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A Propósito de Quase Tudo: opiniões, factos, política, sociedade, comunicação

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Ambição por visibilidade

30.05.24 | Manuel_AR

Visibilidade e política.png

No início do mês de maio veio à tona na comunicação social um caso típico de visibilidade que envolve José Castelo Branco. Este ser híbrido, qual personagem circense autocriado para animar o espetáculo da comunicação ao longo do tempo, umas vezes mais dos que outras, tem tido a visibilidade que os media, sempre atentos a casos de escândalo, lhe concederam e agora voltam a conceder a honra de produto de venda, desta vez por causas gravosas.

Outra novidade típica que tem por detrás a visibilidade foi a surpresa da indicação pela AD de Sebastião Bugalho para cabeça de lista para as eleições europeias.

Trago estes dois casos atuais a propósito da releitura que fiz do livro de Ítalo Calvino “Seis Propostas para o Próximo Milénio”, precisamente o capítulo 4 que trata do tema “Visibilidade”, trouxe-me a ideia de escrever sobre este tema que, cada vez mais, está presente como uma necessidade absoluta de setores da nossa sociedade. Este meu texto, que nada tem a ver com a profundidade que Ítalo Calvino lhe reservou, serviu só para introduzir o propósito do meu tema.

Ítalo Calvino começa a sua conferencia sobre “visibilidade” a partir de um verso do capítulo do Purgatório da Divina Comédia de Dante onde diz que “Chove dentro da minha fantasia”.

“E qui fu la mia mente sì ristretta

Dentro da sé, che di fuor non venia

Cosa che fosse allor da lei recetta.

Poi piovve dentro all' alta fantasia

Un crocifisso dispettoso e fiero

Nella sua vista, e cotal si moria.

(Dante; Purgatorio, XVII, 25; p. 76)

Que pode ser traduzido por

E aqui estava a minha mente tão estreita

Dentro de si, que não vem de fora

O que foi algo que ela aceitou na época.

Então choveu dentro da minha fantasia*

Um crucifixo travesso e orgulhoso

À sua vista, e assim alguém morre.”

*Tradução livre: então, choveu na mais alta imaginação.

Escreveu Calvino que a “fantasia é um lugar onde chove lá dentro”. Quer ele dizer que é uma metáfora para um buraco onde chove. Calvino interpreta que “Dante está a falar das visões que se apresentam ao autor (Dante), quase como projeções cinematográficas ou receções televisivas num visor separado daquela que para ele é a realidade objetiva de sua viagem ultraterrena.”

A metáfora de Calvino sugere uma visão da fantasia como sendo um lugar interior onde chove. É possível pensarmos que está a referir-se à capacidade da imaginação humana para criar mundos fictícios, histórias e personagens dentro da mente sobre si próprio ou sobre outros e onde “chove lá dentro". Porquê “chove lá dentro”? Porque a chuva enquanto elemento climatérico é frequentemente associada a emoções que sentimos como melancolia, tristeza ou num aspeto mais otimista como renovação, o que faz renascer a vida. Sem a água da chuva nada existiria. A metáfora de Calvino salienta a riqueza e a vitalidade da experiência fantasiosa que é uma maneira poética de descrever a capacidade humana de criar e imaginar mundos que não existem na realidade, mas podemos imaginarmo-nos neles e sermos conhecidos por isso.

Claro que a interpretação de Calvino sobre a sensibilidade e visibilidade imagética não corresponde àquela sobre a que vou debruçar-me. Vou centrar-me na corporização ou objetividade da realidade pelos media e nos artifícios de que se servem indivíduos, grupos, políticos e empresas para conseguirem visibilidade para um negócio, para efeitos de marketing, para umas eleições, para defesa de ideias, para captação de atenções, sobretudo nas emissões televisivas, redes sociais, eventos e até mesmo em manifestações das mais variadas origens e tendências.

O senso comum atribui à palavra visibilidade, conforme definição que consta dos dicionários e também no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, o “caráter, condição, atributo do que é ou pode ser visível, ser percebido pelo sentido da vista”. Mas visibilidade é também o estado do que é visível que, no sentido figurado, corresponde ao que é percetível, manifesto, evidente ou aparente. Assim pode ser pela aparência, ou seja, pelo aspeto que julgamos pessoas ou coisas.

O anseio por visibilidade traduzida na necessidade de ser conhecido, de dar nas vistas, mesmo que por maus motivos, através dos media de grande difusão tem vindo a crescer nas últimas décadas e a proporcionar fantasias e exibicionismos cada qual a mais disparatada, tudo no sentido de dar nas vistas, de ser falado, de ser conhecido.

Seja qual for a definição que encontremos para visibilidade verificamos que é um conceito chave que está implícito na qualidade ou estado do que é visível, ou de se tornar visível, e pode conter todos os tipos de noções preconcebidas, equívocos, muitas experiências e histórias pessoais que tem o propósito e o potencial de moldar e afetar a nossa faculdade de julgar. Na política acontece o mesmo, sobretudo em épocas de campanhas eleitorais como a que atravessamos com o objetivo de influenciar potenciais eleitores.

Quando se ouve que alguém está a disputar por "visibilidade" associamos a procurar ficar conhecido por alguma coisa, projetar uma certa imagem pessoal, tornar-se publicamente visível através de qualquer suporte de difusão de informação seja rádio, televisão, imprensa, publicação na Internet, videograma e de plataformas de redes sociais, meios intermediários para transmissão de mensagens escritas, por áudio ou por imagem. Neste âmbito encontram-se os chamados influencers, mas também políticos e partidos e concorrentes a programas televisivos como “Big Brother”, entre outros.

Um influencer é alguém que é capaz de persuadir muitas pessoas, por exemplo, nas redes sociais cativando seguidores e levá-los a fazer comprar ou a usar as mesmas coisas, seja lá o que for, que dizem ter já adquirido e usado. Na política surgiu agora também um jovem lançado pela AD como cabeça de lista para as eleições europeias, Sebastião Bugalho, jovem cuja visibilidade construída tornou-se incontrolável de um dia para o outro.

Os influenciadores digitais em qualquer área nomeadamente na política usam a persuasão psicológica e a reciprocidade, para influenciar seus seguidores. Os consumidores precisam de estar atentos às táticas psicológicas usadas pelos influenciadores. Os seguidores entram numa espécie de êxtase perante os influenciadores, num desejo de querer ser como eles e adquirirem o mesmo. A estratégia é: “eu já usei e gostei muito é eficaz”; “quando experimentei esta roupa nem queria a creditar. E for barata, podem ver e comprar em XXXX”.

Estes influenciadores(as), são pagos ou recebem produtos gratuitos em troca de divulgação de produtos. Ter seguidores corresponde a ter visibilidade virtual. E se for em videograma a visibilidade pode tornar-se quase como uma identificação.

Processos imaginativos de marketing comercial, político e partidário estão por detrás de toda uma parafernália de meios servidos para obtenção de visibilidade. Esses processos imaginativos, como dizia Ítalo Calvino distinguem-se entre “os que partem da palavra e chegam à imagem visual e os que partem da imagem visual e chegam expressão verbal”.

Quando lemos num romance uma determinada passagem, lemos numa reportagem dum jornal um certo acontecimento, somos levados a ver a cena como se ela de desenrolasse aos nossos olhos. Isto porque pensamos por imagens. Daqui a importância da imagem para a visibilidade mediática. Com mais relevância ainda quando vemos e ouvimos esse acontecimento num canal de televisão.

António Damásio, neurocientista português tem estudado a relação entre emoções, sentimentos e cognição. Ele defende que a imagem mental é uma parte fundamental do pensamento humano, argumentando que a imagem mental é uma representação sensorial que nos permite simular experiências e eventos nas nossas mentes. Essas imagens mentais são criadas a partir de informações captadas pelos sentidos que recebemos do mundo ao nosso redor e são armazenadas em nossos cérebros[1].

Em certos programas televisivos, filmes, e em imagens e vídeos lançados para as redes sociais essas imagens são arquitetadas para invocar sentimentos que produzam emoções que ficam gravados na memória de quem os vê. Posteriormente podem ser solicitadas e induzir o individuo a uma compra, a uma ação ou a uma atitude idêntica ao que lhe ficou gravado na memória, tanto mais quanto mais tiver como intermediário alguém que tenha visibilidade.

A visibilidade mediática excessiva pode conduzir ao vedetismo de quem a ela for sujeito, até mesmo na política. De algum modo a visibilidade pode traduzir-se em vedetismo por cedência à tentação do exibicionismo; de dar nas vistas. O vedetismo manifesta-se nas palavras, nos atos, enfim, nas atitudes e comportamentos plenos de sentimentos de vaidade e de superioridade. O que importa é andar no topo, é aparecer nos jornais e marcar presença nas rádios e nas televisões, e, claro nas redes sociais, como o Instagram e outras, procurando ser diferente, mesmo através do disparate. É nisto que que se baseiam quem fica responsável e preparam as campanhas eleitorais dos partidos políticos.

Há também os influencers que procuram evidência e visibilidade e que, com isso, têm a capacidade de alterar, moldar opiniões, decisões ou comportamentos de outras pessoas e exercida em diferentes esferas, como política, social, económica, cultural, comercial, etc. A influência muitas vezes está ligada à visibilidade e ao poder de persuasão, assim, indivíduos ou organizações desde que tenham visibilidade podem ter maior potencial de influência.

O influencer ao passar a vedeta tem a preocupação de mostrar ser ela quem sabe e quem tem a última palavra. Para sobressair atropela regras que deveria respeitar e altera textos que deveria manter inalterados. O vedetismo leva à instrumentalização de pessoas, para que a coloquem no auge; a vedeta paga generosamente aos que dela falam e apregoam os seus feitos. Recorre ao serviço de bajuladores profissionais. Como esse é um modo fácil de levar bem a vida, há quem lhe faça o frete. É tudo uma questão de preço. Há também os media, sobretudo as televisões que ajudam à promoção de influencers concedendo-lhes visibilidade e, consequentemente ao seu negócio digital.

De facto, a visibilidade, o vedetismo e os(as) indivíduos(as) que se intitulam de influencers são um buraco onde lhes chove lá dentro isto porque servem-se das fantasias de outros que é uma espécie de local onde estão presentes as emoções onde há uma experiência íntima e profunda que os leva a serem influenciados por desejos e necessidades.

Sebastião Bugalho.png

Para finalizar sugiro que se tenha em conta que um partido ou uma pessoa que se candidata, por vezes enfadonhos, cresçam devido à importância que a comunicação social lhe concede. Não é favorecido pelo savoir faire (competência adquirida através da experiência em problemas práticos, no exercício de uma profissão), capacidade de liderança, de governo, formação dos seus intervenientes, coerência, programa político, mas tem importância na medida em que lhe dão importância. Trata-se de uma política feita de visibilidade, e não de governabilidade. A imagem vale mais que o conteúdo, e isto é uma pobre resposta coerente com uma geração que passou a valorizar mais a imagem do que o texto, a prevalência da aparência sobre o conteúdo. Será este o caso de Sebastião Bugalho?

[1] Damásio, A. (2010). O Livro da Consciência-A Construção do Cérebro Consciente. (L. O. Santos, Trad.) Círculo de Leitores.