Afinal as cassetes ainda existem
“A conversa dos políticos ocidentais sobre liberdade e democracia é pura conversa”. (Palavras do líder do Partido Comunista da Federação Russa, numa reunião dos ativistas do partido realizada em Moscovo a 3 de abril de 2022)
O grande perigo para a Europa e para o Mundo não vem da NATO, nem dos EUA, mas do presidente Vladimir Putin. A pergunta que se coloca é a de saber se a Suécia e a Finlândia teriam pedido com brevidade a entrada na NATO caso Putin não tivesse invadido a Ucrânia. Putin passou a ser um fator de instabilidade também para a União Europeia que, segundo ele, teria a pretensão de desagregar.
Agora um ditador candidato a “imperador” quer pressionar a Finlândia, país autónomo, soberano e independente, a não aderir à NATO e, por isso, ameaça tudo quanto mexe. Desde quando um país obriga outro a seguir os seus ditames com a justificação de se sentir ameaçado. Por aqui vê-se quem ameaça o Mundo e qual a sua estratégia para o enfraquecimento dos mecanismos de proteção e defesa dos países que os rodeiam.
Putin nunca viu com bons olhos que Helsínquia aderisse em 1995 e encontrasse na União Europeia o seu espaço estratégico preferencial. A questão da adesão à NATO nunca se tinha colocado apesar de ser essa a preferência de grande maioria dos finlandeses.
Vamos ver se a Turquia deixará, ou melhor, não se oporá!
Putin, em vez de fazer uma aproximação à Europa e ao ocidente optou por se dispersar com divagações pouco credíveis conforme é citado no Kremlin: "O nosso dever comum é impedir o renascimento do nazismo, (o sublinhado é meu), que trouxe tanto sofrimento aos povos de vários países. É necessário preservar e transmitir (...) a verdade sobre os acontecimentos da guerra, valores espirituais comuns e tradições de amizade e irmandade". Palavras vazias sem sentido e que contrariam as suas ações pois atua pior do aqueles que diz estar a combater.
No dia 8 de maio Vladimir Putin, por ocasião do 77º aniversário da “Vitória na Grande Guerra Patriótica”, enviou mensagens de congratulações para vários países onde declarava, repetindo qual cassete gravada, que "Hoje, o dever comum é evitar o renascimento do nazismo, que trouxe tanto sofrimento para as pessoas de diferentes países. É preciso preservar e passar aos descendentes a verdade sobre os acontecimentos dos anos de guerra, valores espirituais comuns e tradições de amizade fraterna".
Que valores são estes a que se refere vindos de quem agride, ameaça, causa sofrimento com falsas justificações através de uma retórica mentirosa como a de “impedir o renascimento do nazismo” quando os seus atos, práticas e discursos contradizem o que ele diz querer evitar?
A utilização de forma genérica, mas específica, das palavras nazismo e desnazificação aplicados ao caso da Ucrânia não surgem por acaso. Foram escolhidas porque ele sabe que a nível mundial, estas palavras estão ainda bem presentes nas memórias coletivas dos povos e têm uma carga muito negativa. Daí a insistência no apelo demagógico contra o renascimento do nazismo passando a mensagem de que ele é o libertador das nações oprimidas pelo nazismo.
Falar de desnazificação e acusar a NATO de ser a responsável pela agressão à Ucrânia é, pelo menos, risível. São estratégias de desvirtuar informação apontando a outros, erros, falhas, atitudes e intenções que não servem senão para ocultar as do agente emitente. Como em qualquer totalitarismo, na Rússia de Putin a desinformação, a mentira, a mentira por omissão e a deturpação de factos são a regras aplicadas ao povo.
Porém, podemos questionar em que diferem as atuações de Putin daqueles que ele diz querer libertar os povos. Nazismo é um tipo de fascismo totalitário com forte natureza nacionalista, agravado por radicalismos racistas, étnicos e xenófobos. A Rússia do presidente Vladimir Putin é uma autocracia com uma forte componente totalitária que se estende à regulação de todos os aspetos da vida pública e privada da Rússia, conforme informações que vão chegando ao nosso conhecimento. A Rússia é governada, na prática, pelo poder de uma única pessoa política e de fação personalizado em Vladimir Putin cuja autoridade não tem limites. A Duma (câmara baixa da Assembleia Federal da Rússia), não passa de um conjunto de deputados que são uma espécie de “Yes men”, até mesmo o Partido Comunista da Federação Russa, de que irei escrever mais adiante.
Como nos regimes totalitários e no nazismo Vladimir Putin tem implementado no seu país, repressão, perseguição a opositores, censura obstinada que proíbe publicação de informação que lhe seja desfavorável tornando-a inacessível às populações, etc.. Por outro lado, Putin tem apoiado financeiramente partidos xenófobos e racistas da extrema-direita na Europa. O que é isto afinal?
Lamentável é também haver em alguns países do ocidente partidos e pessoas que, dizendo-se democratas, apoiam ditaduras e um ditador que invade um país soberano. Neste alinhamento também se encontram os que dizem estar a favor do povo e da cultura russa, o que é indubitavelmente aceitável, mas são também esses os que defendem, tipo "copy paste", o pensamento presente nos argumentos discursivos de Vladimir Putin.
Tudo isto conduz-me, mais uma vez, aos argumentos do PCP em relação à invasão da Ucrânia. Em primeiro lugar, é preciso também que se entenda o pensamento do PCFR - Partido Comunista da Federação Russa que “aplaude” a decisão de Putin sobre a “intervenção militar” na Ucrânia, basta ler os discursos de Gennady Zyuganov, líder daquele partido.
Recuemos então seis anos, 2016, e recordemos o que o líder do PCP disse no discurso de abertura do XX Congresso do PCP, em Almada, acerca da União Europeia e do Euro a quem não poupou críticas por serem, segundo ele, a “fonte dos maiores males dos portugueses”. Dizia então Jerónimo de Sousa, referindo-se a um discurso feiro no Parlamento Europeu sobre o Estado da União Europeia que, segundo ele, não se tratava de "maquilhar, refundar ou democratizar" a União Europeia (UE). Nem "mudar alguma coisa para ficar tudo na mesma". Disse que os comunistas não estão aqui para isso. Querem mesmo mudar o mundo e, quanto à UE, "articular ruturas que permitam construir uma outra Europa". Isso mesmo, mudar o mundo para que lado? O que pretenderia ele dizer na altura com a construção de uma nova Europa? Seria uma espécie de premonição do que se iria passar?
Mesmo com uma pequena margem de erro é o que, atualmente, o presidente Vladimir Putin e o seu partido Rússia Unida acolitado pelo Partido Comunista da Federação Russa, têm afirmado. Cada um que tire as ilações que entender.
Recentemente as palavras de Jerónimo de Sousa também não levantam dúvidas sobre o seu alinhamento com o seu congénere da Rússia, o PCFR, e com Putin ao considerar que não houve uma invasão nem que há uma guerra na Ucrânia causada pela Rússia, mas sim “uma operação militar” embora acrescente que o PCP “condena”.
A subtileza passa a evidência quando se refere a “operação militar” em vez de guerra (de facto, não houve formalmente uma declaração de guerra), mas enfileira com a retórica de Putin apesar de, como disse, ser capitalista, única verdade.
Jerónimo de Sousa, no entanto, admite, contradizendo-se, que “Há uma guerra, isso é incontornável”, e esclarece que “é claro para o PCP que estamos perante uma Rússia capitalista” da qual “o PCP claramente se demarca”, “não tendo nada a ver” com Putin. Jerónimo de Sousa é muito hábil só que, por acaso, não deve ter lido os discursos de Putin e do secretário-geral do PCFR, ou, se os leu, fez-se de esquecido.
Vamos lá ver então se eu entendo: “não houve uma invasão”; “houve uma operação militar”; “há uma guerra e isso é incontornável”.
Analisemos então qual a aproximação das narrativas do PCP com a intervenção do líder do PCFR - Partido Comunista da Federação Russa, Gennady Zyuganov, em 3 de abril de 2022 numa reunião dos ativistas do partido realizada em Moscou sob o tema “Temos que resistir e vencer.”, onde o líder do Partido Comunista da Federação Russa recordou a solidariedade das forças patrióticas de esquerda do mundo. A ortodoxia no seu melhor.
Gennady Zyuganov tem a certeza de que o objetivo “é derrotar o nazismo e o fascismo, caso contrário, se espalhará por toda a Europa "e muitos jovens terão que usar sobretudos". Nazismos e fascismo são palavras coincidentes nos discursos de Putin e de Zyuganov. O chefe da fação comunista afirmou ainda na Duma do Estado da Federação Russa que "Se todos nós – a Duma, o Conselho da Federação e o Conselho de Segurança – apoiamos a operação especial, devemos explicar às pessoas o que estamos a perseguir, por que é que apoiamos ativamente os que defendem fielmente o mundo russo, a nossa língua, dignidade e Donbass, e a nossa amizade com a Ucrânia."
Em 19 de abril já tinha afirmado algo sobre a “mentalização” pró militarista agressiva dos jovens russos ao dizer que "acreditava que nas escolas e nas universidades haveria muito trabalho para explicar a situação em que todos nós nos encontramos. Mas não vejo e não sinto isso nem nas atividades de ministros, professores, diretores de escolas ou figuras culturais", disse Gennady Zyuganov.
Zyuganov chega a lembrar as palavras do presidente Putin numa reunião com jornalistas estrangeiros em outubro de 2021 onde disse, (no contexto dos problemas socioeconómicos da humanidade que pioraram e que houve turbulências em escala global) que "O modelo existente de capitalismo na grande maioria dos países esgotou-se". Zyuganov acrescenta ainda que "Olhando para Biden, esta múmia ambulante, que ameaça todos, torna-se assustadora para a América". O líder do PCFR disse ter tirado uma conclusão ao observar que a Alemanha começou novamente a apoiar o nazismo, e a França está totalmente dançando ao som americano. O segredo foi revelado, é o ódio aos EUA. É assim que as coisas começam, agressões imaginárias, ódios, seja ao que for, como etnias, raças, nações, países que servem como bodes expiatórios para justificarem agressões e perseguições. É assim o nazismo!
Zyuganov afirmou ainda que “vamos ter de lidar com todos os desafios, porque, na sua maioria, os cidadãos do espaço pós-soviético já entenderam quem é o organizador da nova agressão. E toda a conversa dos políticos ocidentais sobre liberdade e democracia é pura conversa”. "Estamos presentes no final do conto de fadas sobre o mercado, sobre o livre comércio, sobre a liberdade de expressão", continuou o líder comunista (os sublinhados são meus). Sobre política externa da Rússia Zyuganov observou ainda a importância da interação da Rússia com a China, Índia, Vietname, Irão, Paquistão e Turquia.
Terminou prometendo que “Faremos de tudo para trazer paz à Ucrânia fraternal. Faremos tudo para desenvolver a nossa união", e que "vem uma nova etapa no processo de integração. E tenho certeza de que o Partido Comunista e as forças patrióticas de esquerda estarão na vanguarda deste trabalho, preparando-se para o centenário da formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas", concluiu o líder do Partido Comunista da Federação Russa. A mensagem de agressividade deste senhor líder de um partido que fala em paz, amizade e fraternidade está patente no seu discurso no “Dia da Vitória na Grande Guerra Patriótica”.
A razão por que inclui estas passagens do discurso de Zyuganov é por que, nas entre linhas, encontram-se pontos de vista aproximados aos de Putin que o PCP parece perfilhar fazendo-o através de narrativas travestidas que não evidenciam substância e cuja conversa é apenas o que está na superfície para convencerem e apelar a potenciais adeptos.
Mais recentemente numa intervenção num comício no dia 1º de Maio de 2022 o líder do PCFR, Gennady Zyuganov, afirmou que “agora na Ucrânia, a Rússia está a lutar principalmente por um mundo multipolar. “Estamos lutando pelo mundo russo, porque o mundo russo não está nos planos deles”.
A propaganda de Putin tem conseguido ter eficácia junto dos seus agentes e adeptos no ocidente e tem como grande aliado o Partido Comunista de Federação Russa. Comparando tantas opiniões, até da esquerda, que se indignam contra a incapacidade de alguns em condenar uma agressão imperialista assinada por um regime autocrático, verifica-se de facto quem está a fazer uma “tentativa de impor, à escala do povo, um pensamento único”, na Rússia e também aqui em Portugal.
Há pessoas que parecem ser crédulas por vontade própria que se deixam contaminar por invenções demasiado extraordinárias para que sejam autênticas veiculadas pelos canais de propaganda de Putin, tais como a da necessidade de desnazificar a Ucrânia, os laboratórios onde se preparam armas químicas na proximidade da Rússia, o genocídio dos que falam russo. O que está a acontecer é que, na minha opinião, a invasão da Ucrânia, serviu para mascarar as fraquezas internas da Rússia por ele causadas. Quem nos pode garantir que os que escrevem contra o ocidente apoiando as retóricas de Putin é que estão na posse da verdade e que todas as outras são mentiras?