como a difusão dela decorrente, poderão tender para um controle da substância ideológica e editorial por parte dos seus investidores e administrações. Contudo, estas estruturas são encaradas como pluralidade dos media, mas face à falta de literacia por parte de grande número do público sobre os media e às agendas políticas das redações podem gerar distorções na informação produzida.
Parece-me que Pedro Norton também é deste ponto de vista pois defende que (sublinhados da minha autoria) “Quem trabalha no mundo dos media sabe bem que não existem fontes de financiamento (públicas ou privadas) que não criem relações de dependência perversa. Sabe também que essas relações são tanto mais perigosas quanto mais dominantes são. E sabe também, por fim, que a mais perversa de todas as dependências, para o efeito do tema que aqui nos ocupa, é o próprio Estado. Não porque seja, ele próprio, inerentemente perverso ou mais maléfico do que os atores privados, mas porque, como é evidente, é muito mais difícil pedir ao ecossistema jornalístico que cumpra a função de escrutinar o poder político se o próprio poder político se transformar no decisor único ou maior sobre o seu financiamento e sobrevivência.”
Para Pedro Norton os media “só conseguem cumprir a sua missão se conseguirem ser independentes e, em particular, se conseguirem ser independentes do Estado”. Este ponto é delicado porque a tutela excessiva do Estado pode levar à censura e à falta de liberdade de imprensa como está a acontecer na Federação Russa com Putin a controlar e a interferir com os media. Mas, a questão que podemos colocar é a de saber se serão também verdadeiramente independentes se forem privados.
O ponto de vista oposto é o de Ana Sá Lopes no seu artigo de opinião que escreveu no Público. Achei estranho o seu ponto de vista sobre a situação da Global Media que, de facto, apesar de estar a prejudicar centenas de jornalistas defende um ponto de vista muito corporativista. Exige ela no seu artigo, se exigir será o verbo adequando, a nacionalização pura e simples de órgãos de comunicação social, tal como o PCP defende a nacionalização dos jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias. Será que o ponto de vista de Ana Sá é apenas sugestão temporária para resolução do problema?
Há quem critica impetuosamente contra “meter dinheiro dos contribuintes (porque não há ouvintes e leitores suficientes) para assim simplesmente se salvarem empregos de jornalistas que, durante anos, contribuíram para a degradação do seu ‘produto jornalístico’ a ponto de hoje ser já um ‘produto comercial’ sem interesse nem préstimo”.
A 3 de maio de 2022 na página do sítio oficial de informação da Presidência da República Portuguesa o presidente recordou que as “grandes dificuldades que os órgãos de comunicação social, sejam eles locais ou nacionais vivem, como seja, na sua capacidade económico-financeira, na precaridade muitas vezes associada à profissão. Acrescentou ainda que as dificuldades pelas quais passam os órgãos de comunicação ao nível financeiro e também no literário é "um dos problemas a que temos vindo a assistir é a substituição da leitura de notícias pelo consumo de conteúdos nas redes sociais". E termina dizendo que "Estes são conteúdos, rápidos, simplistas e condicionados, muitas vezes com informação desvirtuada, sem contraditório ou mesmo falsa".
Propostas com soluções que se esperam dos especialistas nesta área para o problema são escassas ou incompletas e qualquer delas não estarão afastadas de possíveis distorções, mesmo as que Pedro Norton sugere ao escrever que “A alternativa, que precisará sempre de ser amplamente consensualizada, terá assim de passar por formas muito indiretas de apoios, seja removendo obstáculos e custos de contexto, seja criando mecanismos (fiscais ou outros) que incentivem empresas, fundações e cidadãos particulares a consumir, a apoiar e a financiar projetos de media, seja ainda, e crucialmente, separando a função de financiador do Estado da função de decisor da alocação concreta dos fundos que pode e deve ser assegurada pela sociedade civil através de associações, fundações ou até empresas, desde que diversificadas e com estruturas de governação adequadas.”
Em qualquer das soluções apresentadas corre-se o risco de uma corrida de empresas para obterem algumas vantagens, mesmo as que não necessitassem, que se reorganizariam para a obtenção desses fundos e apoios recorrendo a qualquer uma daquelas soluções.
No atual estado em que se encontram os meios de comunicação verificam-se casos como o noticiado em maio de uma investigação que deu lugar a um despacho do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto (DIAPRP),, em que o Ministério Público (MP) diz que o autarca Eduardo Vítor Rodrigues “determinou a outorga pelo Conselho de Administração da GAIURB [empresa municipal], de modo arbitrário, sem qualquer requisição de despesa, manifestação de necessidades ou proposta de contratação de serviços e/ou fornecimentos de bens emanada pelos respetivos serviços, contratos públicos com o Grupo Global Media”. Segundo o jornal ECO, o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, que por acaso é do Partido Socialista, era assim suspeito de contratar de forma ilegal e arbitrária meios de comunicação do Grupo Global Media para promoção da autarquia e dele próprio.
Segundo o Observador na altura foi emitido um comunicado em que “Os membros eleitos do Conselho de Redação da TSF manifestam, assim, o vivo repúdio pelas acusações de alegado envolvimento da direção editorial e da redação em alegadas operações de promoção de imagem, sublinhando que o trabalho desenvolvido pelos profissionais da TSF é regido sempre pela ética e deontologia do jornalismo”. E mais adiante “Sobre as notícias que têm sido divulgadas sobre o tema, o CR do JN classifica de “noticiário assente numa visão, errónea, de que, de algum modo, um acordo comercial com uma autarquia, legítimo e devidamente registado no Portal BASE, seria uma porta aberta ou uma banca self-service de notícias para algum autarca”.
A democracia não pode viver sem uma comunicação livre e independente e também fora do controle do Estado. No entanto, o aproveitamento de empresas jornalísticas, grosso modo, por possíveis interesses políticos, por vezes até por simpatias partidárias, incluem na sua agenda setting factos que possam induzir na opinião pública proveito ou desagrado em relação a partidos ou governos por vezes apresentados como factos por vezes conjeturados.
Basta estarmos atentos e fazermos leituras dos alinhamentos e dos conteúdos dos jornais dos canais televisivos, sobretudo em épocas pré-eleitorais, para nos apercebermos do marketing por parte das empresas dos media. É uma espécie de jornalismo empenhado na defesa de determinada causa ou ideologia e, por vezes, percebido como declaradamente partidário, fugindo aos princípios éticos da profissão que devem presar objetividade, isenção, clareza, verdade, interesse público. Se assim não for oferecem riscos à própria democracia, isto à parte dos artigos de opinião cujos interesses possam manifestar pontos de vista diversamente ideológicos e por vezes tendencialmente partidários.
Quando o corporativismo jornalístico e os donos de empresas de comunicação se pretendem esquivar a responsabilidades, o culpado, o bode expiatório, é sempre o Estado, ou porque não fez o que devia ter feito, ou porque fez o que não devia ter feito, e quando é assim, normalmente, a oposição de direita coloca-se sempre em ambos os lados ou do que mais lhe interessa.
O que não se pretende de todo é que casos como este ou outros aconteçam.