A propósito dum artigo de opinião de Carmo Afonso
Ser de extrema-direita, populista e demagogo não significa ser boçal, ser ordinário, ter falta de responsabilidade política, não fazer política com seriedade, ser mentiroso. Ventura é tudo isto, parecendo mais aquilo a que os nossos antepassados designavam por carroceiro, com respeito para com essa extinta profissão.
André Ventura é o protótipo da boçalidade, da manipulação e da alucinação, epítetos que lhe assentam com mestria. Demonstra ter ambição, sim, isso é o que quer para ele, mas, e os outros? Diz ser contra o sistema ao mesmo tempo que diz querer fazer parte do sistema ao propor alianças com forças do sistema. Pretende desenvolver o país, substituindo o sistema, do qual diz ser contra. Qual outro sistema e por qual? É uma incógnita!
da violência do ódio), A sua ignorância em termos da aplicação prática política das propostas apresentadas confraterniza com a com ignorância.
Ventura é um sujeito perigoso, capaz até de se fosse caso disso e conseguisse um dia chegar ao poder absoluto e ditatorial, de matar adversários que se lhe opusessem ou lhe fizessem frente. Associo Ventura a uma espécie de Putin. Porque André Ventura nem o seu partido Chega têm nada a ver com os da maioria da extrema-direita europeia.
Hoje incluo abaixo o artigo de opinião de Carmo Afonso publicado hoje no Público com um título de certo modo sarcástico “Não, a culpa não é do TikTok”.
Acho que vale a pena ser lido, mesmo por aqueles que já decidiram votar no partido que lhes dá esperanças sem fundamento, lhes oferece futilidades não exequíveis e que, por isso, nunca as irão conseguir ou alcançar.
Até pode ser que Carmo Afonso seja de esquerda, até pode ser que seja de extrema-esquerda, até pode ser que seja do centro, até pode ser que seja de direita, mas o artigo que escreveu é de uma evidência e clareza que só os empedernidos intelectuais, os ferrenhos clubistas não entendem, ou não querem entender.
Aqui segue então o artigo de Carmo Afonso:
Não, a culpa não é do TikTok
Um artigo de Carmo Afonso
In jornal Público, 16 de fevereiro de 2024
Aplaudir o líder do Chega e considerá-lo vencedor de debates, sabendo que mentiu e sabendo que está a enganar uma percentagem assustadora de portugueses, é indesculpável.
As audiências indicam que os portugueses têm assistido aos debates entre os candidatos às próximas legislativas. São muitos debates, uma verdadeira maratona em que cada candidato tem a possibilidade, e o dever, de discutir as propostas que apresenta perante cada um dos candidatos a primeiro-ministro das restantes candidaturas. Sabemos que, a menos que nos espere algum terramoto, só existem dois candidatos a primeiro-ministro. E poderia dar-se o caso de os portugueses guardarem a sua atenção apenas para o debate entre ambos. Mas não, numa grande demonstração de vitalidade democrática têm seguido os vários debates.
Ter esta atenção dos eleitores dá aos debates uma importância fundamental. Não é previsível que a maioria se dedique à leitura dos programas eleitorais ou que se desloque a comícios. É nestes duelos que uma parte significativa dos portugueses decidirá em quem votar. Notem que as sondagens indicam que uma percentagem relevante do eleitorado ainda está indecisa. Serão esses os eleitores que decidirão quem ganhará as eleições.
Os debates são curtos e, também por isso, pouco esclarecedores em relação aos programas de cada candidatura. Não há de facto tempo para aprofundar assuntos. Mas não é só por falta de tempo. O formato destes debates promove uma disputa de aspectos da personalidade e de habilidades. Ficamos a saber quem é o mais rápido, o mais felino e o mais confiante. Também notamos quem se preparou melhor e em que medida é capaz de usar esse conhecimento para contraditar o outro e encostá-lo à parede.
Pergunto: serão estas características as mais relevantes para sabermos qual dos candidatos será o melhor primeiro-ministro? E respondo: não. Ter a arte de dar baile é um detalhe menor, eventualmente dispensável, nas capacidades de um bom político. Os debates, por si, não conseguem ser esclarecedores.
É também por isso que os comentários que se seguem aos debates são tão importantes como os próprios debates. Notem que o tempo concedido aos comentadores excede o tempo concedido aos candidatos. É como assistir a uma curta-metragem seguida de uma extensa discussão entre críticos de cinema.
Nestes debates destaca-se a participação de um candidato que recorre insistentemente à mentira deliberada e à deturpação dos factos. Além disso apresenta propostas não exequíveis e que estão em absoluta contradição com outras propostas que defendeu anteriormente. Tem também o hábito de insultar, interromper e de fazer uma espécie de bullying aos adversários. Suponho que ninguém desconheça a quem me refiro. É o rei dos falsos no fact checking, título que já detinha antes do início destes debates. Isto é ponto assente e todos os comentadores o reconhecem.
Qualquer jogo ou combate tem regras. O incumprimento dessas regras tem consequências e determina penalizações. Os golos marcados por jogadores que estão fora de jogo não são considerados. Se não existissem sanções os jogadores prevaricadores, e as respetivas equipas, seriam beneficiados. Mas é precisamente isso que muitos comentadores estão a fazer.
Ventura acusou o PCP de ter cometido assassinatos no pós-25 de Abril. É difícil imaginar uma mentira mais gravosa. Dita por quem tem no seu partido Diogo Pacheco Amorim, que pertenceu ao MDLP. Esta organização foi responsável por ações violentas no pós-25 de Abril, onde se incluíram ataques bombistas. Morreram pessoas como resultado dessas ações, como o padre Max e a estudante Maria de Lurdes.
Mas houve comentadores que deram a vitória a Ventura no debate com Paulo Raimundo e que voltaram a fazê-lo no debate com Pedro Nuno Santos, onde Ventura voltou a mentir. São, mais coisa menos coisa, os mesmos que acusaram Mariana Mortágua – que deu o verdadeiro baile a Ventura – de ter mentido a propósito do assassinato do padre Max ou a propósito da carta recebida pela avó. Ui, aí rasgaram as vestes. Mas Mariana Mortágua não mentiu e não costuma mentir.
Estamos conscientes de que André Ventura está a enganar milhares de portugueses, pessoas que confiam na sua seriedade. Não me parece que seja o caso de algum comentador. Aplaudir o líder do Chega e considerá-lo vencedor de debates, sabendo que mentiu e sabendo que está a enganar uma percentagem assustadora de portugueses, é indesculpável. Estes comentadores também não cumprem as regras. Depois não digam que a culpa é do TikTok.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico