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Afinal de que lado estão eles?

05.09.22 | Manuel_AR

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Há uma diferença entre o comentário e a análise política dizem alguns e de certo modo estou de acordo com eles. Esclareçamos primeiramente os conceitos. Comentário político significa uma transmissão de natureza política que é projetado para promover uma discussão pública de questões políticas e pode incluir debates políticos entre pontos de vista diferentes, ou entre indivíduos com opiniões opostas, comentários de notícias, debates, etc.

A análise política é o estudo e investigação levado a cabo por cientistas políticos. A análise política pressupõe-se ser o trabalho de cientistas políticos que ‎‎estudam a origem dos sistemas políticos e como eles se desenvolvem e operam‎‎. Pesquisam e analisam governos, ideias políticas, políticas por eles desenvolvidas, tendências políticas e relações exteriores.‎

Há autores que considerem que a análise política tem três objetivos principais: conhecer o que há de importante na política, isto é, o que influencia ou determina os resultados dos acontecimentos; conhecer a diferença que os resultados políticos produzem nas nossas necessidades, tanto individual como coletivas; conhecer o que é real ou verdadeiro submetendo sistematicamente à verificação os nossos palpites, impressões, crenças populares, até mesmo rumores. Assim, uma análise política visa responder a perguntas sobre um determinado processo político, evento, assim como prever desenvolvimentos futuros.

Após a invasão da Ucrânia os canais de notícias das televisões chamaram oficiais de altas patentes das forças armadas para comentarem a invasão da Ucrânia levada a cabo por Putin. Logo aos primeiros comentários, reporto-me a março do anoa em curso, quem estivesse atento conotaria as intervenções daqueles comentadores como tomando posições pró-russas, diria antes, pro-Putin o que levou muitos a denominá-los “putinistas”.

Estes senhores generais cujos nomes não avanço aqui, mas que se sabe quem são, acham-se credenciados por terem estado destacados em missões especiais onde desempenharam funções, fosse lá onde fosse, que em nada abonam em prol das suas análises políticas porque cada contexto político e geoestratégico tem as suas especificidades. Não há situações comparáveis e esta da invasão da Ucrânia pela Rússia é, por si mesma, muito específica.

Estes senhores generais e coronéis que mais parecem ser agentes do Kremlin alinhados contra o ocidente numa atitude de apoio a Putin. Os pontos de vista deles são idênticos a outros da mesma estirpe que proliferam pelas redes sociais que dizem aos que estão contra a invasão de fazerem parte do “rebanho”.

Face às críticas que dispararam dos mais diversos setores respondem os referidos militares (na reserva?) dizendo que fazem comentários “neutrais” refugiando-se no que eles chamam doutrina militar e geoestratégica. Afirmam não querer diabolizar nenhuma das partes, mas, para quem os ouve, as suas intervenções não correspondem ao que afirmam. Banalizar um mal é um risco seja de que protagonista for, mas nos seus comentários não é mais do que banalizar o mal da guerra colocando Zelensky que, segundo eles, como o grande causador dos males da guerra.

Recuperando algumas das suas afirmações podemos avaliar de que lado eles se encontram e que, por vezes, mais parecem ser agentes infiltrados a mando de Putin mostrando compreensão das razões pelas quais Putin invadiu a Ucrânia.

Um deles afirmou num órgão de comunicação social que “o Presidente russo foi encurralado” pela NATO ao mesmo tempo que não aborda nem justifica fugindo à questão da anexação da Crimeia. Outro disse que a Rússia não ia “permitir a chacina da população ucraniana russa” em Luhansk e Donetsk, e qualificava a parte ucraniana como uma “ameaça”.

Outro ainda, usou (nos três canais de televisão) argumentos idênticos aos russos agressores, tais como “a preocupação dos russos em não causar baixas civis”, (tendo-se verificado o contrário), ao que acrescentava a desvalorização da coluna militar russa na altura paralisada perto de Kiev. Não se ficando por aqui, no dia seguinte à invasão, garantiu que os russos já estavam em Kiev e que Volodymyr Zelensky tinha fugido para Lviv, na zona ocidental. Numa entrevista e com grande desplanto um deles para se defender das críticas diz que “Não são posições pró-russas, são neutrais” e acrescenta que “Ninguém defende o Putin. É geoestratégia, é power politics”, explica com um argumento técnico. Este argumento técnico parece ser aproveitado por ele porque significa que a política de Putin é baseada principalmente no uso do poder como força militar e económica e força coercitiva e não em preceitos éticos.

Um dos militares refugia-se no argumento de que “Temos de nos meter nos sapatos deles e perceber como eles nos olham, e procurar uma solução inteligente”, para o fim do conflito, “onde ninguém perca a face”. Parece-me que para este senhor major-general temos de ficar do lado do invasor por ser uma solução inteligente.  Será assim a estratégia quando se trata de uma guerra de estratégia invasiva devermos apoiar o invasor para o percebermos? Eu, cá por mim, não percebo.

Não são comentadores, são analistas e não têm bolas de cristal, diz um deles, mas, por outro, um afirma que tem obrigação de “perceber estas operações e o patamar político”.  Conforme os conceitos de comentário e análise política que apresento no início do artigo torna-se evidente que não fazem análise política, mas uma aproximação a comentários opinativos com uma forte opção aparentemente ideológica no sentido de compreensão para com uma das partes do conflito, a de Putin.

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Estas análises(?) parecem ter estado a causar algum desagrado entre muitos que os ouvem que tem levado a publicações em redes sociais como o de um antigo inspetor dos serviços secretos de informações que escreveu em março no Facebook, umas semanas após a invasão da Ucrânia, como podem confirmar abaixo. Por ter julgado como insidiosos os ponto de vista de um dos comentadores militares ao considerar que a NATO tem “vindo a cercar a Rússia”, e, por isso, dirigiu o seu texto a “antiamericanos”, afirmando ainda que que “sob a capa de pensadores não são mais do que vozes recrutadas por esta Rússia, autocrática”. Por outras palavras também já exprimi este tipo de pensamento no blogue “apropositodetudo”.

Sobre estes comentadores militares, outro militar, antigo coronel dos comandos, também escreveu no Facebook sobre um “kamarada general potamófilo” que “vai à televisão, na pose de grande especialista”.

Um professor do ISCTE, citando uma entrevista do general, chegou a afirmar no Twitter que “tem estado tão consistentemente errado face à invasão russa da Ucrânia” o general que negou que alguma vez acontecesse o que, acabava por ser um bom indicador do que vai provavelmente acontecer – o contrário do que ele diz. Apresenta um exemplo que é uma afirmação e o título da entrevista ao DN: “As sanções prometidas à Rússia não amedrontam os seus dirigentes. E, citando o general: “Os russos pretendem apoderar-se da Ucrânia intacta. Com o menor dano possível”, horas depois o exército de Putin bombardeia a maior central nuclear da Europa.”, como escreveu o referido professor.

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Eu e muitas pessoas têm tentado explicações para as posições destes militares. Se no debruçarmos sobre as posições de alguma extrema-esquerda, nomeadamente as do PCP, podemos verificar a aproximação. Devem ser militares supostamente pertencentes à ala esquerda militar, como são, por exemplo, as do coronel Matos Costa conforme podemos verificar nos posts que escreve no Facebook.

Outras fontes explicam também a posição destes generais por alegadamente pertencerem à ala esquerda militar por alguns argumentos não serem muito diferentes dos do PCP, nomeadamente os que têm a ver com a expansão da NATO e dos ”nazis” nas repúblicas separatistas.

Nas redes sociais chegaram a ligar o major-general ao Valdai Club, um Clube de Discussão fundado em 2004 cujo potencial intelectual é altamente considerado na Rússia e no exterior. Muitos representantes da comunidade académica internacional de vários países participaram das suas atividades, que incluíam professores das principais universidades do mundo. Somente nos últimos anos, as conferências do Clube tiveram a participação de muitos líderes políticos, especialistas, figuras públicas e figuras culturais da Rússia e de outros países. Em 21 de junho de 2018 o secretário-geral da ONU António Guterres terá participado num evento do mesmo grupo, dedicado às tendências atuais das relações internacionais. Funciona como “clube intelectual da discussão que Putin leva em conta”, e que tem a participação de intelectuais estrangeiros “poucos ouvidos nos seus países”

Ana Gomes ex-deputada europeia acrescentava críticas mais radicais às posições daqueles militares ao escrever no Twitter.

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Um dos generais disse que vê o acontecimento de forma neutral e que ser neutral não é ser pró-russo usando os já gastos argumentos do passado sobre as ditas invasões feitas pelos EUA, como no Iraque, na Jugoslávia ou na Líbia, e acrescentava que nenhum destes países representava uma ameaça aos EUA, como a Ucrânia representa para a Rússia. Podemos perguntar no caso da Ucrânia que tipo de ameaça e quem ameaçava quem, e quem invadiu quem? Um dos militares, um coronel que escreve no Facebook, chegou a sugerir a rendição dos ucranianos.

Há os que consideram que estes militares não conseguem ultrapassar a visão extremamente pessoal de Putin, que acha que a Ucrânia não deve existir.

A 14 de fevereiro um dos generais disse numa rádio que o aparelho militar e de segurança da Ucrânia era dominado por forças de extrema-direita, nacionalistas radicais, que querem fazer um ajuste de contas com a população russa ucraniana. Narrativa muito próxima, senão uma reprodução de palavras tiradas dos discursos de Putin antes da invasão. A isto acrescentava as preocupações de segurança da Rússia, sem apresentar provas, que conduziria à guerra. Acrescentou ainda a “teimosia em não se considerarem as preocupações de segurança da Rússia”, resta sabermos onde estavam os antecedentes que conduziriam objetivamente à segurança da Rússia. Onde encontram antecedentes de que a NATO poderia invadir a Rússia mesmo que, como ele disse na altura, a NATO tenha pisado o que chamou a linha vermelha devido à possibilidade de adesão da Ucrânia. Então, segundo este raciocínio, Putin poderia ter começado outra guerra para invadir países da ex-URSS que, entretanto, entraram para a NATO.

O antiamericanismo e a rejeição dos valores democráticos liberais do ocidente revelam-se claramente em frases como: “Quando digo que os EUA têm um projeto de hegemonia global liberal, são os americanos que o dizem” e que “as pessoas acham que isto é ser pró-russo? Limito-me a regurgitar as teorias americanas”. Será que Putin quer substituir-se aos EUA e ter o seu próprio projeto global iliberal? Será o liberalismo algo a rejeitar e adotar o modelo global pró-totalitário e autocrático de Putin?

Um dos generais apresenta uma teoria da conspiração sobre a Ucrânia e, para isso, recua a 2004 e a 2014 para fazer valer os seus argumentos e, com uma visão distorcida, afirma que andaram a interferir na Ucrânia.

Sobre a Ucrânia, um major-general, para meu espanto, afirmou que em 2014 houve “um golpe de estado promovido pelos americanos, que instalaram um grupo de revanchistas, nazis, que iniciaram uma política xenófoba dos diferentes grupos étnicos” e que “os EUA andaram a interferir na Ucrânia de forma assertiva desde 2004 e que a revolução de 2014 foram eles que a fizeram.

Estes senhores militares que se dizem isentos, mas que se colocam do lado do invasor, para segundo eles o compreenderem parece que têm a memória avariada, e que, para além disso, intencionalmente, deturpem acontecimentos que contradizem as suas teses ou então andam a estudar pelos compêndios de história oficiais e obrigatórios propositadamente produzidos pelo sistema educativo da Rússia de Putin, o que é contraditório com a neutralidade que dizem ter. Claro que há informações e opiniões que desinformam e deturpam os acontecimentos divulgados por elementos que se encontram espalhados por todo o lado e que estão enfeudados ao Kremelin talvez por motivações ideológicas. Eles sabem bem que os meses de protesto na Ucrânia iniciaram-se com a oposição ao movimento do presidente Viktor Yanukovych que pretendia aumentar os laços de ligação com a Rússia.

Todavia o general não tem apontado críticas à invasão da Crimeia, nem aos nacionalistas russos do Donbas nem ao facto de os ucranianos terem preferido a esfera europeia em vez da influência russa em 2014.

O que se passou foi que Yanukovych não defendia a entrada do país para a U.E e pretendia que a Ucrânia viesse a ser um país debaixo do jugo da Rússia não tendo conseguido os seus intentos. Então, na altura, fugiu para a Rússia.  Deixou a capital e foi para Kharkiv dizendo que seu carro foi alvejado quando deixou Kiev, e, através da Crimeia dirigiu-se para o exílio no sul da Rússia. ‎Assim começou a "Revolução da Dignidade" da Ucrânia.

Em 2014 houve eleições livres após a revolução ucraniana de 2014. Poroshenko venceu as eleições com 54,7% dos votos, o suficiente para vencer na primeira volta. A concorrente mais próxima foi Yulia Tymoshenko que obteve 12,81% dos votos tendo a  participação eleitoral de mais de 60%, excluindo as regiões que não estavam sob controle do governo.

Em 2019 na segunda volta realizada entre o então presidente Petro Poroshenko  e Volodymyr Zelensky tendo este vencido as eleições com 73,22% dos votos, enquanto o presidente em exercício na altura, Petro Poroshenko, obteve apenas 24,45% dos votos.

Os senhores comentadores a que me refiro pretendem levar ao engano e omitir a quem os escuta que não é o ocidente que interfere. A interferência russa na eleição faz parte dos esforços do regime do presidente Vladimir Putin para impedir o direito soberano e a determinação da Ucrânia de permanecer independente e escolher o seu próprio futuro e da sua orientação de política externa. Com desinformação e a propaganda russas que tem como auxiliares estes senhores militares que se intitula de analistas procuraram desacreditar tudo sobre a Ucrânia seguindo o manual e a semântica de Putin que pretende enquadrar a Ucrânia como um Estado fracassado dirigido por fascistas e simpatizantes neonazis.

Este mesmo senhor major-general puxa dos galões da sua sabedoria devida a funções de diretor da cooperação regional da NATO, a reuniões com um general posteriormente chefe das Forças Armadas russas e ainda diretor da Divisão de Cooperação e Segurança Regional na qualidade de responsável pelo planeamento estratégico da cooperação militar da NATO com a Rússia, Ucrânia e Geórgia. Talvez, por isso, daí venha a sua posição pró-Putin.

Muito mais haveria para escrever sobre estes senhores que em entrevistas têm tentado “limpar-se dos ataques que sucessivamente lhes são dirigidos e confrontado com falsidade de factos como já aconteceu na intervenção de um deles na TVI ou na CNN Portugal.

Enfim, diz um deles “somos ‘putinistas’ só porque discordarmos do discurso oficial, de que era preciso diabolizar o Putin”. Mas afinal o discurso deles é mesmo o apoiar o pensamento de Putin nem que seja pela deturpação da verdade de factos. Pergunto: serão estes uma amostra do pensamento das nossas forças armadas?