A propósito da saúde: mais uma vez
O mistério da Saúde
Artigo de opinião de Pedro Candeias
in jornal Público 29 de Junho de 2025
O voluntarismo foi travado quando a realidade se impôs. Há mais gente sem médico de família, os problemas nas urgências continuam. O Governo não encontrou o atalho e fomos contra a parede. Outra vez.
Num acto ambicioso, o primeiro Governo de Luís Montenegro apresentou-se com uma proposta inspiradora para a Saúde: resolver os problemas das portuguesas e dos portugueses até final de 2025.
Estávamos em Janeiro de 2024 e, se fosse eleito primeiro-ministro, Montenegro garantia que em 24 meses — em 24 meses apenas — praticamente tudo teria solução: os cidadãos sem médico de família, as urgências fechadas e/ou entupidas, o monstro burocrático do agendamento de consultas, as cirurgias oncológicas atrasadas, etc. Era só dar de frente com um beco que o Governo encontraria um atalho. Não aconteceu e fomos contra a parede. Outra vez.
O excesso de voluntarismo, normal em campanhas eleitorais, foi travado à medida que a realidade se impôs à retórica. Há mais gente sem médicos de família, menos vagas a serem preenchidas por clínicos, os problemas nas urgências mantêm-se, há hospitais com data centers que fritam e idosos que morreram por deficiênciasno socorro do INEM.
Tudo continua mais ou menos na mesma, apesar de filosoficamente estes dois governos de Montenegro terem pouco a ver com o anterior. Mas, seguindo uma longa tradição de continuidade que atravessa o arco democrático português, as ideologias podem mudar e as pessoas responsáveis também, que as políticas públicas prosseguem indistintas. E os problemas também.
Ora, isto dá margem de manobra para um ministro da Saúde poder justificar-se perante a população e crítica quando o calor aperta. É relativamente fácil dizer-se que é preciso mais tempo, que o estado da arte já estava assim quando lá se chegou, que se vai continuar a trabalhar, que é preciso ter fé, e coisas assim. Basta ter alguma habilidade política, característica que parece faltar a Ana Paula Martins, a ministra cujas intervenções públicas são (quase) sempre desassombradas, despropositadas e desresponsabilizadoras.
O cinismo do comentariado político usa a expressão “pára-raios” para os elementos do Governo que servem como válvula de escape para as frustrações dos cidadãos, absorvendo-as com as polémicas que os próprios alimentam. Em tempos, Eduardo Cabrita terá cumprido esse papel numa das legislaturas de António Costa; Ana Paula Martins, cujas sondagens a põem num péssimo lugar – o lugar de pior ministro – parece servir agora este propósito.
A confiar nesta tese, isto pode servir para Montenegro divergir algumas trapalhadas, nomeadamente as suas. Se é bom que esse cargo seja ocupado por uma ministra da Saúde? Não me parece.