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É o poder da guerra superior ao poder da paz?

31.01.23 | Manuel_AR

Poder da guerra poder da paz.png

Voltemos à decisão unilateral de Vladimir Putin de invadir ilegalmente a Ucrânia. Putin passou a fazer parte do grupo dos senhores da guerra, aliás, parece que sempre fez, embora não reconhecido como tal. Faz parte dos que a praticam e não dos que se lhe opõem. Há quem confunda defesa com agressão, tal é o caso de Putin que, numa espécie de lenga-lenga, diz estar a ser ameaçado pelos inimigos do Ocidente.

Vladimir Putin tem a convicção adulterada de que o Ocidente está a impor os seus valores e estereótipos de consumo a tentar expandir os seus mercados. Pois bem, é muito provável que seja verdade. Então que ponha o seu país a fazer o mesmo de forma pacífica e honesta num mundo de cooperação. Putin que promova o seu país pela positiva e não pela beligerância e com invasões sem cabimento a não ser a ânsia de poder e de expansão e com tentativas para recuperar o que foi a antiga URSS em modo oligarquia.

Putin e seus aliados de elite que atualmente governam a Rússia ainda estão virados para o passado e para a guerra fria que terminou. Nunca aceitaram a perda de uma proporção significativa do território, população e dos países que saíram da influência da Rússia que a dissolução da União Soviética implicou.

A elite dominante do país anda exasperada  por ser tratada como um ator menor no sistema global e insistem que a Rússia continua a ser uma grande potência com interesses de segurança com uma área global de influência que deve ser respeitada, isto é, Putin e os atuais governantes da Rússia, nunca aceitaram a ordem internacional pós-Guerra Fria e o fim do Pacto de Varsóvia.

A invasão da Ucrânia levou-me a recordar os “senhores da guerra” cujo conceito é diversos consoante as regiões geográficas e políticas. Ao analisar-se a gama de opções disponíveis para os senhores da guerra obtemos como resultados uma compreensão complexa de variedade de motivações.

O que interessa salientar é saber se podemos considerar Putin como um dos senhores da guerra no contexto de invasão por ele iniciada. Jesse Driscoll escreveu um livro onde analisa o termo senhores da guerra centrando-se no período após a União Soviética a que deu o título Warlords and Coalition Politics in Post-Soviet States  que pode ver aqui.

O principal argumento que Driscoll apresenta é o de que os senhores da guerra conspiraram para estabelecer o estado pós-comunista, na esperança de garantir uma parcela da ajuda estrangeira.

Driscoll afirma que “não é de surpreender que as unidades militares russas tenham intervindo para resolver quase todas as batalhas militares decisivas travadas no antigo território da URSS. Foi apenas com a ajuda militar da Rússia que as milícias da Ossétia do Sul e Adjaran[1] detiveram os paramilitares georgianos. A ajuda tática de bases russas próximas acabou por tornar-se explícita quando os separatistas da Abkhaz[2] foram auxiliados pelo poder aéreo russo e combatentes paramilitares. … A artilharia da Frota Russa do Mar Negro desempenhou um papel crucial na derrota da insurgência zviadista[3] na Geórgia”.

Mas afirma ainda que “que a Rússia não nomeou ou controlou os senhores da guerra e as milícias que estavam envolvidos na luta, e que os acordos locais alcançados entre essas milícias foram realmente o que levou ao acordo da guerra civil”.

 Curioso é que forças paramilitares há época já eram utilizadas pela Rússia nas suas intervenções em várias guerras locais, como na Síria, para ajudar ditaduras opressoras tal como o Grupo Wagner, grupo de mercenários ligados à Rússia.   

Este grupo é uma empresa paramilitar privada, cujo dono é um aliado de Putin. O grupo fundado em 2014 teve uma das suas primeiras missões conhecidas na península ucraniana da Crimeia, e que, com uniformes sem identificação, ajudaram as forças separatistas apoiadas pela Rússia a tomar a região.

Em 2015, o Grupo Wagner começou a operar na Síria, lutando ao lado das forças pró-governo do ditador Bashar al-Assad. Na Líbia está desde 2016 a apoiar as forças leais ao general Khalifa Haftar, um dos mais poderosos "senhores da guerra" do país. Acredita-se que até mil mercenários do Wagner tenham participado da ofensiva de Haftar sobre o governo oficial em Trípoli em 2019. As suas tropas passaram a ser acusadas de perpetrar crimes de guerra, como massacre de prisioneiros e mortes arbitrárias.

Negando evidências dos factos e subtilmente aceitando os objetivos da invasão alguns comentadores que escrevem em redes sociais e em blogues os agressores, os que provocam a guerra, são defendidos com determinação com argumentos falaciosos apoiando-se na má política de outros países para justiçarem a invasão pela Rússia e a política beligerante de Putin. Quem se opõem à invasão, mas ajuda à defesa do país invadido são os malvados, os que não procuram a paz e incentivam a guerra. É a total inversão de valores em defesa sabe-se lá do quê.

O objetivo desses senhores que apoiam invasões ilegítimas, tal como a da Ucrânia, ao colocarem-se contra o Ocidente e procurando razões arcaicamente históricas é apenas um: alimentar o ódio contra os EUA, a U.E. e a OTAN e desacreditar os aliados históricos do Ocidente que lutaram contra o nazismo, e reatar o conflito político e ideológico do tempo da Guerra Fria, vivida durante o tempo da acabada União Soviética. Talvez haja da parte deles saudosismo que lhes alimenta a esperança de poderem voltar utilizando quaisquer meios ao dispor para atingir os fins, uma hipotética restauração, modelo século XXI, do renascimento do imperialismo soviético liderado por Putin.

Dado que estes “influenciadores” procuram sistematicamente indícios e arbitrariedades por parte daqueles que detestam para, utilizando a liberdade que o Ocidente lhes confere, poderem atacar os que a defendem.

Os senhores da guerra e os que os defendem padecerão duma patologia de pacientes paranoicos. Tal como na paranoia, conforme os manuais de foro psiquiátrico, têm a tendência para a interpretação errónea da realidade em consequência da suscetibilidade aguda, do orgulho excessivo e/ou da desconfiança extrema do indivíduo que pode até chegar ao delírio persecutório, não apenas a nível pessoal, mas ao nível de povos, grupos e governos. Exemplo será a obsessão de Putin, a nível político, por uma invasão vinda do Ocidente.

Como em política nada acontece por acaso, quando se pretende justificar determinadas ações e circunstâncias nada melhor do que fabricar um inimigo, um bode expiatório, para se justificarem manifestações de vontade que seriam considerados ilegais. É o caso que se passa com o caso sobre o qual se está a tratar, a invasão russa da Ucrânia decidida por Putin justificando que o malvado do Ocidente estará a querer cercar a Rússia que está a querer libertar e salvar o povo ucraniano dos nazis. Na Alemanha, Hitler, também quis defender e libertar o país dos judeus.

Por aqui, em Portugal, muitos dos apoiantes de Putin que escrevem nas redes sociais e noutros locais como blogues e páginas que proliferam na net difundem falsidades onde põem os seus escritos a defender exasperadamente os invasores da Ucrânia que justificam culpando o Ocidente com argumentos requintados de deslisura que Ucrânia é um país de nazis. Nazis serão os que, ultrapassando todas as leis da política e direito internacional, defendem quem começa guerras como esta apenas pelo ódio aos EUA, à OTAN e ao Ocidente onde vivem e onde podem exprimir livremente o seu pensamento.

Por princípio, e sem pretender generalizar, tenho a perceção de que entre o tipo de senhores que atrás refiro alguns estarão desagradados com a falta de visibilidade que não lhes é dada na comunicação social (sobretudo na TV) porque a sua sumidade não lhes é reconhecida. São identificados politicamente com a esquerda, mas da esquerda, da radical. Destilam veneno nas redes sociais contra o Ocidente, EUA, OTAN e UE. Contudo, há outros a quem é concedido o trono das cadeiras dos canais de televisão para perorarem subtilmente em prol dos invasores e inimigos da liberdade. Para eles os senhores da guerra são os outros o Ocidente.

Um dos últimos escritos que descobri foi de um tal senhor coronel português, reformado, que escreveu um artigo numa página de um site que é uma plataforma híbrida online para publicação de conteúdos e que se denomina jornalismo social. No jornalismo social qualquer um pode enviar e publicar histórias para uma plataforma. No entanto, alguns meios de comunicação têm filtros para garantir que um determinado padrão seja verificado. Há também plataformas (como Medium.com e Linkedin) que incorporam muito menos filtros de curadoria. Isso, por sua vez, deixa uma questão em torno da qualidade do conteúdo publicado podendo cair sob o disfarce de jornalismo.

Cito excertos do documento atrás referido onde parece claro e implícito, salvo outra interpretação, que, para o autor, os senhores da guerra são o Ocidente e os EUA que auxiliam a Ucrânia na defesa da invasão. Escreve o senhor coronel:

“Os senhores da guerra vão realizando análises de custos e benefícios ao longo das campanhas até chegar ao momento em que decidem terem mais a perder do que a ganhar com a manutenção das hostilidades, que chegou o tempo de negociar o saque. No caso da Ucrânia, estão em jogo os milhares de milhões de euros de “ajuda à reconstrução”! Os franceses deram sinal de vida e já estão em campo, de dente afiado, informa do Le Monde: “Guerre en Ukraine, en direct : 500 entreprises françaises réunies mardi à Paris pour reconstruire l’Ukraine.”

E mais adiante:

“Os Estados Unidos atingiram o seu objetivo principal: subordinar a União Europeia e bloqueá-la na sua órbita, separando-a da Rússia e destruindo a sua coesão e veleidades de autonomia.”

“Contudo os estados ocidentais irão para o saque do futuro da Ucrânia em ordem dispersa, cada um por si e contra os outros para abocanhar o que puderem dos fundos atribuídos à “reconstrução” da Ucrânia: os franceses estão a preparar-se, assim como os alemães. A Polónia deverá ser recompensada do seu apoio como base logística com uma parcela da Ucrânia, o Reino Unido servirá de sócio principal dos EUA, e a Turquia venderá caro os seus bons ofícios de intermediação e na manutenção de pontes entre as partes, que deverão ser pagos pelo Ocidente e pelos curdos. Os Estados Unidos através das suas empresas serão os grandes “reconstrutores”, como já foram no Iraque!”

Repare-se bem, “subordinar a União Europeia e bloqueá-la na sua órbita, separando-a da Rússia”! Separar a União Europeia da Rússia. Que frase ambígua! É difícil interpretar corretamente este pensamento.

A pergunta que se pode colocar é: mesmo que assim seja, quem começou a invasão, causa para que o prognóstico do autor se cumpra?

Parece não reconhecerem a hipocrisia e de que a mentira de Putin são por demais evidentes. Tenta imputar ao Ocidente tudo quanto lhe cabe a ele de responsabilidade. Putin parece sofrer de uma patologia que se pode designar por inversão psíquica a do poder pela destruição. É uma patologia psicossocial dos indivíduos com poder. São psicóticos que estão impedindo o desenvolvimento humano e pretendem destruir as sociedades e nações que não pensem ou sejam como a deles. O objetivo é dominar outros povos que lhe fugiram do encalço quando da queda da URSS. Sujeitos como este, se não forem parados, poderemos vir a assistir ao rápido desmoronamento da civilização colocando-a em perigo.

Em outubro de 2022 Teresa de Sousa escrevia que as ameaças de recurso a armas nucleares. As nomeações de novos chefes militares que ganharam fama de assassinos em outros teatros de guerra, como na Síria. A anexação ilegal de partes da Ucrânia. A deportação de populações das poucas regiões que ainda controla, incluindo crianças. O objetivo é óbvio: desmoralizar os ucranianos, intimidar os seus apoiantes ocidentais e, internamente influenciar o povo russo.

Para os mesmos objetivos recorrem a outras vias como a guerra da informação em que os dois polos do conflito estão envolvidos. Nestes dois encontram-se os que apoiam Putin que, não defendendo explicitamente a invasão da Ucrânia, atacam os países que se colocam do seu lado no auxílio da sua defesa.

Há indivíduos e grupos que divulgam a propaganda oficial do Kremlin negando a veracidade dos factos sobre a realidade da guerra e contra o Ocidente, enquanto os propagam nos seus países sendo coadjuvados por lacaios doutros países, incluído Portugal. Usam falsas razões e argumentos ao mesmo tempo que no seu país há um controle rigoroso sobre os órgãos de informação que mandam encerrar, fixam censura, perseguem e prendem quem não aceite ou desminta a “verdade” oficial.

A informação e contra informação pela quantidade inassimiláveis e confunde as opiniões públicas para o que comentadores e órgãos de comunicação por vezes também contribuem.

 

[1] Adjara, oficialmente uma República Autónoma de Adjara é uma república autónoma da Geórgia.

[2] Região no Cáucaso e uma república autônoma no norte da Geórgia que se declara independente, desde o fim da guerra civil de 1992-1993

[3] Consultar https://www.wikiwand.com/pt/Guerra_Civil_na_Ge%C3%B3rgia