Estamos longe de perceber se em causa estão medidas de alcance real ou propaganda. Sabe-se sim que há na sua génese um recuo do Governo após meses a fio de desgaste com as lutas laborais
O Governo anunciou esta quarta-feira uma revolução na função pública. Numa operação organizada que envolveu o ministro da Educação, a ministra da Presidência e o próprio primeiro-ministro, o Governo decidiu virar a página da prudência orçamental (para não lhe chamar austeridade controlada) para actualizar salários e “acelerar” as progressões na carreira de cerca de 60 mil professores e 350 mil funcionários públicos de carreiras sujeitas a avaliações do desempenho.
Antes de se julgar a decisão pelo seu mérito ou demérito e antes de se cair nos maniqueísmos ideológicos que têm enquadrado o debate público, constate-se uma realidade: a despesa pública fixa vai aumentar num quadro de grande incerteza financeira. O velho “monstro” do desequilíbrio das contas públicas não está ao virar da esquina, mas o António Costa somítico pode ter mudado esta semana.
Estamos ainda longe de perceber se em causa estão medidas de alcance real ou uma manobra de propaganda. Sabe-se sim que há na sua génese um absoluto recuo do Governo após meses a fio de desgaste com as lutas laborais, em particular as dos professores. António Costa jamais poderia aceitar uma recuperação do tempo de serviço congelado na era do resgate financeiro – chegou a ameaçar demitir-se na anterior legislatura se o Parlamento lhe impusesse a medida. Tratou por isso de caçar com gato o que não pôde caçar com cão.
Nominalmente, o primeiro-ministro vai poder dizer que não haverá reposição coisa nenhuma. O que está em causa, porém, é uma pura questão semântica. O Governo vai acelerar as progressões para compensar o congelamento das progressões entre 2011 e 2018, ponto final. O que não gasta de uma forma gastará de outra.
A notícia é boa para milhares de funcionários. Para professores com 40 ou 45 anos que permanecem nos primeiros escalões da carreira, é boa e absolutamente justa. Mas no futuro vai exigir mais impostos ou menos investimento público. Não há progressões grátis.
É prudente saber se o Governo não está a despir a pele da responsabilidade financeira depressa de mais. A abundante receita fiscal gerada pela inflação permite ao Governo ter mãos largas sem, eventualmente, aumentar o peso da despesa em relação ao PIB e sem comprometer as metas do défice. O problema é o futuro. E a credibilidade do Governo.
Ou os receios de António Costa sobre os impactes ingeríveis da reposição do tempo de serviço eram exagerados, e a sua decisão agora é irresponsável; ou, pelo contrário, a folga orçamental verificada no final de 2022 permitia a reposição do tempo perdido e a sua teimosia foi insensata.