A verdade absoluta está contra o rebanho do ocidente
Sobre a guerra Israel-Hamas tema da atualidade da veio-me à memória o tema filosófico da “guerra justa”, noção que se baseia na ideia de que o recurso à força se justifica sob certas condições e que o uso dessa força deve ser limitado a certa formas.
A teoria da guerra justa é um conceito proveniente da filosofia ocidental que é discutida desde a idade média por filósofos como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho. Este tipo de guerra distingue-se do conceito islâmico de jihad que significa luta ou guerra santa que parte de uma base teocrática que se gere e submete a uma religião específica que, para os muçulmanos (alguns), é o único tipo de guerra justa.
É extremamente importante distinguir entre o conceito de uma guerra justa e a ideia de uma “guerra santa”. A teoria da guerra justa não apoia o conceito de travar guerras santas, cujo conceito é mais comumente expresso como uma guerra justificada com base em diferenças religiosas. De qualquer modo a teoria da guerra justa presume que há usos legítimos da guerra, mas também estabelece limites morais na condução da mesma.
Não é aceitável não tomarmos um lado do conflito e não estarmos a favor do povo palestiniano e também do povo israelita, mas, ao mesmo tempo, estarmos incondicionalmente contra o Hamas ou qualquer outro grupo terrorista. Da mesma forma deve exigir-se a Israel que cumpra as regras do Direito Internacional Humanitário de distinção, proporcionalidade, necessidade militar e humanidade, para considerarmos que seja uma guerra justa.
Como acontece com a maioria das questões do mundo atual, se um determinado conflito atende ou não a critérios de guerra é sempre objeto de debate. Assim, pode e deve discutir-se se devemos condenar ações graves no ato de defesa, ou se, pelo contrário, devemos ficar impávidos e serenos e inativos face a uma invasão por parte das forças invasoras a um país soberano ou a um ataque terrorista. O que é eticamente incorreto é ficar sem agir e desculpabilizar o invasor ou o terrorismo utilizando argumentos de desculpabilização para validar a invasão e o terror criticando o direito de à defesa como se fosse este o crime.
Claro que podemos criticar quem foi agredido, como o foi Israel, por um ataque de cobardia por parte de alguns opositores radicais e violentos como o Hamas que se entrincheirou em Gaza com mais de dois milhões de reféns palestinianos que são o seu maior escudo.
Se recorrermos a factos históricos Israel conduziu e cometeu erros vários tendo em vista a expansão do seu território e o estabelecimento de colonatos em espaços captados a outro povo. Podemos e devemos criticá-lo, mas não é por isso que deixam de ter direito a defenderem-se e à retaliação se atacados.
O distanciamento em situações como estas é difícil devido ao clima político radicalizado e à informação e contra informação, muita desta provenientes das redes sociais. Uns são o lado mau, outros o são lado bom, mas há uns que são piores do que outros. Ser independente na análise não significa ser neutro e não perdemos a objetividade quando chamamos terrorista a um grupo que usa os métodos e os meios do terrorismo.
Ontem, 20 de outubro, publiquei aqui um texto sobre a inversão da realidades feita por partes em conflito com o título As esquerdas radicais e as narrativas de inversão do contexto. É um texto de opinião sobre como partes em conflito tentam inverter os factos em circunstâncias de guerra, trazendo cada um dos lados versões contrárias e a até antagónicas com a realidade.
Em 20 de outubro José Gil, filósofo e pensador português que, em Janeiro de 2005 a conceituada revista francesa Le Nouvel Observateur integrou José Gil no grupo dos 25 grandes pensadores do mundo, escreveu um artigo de opinião no jornal Público “O conflito Israel-Hamas: tomar partido” onde escreve: «Sobre o Hamas, o juízo que dele podemos formar parece mais simples: a sua crueldade hedionda e o seu poder político autocrático sobre a Faixa de Gaza não precisam do direito internacional para serem condenados. Basta a mais básica ética democrática. No entanto, há aqueles que fazem da comparação entre os crimes do Hamas e os crimes de Israel o critério para desculpar os primeiros – o que constitui uma aberração lógica e jurídica e testemunha um relativismo propriamente masoquista.»
É claro que o virar do avesso e a inversão dos factos é uma estratégia como então escrevi. “Assim, em política desenvolvida sobretudo em ocasião de guerra, criam-se narrativas de inversão em que os papéis dos “atores” são invertidos. O antagonista (o mau) pode tornar-se o protagonista (o bom) e o protagonista (o bom) pode tornar-se no antagonista (o mau). Isso pode levar a uma mudança na perceção do público orientando-o a reconsiderar as suas noções preconcebidas e a ter empatia pelos personagens que inicialmente consideravam vilões.”
O artigo de José Gil genialmente elaborado e escrito como eu não conseguiria escrever vem, subtil e objetivamente, corroborar, embora por outro ângulo de visão, o meu pensamento. Embora a minha posição seja crítica sobre os radicalismos de esquerda ela também cai sobre os radicalismos de direita, estejam eles de que lado do conflito estiverem.
Acedi a um blog que me pareceu ser um dos que criticam o comportamento do rebanho do ocidente, mas onde se nota haver o mesmo tipo de comportamento seguidista, mas do lado inverso.
Este tipo de rebanho ou manada de esquerda radicalizada que pretende ser original ao pôr-se sempre do lado oposto da possível razão, aproveita-se de momentos críticos para atacar tudo quanto sejam os princípios de respeito pela democracia liberal que venham do ocidente, seja da UE, seja dos EUA. Esse rebanho defende sempre quem ataca as democracias seja os que atacam a Ucrânia, sejam os terroristas que atacam pessoas indefesas como aconteceu recentemente com o Hamas a aterrorizar Israel e outros idênticos por todo o mundo. Colocam-se ao lado do Hamas escudando-se, obviamente, por detrás dos argumentos de apoio justamente devidos ao povo palestiniano. Pasme-se ainda que no referido blogue a invasão da Ucrânia é desmentida afirmando que ela foi um dos “pretensos ataques da Rússia na Ucrânia”. Veja-se até onde chega o desplante desta manada!
É um tipo de esquerda radical ( ou qualquer outra) que estão a vicejar que vivem e reclamam por democracia da qual se servem, mas com a qual, contraditoriamente, querem um dia acabar.
Muitos afirmam que quando nos colocamos de um lado que a maioria defende por razões objetivas, há alguns que logo se apressam a escrever que todos aqueles pertencem à manada, ao rebanho ou lá o que eles chamam aos que dizem serem influenciados pela intoxicação e propaganda da informação do ocidente.
Esta é também uma forma de designar os que para eles estão errados porque não seguem os “infratores”, que ocupam e invadem, que com atos terroristas atacam gentes indefesas. Os procedem a bombardeamentos onde apenas vivem civis e invertem os factos dizendo que eram alvos militares que estavam ocultos esses é que estão certos. Isto é, os invasores, os atacantes é que estão certos, o “rebanho” do ocidente é que está errado. O que assim argumentam demonstram seguidismo ideológico e sectário onde se revela um ódio ao ocidente e, sobretudo, aos regimes livres onde se vive. O que aqueles pretendem é que os sigam as suas ideias com fé, que os venerem por serem os possuidores da verdade absoluta. Este pensamento conduzir-nos-ia ao totalitarismo, chamem-se eles fascismos, nazismos, estalinismos, sejam eles militares, civis ou teocráticos como no Irão.
Termino com mais uma frase e uma pergunta de José Gil: «É verdade que, por detrás da impossibilidade de dar razão a uma das partes, permanece a consciência de que num lado funciona, apesar de tudo, uma democracia formal. Teria havido um tão largo apoio das democracias ocidentais a Israel se aí vigorasse um regime político totalitário e sanguinário?».