Coincidência ou não eis a questão
Há coincidências prováveis e improváveis. A probabilidade pode ser um indício de que algo venha a ocorrer. Uma improbabilidade estatística refere-se a acontecimentos ou desfechos que têm uma probabilidade muito baixa de ocorrer com base em análise estatística. Há exemplos de coincidências como o de encontrar alguém que conhecemos num determinado local aleatório enquanto viajamos para fora do país que são estatisticamente improváveis, mas, mesmo assim podem acontecer.
Seria pouco provável que situações em investigação pela justiça ou que estejam a aguardar julgamento e em investigação há vários anos passem a ser lançados para a comunicação social no espaço de algumas semanas numa ocasião em que estão em curso antagonismo de ideias e projetos numa pré-campanha eleitoral.
É importante notar que, embora esses eventos sejam estatisticamente improváveis, eles não são uma impossibilidade. No campo da estatística, embora raramente, eventos com baixas probabilidades podem ocorrer. Mas à medida que aumentamos o tamanho da amostra, a média das observações tende a seguir uma distribuição normal. Isso permite fazermos inferências sobre a população com base nas médias das amostras e dos seus desvios padrão.
Coloca-se então a questão: haverá, de facto, um tempo da justiça e um tempo da política? Penso que não. Devido a muitas coincidências o tempo da justiça começa a ficar acoplado ao tempo da política. Os factos que têm vindo a público, e refiro-me aos mais recentes, contudo parecem mostrar uma propensão mais do que uma evidência. O acoplamento tem-se mostrado tendencialmente dirigido ao Partido Socialista. O que aparece quanto ao PSD parece servir apenas para despistar possíveis críticas que possam surgir da tendência das investigações apenas dirigidas a um único partido.
Quem tente descortinar uma lógica nas atuações da justiça é considerado obcecado por teorias da conspiração, mania da perseguição ou qualquer outra patologia que lhes aprouver, mas, sendo apenas coincidência elas são demais.
Esta forma de atuar da justiça pode interessar sobretudo à propaganda do partido CHEGA, é este que continuamente lança anátemas e coloca num lamaçal a política e os políticos que considera serem todos corruptos, que não eles obviamente. Aquele partido faz da palavra corrupção o seu slogan preferido. Por outro lado, sente-se desprezado porque a direita democrática não lhe avalizar a sua angústia por não colocar como opção, pelo menos por agora, fazer uma coligação ou acordo, talvez para poder usufruir de compadrios se chegar ao governo, alguma vez.
Comecemos por ordem não cronológica das movimentações que a justiça lança para a praça pública no dealbar de eleições o que acha ser oportuno para se fazer justiça e o que à comunicação social interessa.
Depois de anos e anos a arrastar calhou agora a oportunidade de lançar para os media o caso de José Sócrates com o tema “Tribunal da Relação de Lisboa inverteu decisão de juiz Ivo Rosa e confirmou quase na íntegra a acusação do Ministério Público.” Assim, “José Sócrates vai ser julgado por 22 crimes, três deles de corrupção.
Existem indícios suficientes para o ex-primeiro-ministro José Sócrates e 21 outros arguidos da Operação Marquês serem julgados de que foram acusados, incluindo corrupção, decidiu esta quinta-feira o Tribunal da Relação de Lisboa. Fica assim sem efeito grande parte da decisão do juiz de instrução Ivo Rosa, que, em abril de 2021, arquivou 171 crimes da acusação. Recorde-se que este processo se iniciou em 2014 (reveja o que esta data significou: foi antes das eleições de outubro de 2015). As notícias da altura pareciam exultar que tinha sido detido na noite de 21 de novembro de 2014 no aeroporto de Lisboa o antigo líder socialista ficou depois em prisão preventiva, até 4 de setembro tendo acabado por ser libertado a 16 de outubro de 2015.
Outro caso que agora também saiu das amarras temporárias da justiça foi o das golas antifumo: “O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) enviou para julgamento todos os arguidos do caso das golas antifumo, ao validar na íntegra a acusação do Ministério Público.”
O caso das golas antifumo levou em 2019 a demissões no Governo, num processo no qual estão em causa alegados crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder. Só agora, em momento de política viva e de crítica, é que surge o envio para julgamento este caso o que valida a acusação do Ministério Público e claro, como lhe compete a comunicação social faz notícia.
Em 7 de novembro face a contestações promovidas por sindicatos esquerdistas de vários setores aos quais a direita e extrema-direita se associam em defesa dos trabalhadores por mero oportunismo, dá-se o que pode designar-se por um golpe judicial do 7 de novembro quando o primeiro-ministro António Costa referiu que foi surpreendido pela informação avançada pelo gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o processo-crime que "já foi ou irá ser instaurado". Passados dias a Procuradora-Geral da República declara que afasta responsabilidade pela demissão de António Costa. Daqui a crise política que se gerou e é conhecida. Mais uma vez uma coincidência entre o tempo da política e o tempo da justiça.
Recorde-se o caso ridículo que se passou com Rui Rio quando o ex-presidente do PSD e outros dirigentes e funcionários social-democratas foram alvos de buscas, por suspeitas de crimes de peculato e abuso de poder. Afirmava-se então que era uma investigação à utilização de fundos de natureza pública em contexto político partidário coisa que, na altura, se afirmava ser comum a todos os partidos. Pelo que se sabe, foi um processo que nasceu em 2020, a partir de denúncias internas, mas por coincidência só em julho de 2023 é que a comunicação social trouxe a público, dizem estar em segredo de justiça.
O caso da casa de Luís Montenegro em Espinho que veio a público, para mim numa espécie de mostra de imparcialidade, não é apenas a um partido é em todos.
É o tempo da justiça a contaminar o tempo da política. Coube agora a vez de atingir, por coincidência!?, Miguel Albuquerque e o PSD da Madeira, caso que o envolve e que está sob investigação desde março de 2021.
A justiça parece ter a tentação para se juntar à política, tanto mais quanto sabem o espaço que os media lhe dedicam. Vejam-se os casos não raros em que os jornalistas e as TV´s chegam primeiro aos locais onde se vão dar as buscas ou prender alguém. Estão a par das investigações ditas em segredo de justiça e por vezes até se antecipam à própria justiça. Mas. problema maior, é a atração que a Justiça sente pelos media e ao espaço que estes lhe dão.
“A política-espetáculo é ótima para os populistas, mas é hora de refletir também sobre quem é beneficiado pela justiça-espetáculo”, escreveu no final do seu artigo no Público.