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A Propósito de Quase Tudo: opiniões, factos, política, sociedade, comunicação

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Jornalismo e indução da opinião pública

15.01.23 | Manuel_AR

Jornaismo opinião pública.png

…num caso há a notícia que passa e, no outro, a notícia que fica e permanece até ao seu esgotamento numa espécie de ladainha diária, numa espécie de indução da opinião pública.

Uma das profissões que admiro é a de jornalista. Admirei na minha juventude e continuo a admirar. Tenho um pequeno sentimento de inveja da profissão, talvez porque gostaria de ser profissionalmente como eles, escrever como eles, falar como eles, investigar como eles, por vezes até ser “perseguido”, pressionado (algo que, para mim, seria difícil de suportar).

Há jornalistas que são pressionados pelas redações para fazerem “cachas” jornalísticas, seja a que custo for, mesmo omitindo partes da verdade dos factos, condicionamento dos mesmos e a publicação de artigos e notícias com objetivos pré-concebidos para denegrir, acusar, enxovalhar, denunciar sem provas, etc., aí já não dou para esse peditório.

Tem-se muita das vezes a ideia de que os jornalistas não têm vertente ideológica, que são politicamente, independentes, isentos e encontrarmos por parte deles alguma resistência em aceitar o contrário. Podem ser independentes face ao poder político, mas não o serão face ao poder patronal. Habitualmente afastam a possibilidade da não isenção. Ao dizerem-se isentos e independentes do poder propõem-se afastar qualquer simpatia ideológica embora se verifique pelos comentários que produzem que ela, de facto, está presente.

Neste contexto os meios de comunicação, diria que todos, não estão isentos de valor político-ideológico. Assim, ser jornalista significa ter de se submeter e contribuir através de seus trabalhos para a manutenção da ideologia dos meios de comunicação onde exerçam a sua profissão.

Se definirmos ideologia como uma aceitação rígida, até mesmo fanática, de um conjunto de ideias e valores, não importa quais, então é coerente que os jornalistas neguem tê-los ou evitem manifestá-los por questões de ética que regem a sua conduta pessoal e profissional.

Mas, se, pelo contrário, ideologia for entendida como o conjunto de atitudes sociais, crenças políticas e valores morais que moldam a interpretação do mundo, então todos ou quase todos trabalhamos com base numa estrutura ideológica, incluindo os jornalistas. Contudo, neste tipo de ideologia a que me refiro quando estamos no âmbito da política, então, tenho dúvidas se, no exercício do seu direito de cidadania, ao votarem num partido que nos venha a governar, se não terão também, com certeza, como a maior parte de nós, uma opção político-partidária.

Para mal do jornalismo muitas pessoas dizem que podem confiar mais nas redes sociais on-line como fontes de notícias e informações não se apercebendo que por elas são influenciados ao que acresce a sua participação em discussões on-line, a maior parte da vezes insensatas e irresponsáveis provenientes de vários quadrantes ideológicos e políticos, das mais democráticas às mais extremistas, por vezes até de índole criminosa.

A informação exclusiva pelas redes sociais pode ter como consequência serem elas a decidir aquilo que iremos saber e, por isso, correndo o risco de seremos manipulados, o que também não estará fora de causa para outros órgão de comunicação.

Numa democracia liberal o escrutínio do poder é essencial e a comunicação social deve também exercer esse importante papel de escrutínio do poder para o qual o jornalismo e os jornalistas são peças fundamentais. Mas os jornalistas, como quaisquer pessoas são humanos e, como tal, possuem defeitos, virtudes, gostos, ideais, anseios, opções ideológicas e dimensões políticas várias, com diferenças de identidade. Todavia é nos relatos, nos modos de relatar uma notícia ou fazer um comentário político que as opções e diferenças político-ideológicas se manifestam, ainda que sob a pretensão de uma capa de isenção.

A seleção de notícias pelas redações dos órgãos de comunicação social, especialmente as televisões, com a urgência de dar primeiramente uma notícia pode fazer com que, sem estar completamente confirmada ou verificada, pela pressão que vai no sentido de ser dada a notícia em primeiro lugar, por motivo da concorrência entre canais e de marcar uma agenda de informação política.

Ao longo dos anos que tenho visto e ouvido noticiários televisivos percecionei que há algo que não vai bem no mundo da comunicação social. A veracidade dos factos e o tratamento das notícias são focados segundo interesses quer das redações, por vezes com alguma parcialidade, quer pelas empresas que subvencionam os media, quer pelos canais de televisão, quer pela imprensa.

Vejamos de maneira muito geral o que se tem observado ao longo dos anos nas noticiosas televisivas cuja perceção para quem esteja atento é a de que há uma predominância de escrutínio aparentemente rigoroso para com alguns partidos que estejam no Governo comparativamente com outros que estejam ou estiveram em circunstâncias idênticas.

Sem querer entrar no domínio de suspeições e de teorias da conspiração analisamos  que, quando está no poder um partido de esquerda ou centro esquerda o escrutínio pelos órgãos de comunicação aprofunda a procura de casos e são mais exigentes, rigorosos e propensos para a insistência em investigações jornalísticas com a sua repetição exaustiva de modo a comprometer o partido que está no governo sobretudo quando o mesmo é o Partido Socialista propiciando o lançamento para a opinião pública de determinadas situações, factos ou notícias que lhe sejam desfavoráveis de modo a contruir uma narrativa oposicionista aproveitada pelos partidos que encontrem no momento na oposição.

Uma das missões da investigação jornalística televisiva sob a forma de reportagem ou procura de notícia, deve ser a de informar o público sobre irregularidades públicas ou privadas, políticas, económicas e sociais. Se prolongada e repetitiva, mas, se pouco desenvolvida em relação aos factos são redutoras podem intoxicar e minar a opinião pública sendo até, por vezes, redutoras.

Não se defende que casos de corrupção, compadrio, transgressão de normas ou princípios, questões de ética, interesses pessoais ou outros verificados como factos não sejam divulgados, noticiados, escrutinados e investigados. O que se critica é a diferença na procura, nos critérios seguidos e na exigência em função do partido que esteja no Governo, seja ele o PS ou o PSD ou qualquer outro. O que passa para a opinião pública e a sensação com que se fica é a de que os atos investigados são insistentemente mais salientados quando o primeiro está no poder e que a imagem que se pretende passar é a de que a corrupção e a incompetência se encontram apenas num partido.

Se vasculharmos notícias sobre os vários governos em que tenham surgido casos de corrupção que tenham sido utilizados como arma de ataque a ministros, secretários de estado e autarcas ou outros casos que os comprometam publicamente, como prevaricações ou negociatas, ligações familiares com empresas privadas que tenham tido ou com que tenham colaborado, ligações a escritórios de advogados raramente encontramos ligações e referências a militantes ou ex-militantes da direita ao longos do anos de governação do PSD e ou CDS. Serão estes impolutos, imaculados. Se os houve, ou há, passam na comunicação social sem aprofundamento, insistências, repetições como qualquer notícia outra que passa e logo após desaparece.

Ficamos com a impressão de que casos como os antes referidos, quando se trata da direita, há uma tendência para deixarem de ser de interesse público e de investigação ou pesquisa jornalísticas e que as fontes ficam no seus esconderijos, como se tivessem o dom da invisibilidade, parecendo  carecer de informação para denúncia e, se encontram  algo inconveniente passa a ser de tratamento jornalístico superficial e pouco aprofundado, sem repetições exaustivas nos noticiários e rápida e facilmente caem no poço do esquecimento.

Explicando-me melhor, num caso há a notícia que passa e, no outro, a notícia que fica e permanece até ao seu esgotamento numa espécie de ladainha diária, numa espécie de indução da opinião pública.

É como se houvesse uma espécie de lei do efeito de Edward Thorndike tratado na psicologia. De acordo com este princípio, as ações que são seguidas por resultados desejáveis são mais suscetíveis de serem repetidas, enquanto aquelas seguidas por resultados indesejáveis são menos suscetíveis de serem repetidas. Explicando: se aplicado aos media e às notícias e, de acordo com aquele princípio, as ações (notícias) que sejam seguidas por resultados desejáveis (p. ex. algo que venha contribuir para perda ou desfavor do envolvido(s) são mais suscetíveis de serem repetidas, enquanto aquelas seguidas por resultados que não sejam desejáveis para o envolvido(s) são menos suscetíveis de serem repetidas.

Coloca-se-me então uma dúvida na perspetiva do meu fator de análise: será que nos partidos de direita os seus elementos, sejam eles, parlamentares, tenham pertencido, ou não, em governos, autarcas são ou foram sempre imaculados, virtuosos, incorruptos? Para a opinião pública talvez sejam porque não há aprofundamento nem interesse em investigações jornalísticas e, quando o há sai rapidamente das parangonas da comunicação social impressa ou televisionada. Outra dúvida que se pode colocar é a de saber se as nomeações para cargos de Governo quando a direita PSD e na altura também o CDS estão no poder são tão escrutinados quanto os do Partido Socialista.

Lembremos o caso que envolveu a ministra das finanças Maria Luís Albuquerque que em março de 2016 que segundo o DN, e conforme noticiava o Expresso, «as empresas Gesphone e Whitestar Asset Solutions S.A, adquiridas pela Arrow Global em 2015, tiveram benefícios fiscais num total de 381,7 mil euros entre 2012 e 2014, segundo informação disponibilizada pela Autoridade Tributária». «O jornal avançava que a maioria do benefício foi para a Whitestar, num total de 362,5 mil euros, dos quais 198 mil foram para a criação de emprego e os restantes 163,7 para o crédito fiscal ao investimento. Para a Gesphone - Serviços de Tratamento e Aquisição de Dívidas SA o benefício foi de apenas 19,2 mil euros em 2013, a maioria resultante do crédito fiscal ao investimento».

Em abril de 2018 o semanário Jornal Económico lança uma notícia com o título «Montenegro faturou 400 mil euros em ajustes diretos de autarquias do PSD» e noticia que «Entre 2014 e 2018, a sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro (detida em 50% pelo deputado do PSD) obteve 10 contratos por ajuste direto das câmaras municipais de Espinho e Vagos, ambas lideradas pelo PSD». Foram fogachos que os bombeiros de serviço apagaram passado pouco tempo.

Em 11 de janeiro do corrente o Porto Canal recorda: «Luís Montenegro fez contratos por ajuste direto com autarquias de Espinho e Vagos» e a RTP afirma que «Escritório de advogados de Montenegro fez dez contratos por ajuste direto com Espinho e Vagos». Já em maio de 2022 já a SIC Notícias titulava que «Banco de Fomento contratou a empresa de Luís Montenegro por ajuste direto».

Em maio de 2022 o Diário de Notícias escrevia que «Da parte da sociedade de Montenegro, Nuno Castro Marques diz que este é um assunto sem sentido e que só surge agora devido ao momento político do PSD».

Ora, na altura, a notícia terá passado despercebida e não foi exaustivamente repetida pelos media, agora, com a Operação Vórtex, que investiga diversos crimes económicos no seio da Câmara Municipal de Espinho, traz à tona este caso em que Luís Montenegro é mencionado. Poderemos interpretar isto como uma justificativa para mostrar que não há uma “perseguição” jornalística ao PS e que também são dadas notícias de outros partidos sem o que a isenção jornalística estaria cumprida? Possivelmente não, serão apenas coincidências. Isto não invalida a perceção negativa que provoca na opinião pública devido à repetidas e insistentes notícias dos casos que envolvem o PS e o Governo.

A forma insidiosa como alguns órgãos de comunicação tratam algumas notícias é por vezes demasiado evidente a mostra da benevolência ou o desinteresse face casos ou facto noticiosos. Para melhor se perceber ao que me refiro incluo abaixo uma imagem da capa do Correio da Manhã onde é evidente a importância dada por este jornal ao facto que foram os graves acontecimentos no Brasil.

A importância/relevância dada à subjetividade de notícias de detrimento dum facto que é minimizado em noticia não é evidente em relação a outros dois cuja subjetividade é evidente. Das três notícias desta capa em 9 de janeiro de 2023 qual foi, para o leitor, o acontecimento mais importante que marcou a imprensa internacional? Claro que depende de cada um, é o resultado da subjetividade, mas parece não terem sido os acontecimentos no Brasil os mais noticiados e com relevância neste órgão de comunicação.

Página Correio da Manhã.png

O posicionamento político e ideológico dos órgãos de comunicação é evidenciado pela “Agenda Setting” (fixação de agenda) e pela hierarquização da relevância dada às notícias. Isto é, “a hipótese segundo a qual a agenda temática dos meios de comunicação impõe os temas de discussão social. Por outras palavras: as pessoas, nas suas comunicações interpessoais, discutem prioritariamente sobre os temas abordados pelos meios de comunicação”. Assim, na imprensa e nos jornais noticiosos televisivos são selecionados para a primeira página ou para a abertura sobretudo notícias que impliquem o interesse para a opinião pública. Para o Correio da manhã parece que a invasão do Congresso no Brasil não terá relevância.

Outra situação também muito recente foi a notícia do Público Montenegro fez dez contratos por ajuste direto com as câmaras de Espinho e Vagos. Entre fevereiro de 2014 e Janeiro de 2022, a sociedade de advogados de que o presidente do PSD era sócio faturou 679 mil euros em contratos com entidades públicas.

Assim, cabe aos media dizer ao público que devem pensar e é através da seleção de determinadas notícias que os editores constroem a realidade política, social, entre outras o que na maior parte é apenas absorvido pelo referido público sem quaisquer críticas a não ser pelos comentadores da política. Ver exemplo na nota final.

Conforme já afirmei antes, ao comparar os casos noticiosos relevantes que afetem os dois principais partidos da política portuguesa que alternam no poder, é manifesta a forma como as notícias, sobretudo nos canais televisivos, são mantidas ou retiradas da sua agenda pública. Estas ações determinam e influenciam o modo como nós o público entendemos e nos relacionamos com a realidade informativa, assim como também a influencia o modo como essa realidade é por nós mais ou menos valorizada.

Face ao exposto devemos estar atentos ao que órgãos de comunicação nos pretendem “vender” e o porquê desse produto dito informativo, e, sobretudo, quando a informação está sobre a égide do jornalismo de investigação.

Na minha perspetiva pelas circunstâncias e pela forma como os media atuam e produzem a informação política para a opinião pública é impossível resistir anos à erosão de poder e à estabilidade durante vários seguidos, seja qual for o líder, ou o Governo.

Nota: Exemplo do funcionamento da Agenda Setting dos media. Imaginemos que num determinado dia dum determinado ano um político de um determinado partido que iria concorrer a para umas eleições foi apanhado alcoolizado numa rua e foi e visto por uma certa pessoa que o fotografou e enviou para reações de órgãos de comunicação social. O caso foi noticiado nas primeiras páginas de alguns jornais e nas aberturas dos jornais televisivos e tornou-se um assunto muito comentado nas redes sociais.

Dias depois, uma sondagem colocou a seguinte questão numa pesquisa “Acha que se fossem hoje a eleições votaria contra ou a favor desse político nas listas e se deveria ser expulso do partido?” No dia seguinte de forma alarmante nos noticiários era noticiado: 91% dos entrevistados disse que não mais votaria naquela político e que 89% queria que fosse expulso do seu partido.

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