Com o PCP nada acontece por acaso, nada se perde e tudo se transforma
A estratégia que o PCP - Partido Comunista Português tem vindo a seguir após o desaire das eleições, e, mais recentemente, com a invasão da Ucrânia está a desenvolver-se em três frentes.
A primeira frente, a mais recente, é a manutenção da culpabilização da invasão da Ucrânia pelo ocidente tratando o invadido e o ocidente como sendo os agressores. A desculpabilização do agressor é também defendida pelos que, reivindicam um pensamento alternativo, para eles indiscutível, em contraponto ao que eles denominam de pensamento único, que é contra a invasão e que é o errado. Para essa corrente, a Europa, enfeudada aos EUA e à NATO, são os geradores de uma escalada militar belicista.
Pela análise dos argumentos de Vladimir Putin e dos seus seguidores, o ocidente é o meio privilegiado da expansão dos valores negativos da cultura ocidental para a Rússia. É, pois, em nome da autodeterminação dos povos, e não apenas do povo russo, que Vladimir Putin diz prosseguir a sua política externa de forma a romper com os constrangimentos da hegemonia ocidental (ver discursos e intervenções). Ao mesmo tempo insiste em querer preservar a influência de Moscovo no “estrangeiro próximo” que se perdeu com o colapso da URSS (a retórica do PCP está próxima). Todavia a invasão da Ucrânia é demonstrativa da sua contradição por não lhe reconhecer o seu direito à autodeterminação.
A segunda frente do PCP é ideológica e processa-se no âmbito da sua política interna. No partido nada acontece por acaso. O “interior” do partido está rodeado pela discrição onde está enraizada uma ideologia dogmática com certos postulados não sujeitos a crítica e em que é o comité central que faz o ditame do posicionamento ideológico-partidário do momento que obedece a uma liturgia própria. O PCP debate-se, por isso, com o dilema de simultaneamente ter de responder à necessidade de manutenção da sua identidade, cujos valores e princípios são submetidos à ideologia internacionalista do comunismo mais ortodoxo e a vontade do eleitorado que pretende recuperar.
As narrativas produzidas pelo PCP têm vindo a competir com outros discursos existentes no espaço político. Ao longo do tempo, no que se refere a evolução discursiva, desenvolveu algumas alterações na sua terminologia linguística reprimindo algumas expressões e a aceitação de outras pela reformulação de elementos linguísticos que deixaram de ser utilizados na sua antiga formulação com a entrada e a participação do partido no diálogo político que se encetou em Portugal após o estabelecimento do regime democrático, ficando numa espécie de letargia de que tem custado a sair, mas a que parece pretender regressar.
Todavia, ao longo dos anos, ao escutar e ao ler alguns dos discursos dos líderes do PCP tenho verificado que, desde o tempo da URSS e do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), até à atualidade, alguns dos pressupostos do PCP mantiveram-se. A NATO continua a ser uma organização agressiva, os EUA capitalistas, imperialistas e agressores e a União Europeia está ao seu mando. Deste modo, faça a Rússia o que fizer, (leia-se antes Putin), para o PCP estará sempre certa, no pressuposto de que, todos os que considerem como inimigos os de quem sou inimigo, são meus amigos.
Apesar da confusa barracada causada por declarações por figuras do PCP, algumas delas contraditórias, sobre a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin que pode ver aqui e aqui, e em que o líder Jerónimo de Sousa tem afirmado que o PCP garante “não ter nada a ver com o governo russo” nem com Putin o certo é que, os seus militantes e adeptos ao colocarem-se do lado contrário de quem está contra Putin colocam-se, indiretamente, do lado do agressor.
No 101º aniversário do PCP Jerónimo de Sousa afirmou ser “uma calúnia” dizer que o partido apoia a invasão da Ucrânia. Apesar da tentativa de se demarcar do regime de Putin, não foi a ele quem mais atacou. Foi aos EUA que mais apontou o dedo. No mesmo comício, em março, a defesa indireta do agressor que é Vladimir Putin deu-se pelo ataque aos que ajudam o agredido, foi o Ocidente, sobretudo aos EUA, que mais responsabilizou. Narrativa que também tem passado pelas redes sociais pelos seus adeptos. Jerónimo de Sousa apontou “todo um caminho de ingerência, violência e confrontação” que diz ter começado no “golpe de Estado de 2014, promovido pelos EUA, que instaurou um poder xenófobo e belicista”, e que provocou “a recente intervenção militar da Rússia na Ucrânia e a intensificação da escalada belicista dos EUA, da NATO e da União Europeia.” Afinal o que é isto senão a lavagem da política de Putin em relação à Ucrânia? Basta agora acrescentarmos o termo “operação militar especial” que Jerónimo já utilizou para se referir à invasão da Ucrânia. A colagem torna-se ainda mais evidente quando não refere Putin como imperialista nem o coloca em causa pelo que deveria ser para o PCP a tradição leninista da autodeterminação dos povos, já que, Putin responsabiliza Lenine pela independência da Ucrânia por ser o seu "autor e criador".
Os argumentos vindos do Kremlin para a invasão da Ucrânia são apontados ao ocidente, sobretudo à U.E., EUA e NATO o que parece terem dado ao PCP um novo alento. Não é por acaso que os seus capangas ideológicos andam pelas redes sociais e blogues a apoiar indiretamente Putin criticando e colocando-se contra o ocidente. Para o PCP a U.E. e a NATO foram e são uns empecilhos ao avanço estratégico da Rússia para ocidente e um bloqueio à progressão dos desígnios de expansão do comunismo na esperança de que um dia a URSS ou algo parecido regressem.
O PCP, embora esteja contra as políticas capitalistas do Kremlin como diz, ao mesmo tempo está em consonância com a sua política externa. A ambição do Kremlin pelo controle da Europa, pelo menos dos países que pertenceram ao Pacto de Varsóvia, é a hegemonia económica e geopolítica que passa também pelo desmembramento da União Europeia e a NATO que tem sido (e sempre foi) uma pedra no sapato de Putin e que também fazem parte de uma das lutas do PCP.
A terceira frente que não é independente das duas anteriores resulta da pesada derrota nas últimas eleições legislativas que está a fazer com que o PCP regresse ao “show de rua” com reivindicações e greves, com palavras de ordem mais do desgastadas e com o costumeiro radicalismo arcaico e ortodoxo.
As palavras de ordem do PCP voltaram a ser as de um populismo de esquerda para captar as massas populares para a sua luta. Palavras de ordem, as mesmas de sempre, como “aumentar os salários”, “valorizar o trabalho”, “desenvolver o país” às quais acrescentam a inflação e o custo de vida que vieram, em boa-hora, ajudar a direita e a extrema-direita a fazer oposição, como já vimos no Parlamento o PSD a defender aumento na função pública quando anteriormente falava no peso do Estado na economia.
Aprovado o OE para 2022 que o PCP votou contra, juntamente com a direita e com a extrema-direita, pela mão dos sindicatos que controla irá tentar instalar uma instabilidade social artificial com greves, paralisações e manifestações. O seu objetivo é fazer uma oposição de ataque cerrado e de desacreditação da maioria absoluta do Governo do Partido Socialista.
As únicas propostas que o PCP apresenta para melhorar o país são o aumento das pensões, dos salários, a fixação de preços contra o grande capital. Fixação de preço que resultaria em faltas nos abastecimentos de produtos básicos essenciais para as populações, sobretudo as urbanas, em filas para a compra de produtos essenciais como se verificava na ex-URSS da chamada economia planificada do regime comunista.
A economia da URSS era tão planificada que, depois da sua dissolução as privatizações de grandes empresas foram parar à mãos de quadros, antes fiéis do PCUS-Partido Comunista da URSS e “gestores” dessas mesmas empresas do Estado, que são atualmente os grandes oligarcas da Federação Russa e cuja maioria ainda está do lado de Putin.
Ainda no sentido desta terceira frente e aproveitando a atual conjuntura internacional devido à invasão da Ucrânia seguida do pedido de adesão à U.E., o PCP luta com as armas desestabilizadoras que tem ao seu dispor para dar apoio, mal disfarçado, à política de Vladimir Putin. Esta posição é coerente com a nota do gabinete de imprensa do PCP de 22 de fevereiro deste ano.
Há ainda a salientar a despropositada conferência que o PCP organizou no ISCTE na passada terça-feira, em Lisboa, para analisar as “consequências do uso do euro para o país se este rumo se mantiver” e as “possibilidades para concretizar uma rutura”. Parece-me que Putin terá ficado agradecido, assim como o PCFR.
O PCP faz um balanço negativo da adesão ao euro e destes 20 anos em que a moeda esteve a circular baseia-se na perda de soberania sobre a sua política monetária, cambial e orçamental; nos períodos de recessão ou estagnação económica, tornou-se mais endividado e dependente, perdeu capacidade produtiva, e não convergiu com a média da União Europeia. “Temos o dever de perguntar: como serão os próximos 20 anos? Vamos resignar-nos a este cenário?” questiona o PCP. Os argumentos parecem ser idênticos aos da extrema-direita quando está contra a U.E.
Os comunistas realçaram na conferência, organizada pelos eurodeputados do PCP, que “A permanência no euro já é suficientemente longa para se tirar conclusões independentes das conjunturas e dos governos. Este é o tempo de recordar a propaganda e as promessas então feitas e de as conformar com os impactos reais da adesão. Mas é sobretudo o tempo de pensarmos o presente e o futuro. Este debate assume recusar inevitabilidades”.
A proposta e a estratégia do PCP ao adotar uma estratégia anacrónica para criticar a presença de Portugal no Euro vai no sentido de que Portugal fique novamente “orgulhosamente só”, tal como proferiu Salazar num discurso em 1965 quando o mundo se opunha à manutenção do colonialismo. É lamentável que após 57 anos, embora num contexto distinto, mas igualmente severo, o PCP esteja a querer encaminhar Portugal para o desastre.
A discussão veio facilitar a abertura do tema que está no alinhamento com Putin ao aperceber-se de uma Europa Unida pelo que há que estilhaçar esta perigosa união. Não nos admiremos se a extrema-direita vier também a alinhar com a ladainha comunista sobre a U.E. Temos visto nos últimos anos como a extrema-direita na Europa tem trazido para a discussão populista a verborreia contra a União Europeia.
Enquanto continua a haver países de leste, nomeadamente a Moldávia, que pretendem entrar para a U.E. e para a NATO/OTAN e para zona Euro, coisa que o presidente Vladimir Putin vê como um cerco à Rússia, e o Reino Unido acha que terá sido um erro a sua saída da U.E. o PCP continua a propor a saída de Portugal do Euro. Não é novidade, a sua coerência reside no facto de ter estado sempre contra a entrada de Portugal para a U.E. e para a zona Euro que, para aquele partido, é uma organização “defensora do grande capital”. Aliás, em 2016, o PCP defendia “derrotar a União Europeia, criar ‘outra Europa’ dos trabalhadores”. Qual? A da ex-URSS?
De facto, parece-me estranho que o PCP nas atuais circunstâncias esteja novamente a levantar a discussão e a colocar em causa o Euro e a U.E. Caso fosse desmantelada a U.E. esta ficaria dividida e a porta ficaria aberta ao imperialismo de Vladimir Putin. Neste aspeto o PCP é coerente porque sempre foi contra a U.E., mas, saído das “amarras” de compromissos de apoio parlamentar com o PS encontrou novamente o folego e a oportunidade para, ao arrepio da guerra da Ucrânia, se aproximar dos pontos de vista de Vladimir Putin cuja filosofia é contra a E.U. e contra o Euro por ver neles um empecilho apesar de a ter enfeudado ao fornecimento de gás e petróleo da Rússia.
Este debate sobre o Euro não surge por acaso e regressa com os mesmos estribilhos já bem conhecidos.
Convém também não esquecer que este espírito anti U.E. e anti NATO foi também a do anterior presidente dos EUA Donald Trump que esteve empenhado no seu enfraquecimento como realçou o Presidente francês Emmanuel Macron em 2019: “O que estamos a assistir é a morte cerebral da NATO", devido às decisões do presidente norte-americano sobre a Aliança Atlântica e também pelo comportamento do presidente turco”. A invasão russa da Ucrânia ocorreu num momento de enfraquecimento da NATO e não de um ostensivo e concreto alargamento até à fronteira russa.
O PCP sabe que a política externa de Vladimir Putin se pauta pelo confronto com os países ocidentais como se tem verificado há algum tempo. Os comunistas do PCP encontraram agora uma oportunidade de fazer eclodir uma discussão sobre o Euro porque a conjuntura da invasão da Ucrânia, a que também Jerónimo de Sousa chamou “operação militar especial”, e a que, claramente, nunca se opuseram, a não ser em falar em abstrato na paz que dizem pretender.
O presidente Vladimir Putin, para justificar os seus objetivos argumenta que se está a criar um “cerco estratégico”, o que é falso, e, de acordo com esta narrativa, traçou uma política externa que diz ser defensiva. Independentemente da avaliação que possamos fazer quanto a esta linha de argumentação, há uma verdade inequívoca: as ações de Moscovo ao longo dos últimos anos quer na Moldávia, na Geórgia, na Crimeia e agora na Ucrânia, as ações de Moscovo desfizeram dúvidas quanto à postura bélica assumida pelo presidente Putin.