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A invasão da Ucrânia de Trump a Putin I

22.11.24 | Manuel_AR

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Em outubro de 2023 publiquei noutro blogue estes dois textos. Faz agora 1003 dias do inícios da invasão da Ucrânia resolvi, por isso, voltar a publicá-los novamente, mas agora aqui neste blogue.

A invasão da Ucrânia de Trump a Putin I 

A invasão da Ucrânia de Trump a Putin: contributos para uma teoria da conspiração

Curioso é analisarmos que Joe Biden tomou posse como Presidente dos EUA em 20 de janeiro de 2021. Cerca de um ano e um mês depois de Trump ter saído da cena da presidência Putin invade a Ucrânia. Isto diz-nos alguma coisa

  1. Introdução.

As circunstâncias criadas pelos atores da política internacional levam-nos por vezes a aventurar-nos em terrenos imprevisíveis da paisagem política em permanente mudança de velocidade e de factos. Ao tentarmos fazer uma interpretação política de factos políticos sem sermos especialistas, vemos que há acontecimentos comprovados que nos levam a estabelecer interpretações e paralelismos por vezes arrojados.

Em política, interpretações e paralelismos não são isentos de ideologias que determinam o contexto do exercício do poder e as abordagens socioeconómicas que fazem parte de ideias e de interesses que ajudam a compreender a criatividade estratégica das ações e, muitas vezes, as obsessões dos atores políticos.

As intenções do Presidente Vladimir Putin em relação à invasão da Ucrânia estão naquele âmbito, já que as suas potenciais intenções/obsessões, se forem concretizadas, não ficarão no domínio do impossível, o avanço pelos países limítrofes, a começar pela Polónia, poderão ser inevitáveis.

A queda da URSS e a dissolução do Pacto de Varsóvia em 1 de julho de 1991, acordo militar firmado em 14 de maio de 1955, estabelecia uma aliança entre os países socialistas do leste europeu e pôs fim à aliança militar de que faziam parte a Hungria, Roménia, Alemanha Oriental, Albânia, Bulgária, Checoslováquia e Polónia e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

O fim daquele acordo resultou num abrandamento das precauções pelo ocidente, União Europeia e EUA, e a entrada uma espécie de torpor da NATO. Oito anos passados, de 1999 em diante, é que novos países passaram a fazer parte daquela organização alguns deles República Checa (1999), Hungria (1999), Polónia (1999), Bulgária (2004), Eslováquia (2004), Eslovénia (2004),, Estónia (2004) Letónia (2004), Lituânia (2004,) Roménia (2004), Albânia (2009), Croácia (2009), Montenegro (2017), Macedónia do Norte (2020). 

No poder da Federação Russa Vladimir Putin é um produto da sociedade da ex-URSS e, como tal, foi “formatado” nesse regime. Porém, tendo em vista que a queda do regime possibilitou a apropriação das riquezas das empresas estatais entretanto privatizadas, e que Putin e outros atuais oligarcas não ficaram “distraídos”, talvez um regresso exatamente ao antigo regime possa não lhe interessar, mas em termos de política os métodos totalitários de governação poderão ser os mesmos.

O embate ideológico entre o capitalismo ocidental e o imperialismo soviético, génese da Guerra Fria antes do seu desmembramento, parece ter renascido com o imperialismo russo renovado, que, afinal, esteve apenas latente. Contudo, o que para aqui interessa não é o embate ideológico entre o capitalismo ocidental e o antigo regime soviético, é o confronto provocado por razões menos ideológicas e mais de domínio geoestratégico. Antes, durante e depois da presidência de Donald Trump parece existir uma teoria da conspiração em que dois implicados estarão envolvidos.

As teorias da conspiração são uma explicação de um evento ou situação que invoca uma conspiração de atores com poder, políticos com motivações pessoais e hegemónicas que se apresentam como prováveis.

O ocidente, nomeadamente a U.E. e, sobretudo, os EUA, têm sido acusados de imperialistas por forças da esquerda radical e por apoiantes das políticas de Vladimir Putin. O conceito de imperialismo que aqui referimos consiste numa expansão violenta da área territorial da influência ou poder direto por parte dos Estados ou de sistemas políticos análogos e também formas de exploração económica em prejuízo de outros Estados ou povos (neste caso próximo do colonialismo). O conceito mais atual define que o imperialismo não é mais do que um resultado inevitável da tentativa de países ricos em manterem as suas posições de poder no equilíbrio geoestratégico e económico do mundo.

O imperialismo é também, segundo afirmam alguns líderes, um meio para libertar os povos do domínio tirânico ou de lhes trazer segurança, a que se junta o impulso pelo poder e prestígio com a criação no povo de emoções nacionalistas, como tem sido o imperialismo de Putin.

Durante o período da União Soviética (ex-URSS) e quando da invasão da antiga Checoslováquia (hoje República Checa e República Eslovaca) tornou-se mais difícil, mesmo para marxistas não dependentes da ideologia oficial do regime soviético, negar a existência de aspetos imperialistas na política externa da então URSS, quer sob o aspeto da imposição pela força da sua vontade aos Estados satélites, quer sob o da sua exploração económica. Se a URSS não tivesse desabado e autodestruído não saberíamos em que ponto se encontraria hoje o seu imperialismo e o estado da Guerra Fria.

A invasão da Ucrânia trouxe para a luz dos ecrãs de televisão, nomeadamente em Portugal, comentadores e outros que se encontravam no anonimato e que surgem a convite dos canais que tentam impor-nos com argumentos falaciosos e adulterados os seus desvarios, quer os que defendem doentiamente Putin e são anti ocidente, quer os que defendem veementemente o ocidente e a sua prevenção defensiva contra o imperialismo russo.

A Ucrânia é um país cujas fronteiras foram reconhecidas por Moscovo aquando do colapso da União Soviética e é por isso que os seus aliados ocidentais afirmam que Putin não tem justificação para o que diz ser uma apropriação de terras que lhe pertencia ao velho estilo imperial. O conflito na Ucrânia começou em 2014 após o então Presidente ucraniano pró-russo ter sido derrubado com a Revolução Maidan e a Rússia ter anexado a Crimeia. A luta foi desencadeada entre as forças apoiadas pela Rússia e os soldados ucranianos no leste da Ucrânia

Os que na atualidade apresentam argumentos, alguns do tempo da Guerra Fria, contra o ocidente e a NATO estão, de algum modo, a colocar-se ao lado da política de Putin em relação à Ucrânia mesmo que o neguem e que ao mesmo tempo reclamam pela paz e pelo fim da guerra. Mas, mais do que isso, estão, ao mesmo tempo, a concordar com os pontos de vista que Donald Trump tem mostrado.

Curioso é analisarmos que Joe Biden tomou posse como Presidente dos EUA em 20 de janeiro de 2021. Cerca de um ano e um mês depois de Trump ter saído da cena da presidência, Putin invade a Ucrânia. Isto pode querer dizer alguma coisa e pode até conduzir a uma teoria da conspiração sobre dois relevantes atores da política internacional mostrados pelas atuações e declarações que se vêm ajustando desde há uma década atrás.

 

  1. Vladimir Putin o primeiro ator da conspiração

O filme Katyn do realizador polaco Andrzej Wajda, proposto para os Óscares de 2008, motivou-me para a escrita deste texto. Neste filme que deve ser visto ou revisto a cena mais impressionante passa-se em 17 de setembro de 1939, dia da invasão soviética da Polónia que os alemães já tinham também invadido duas semanas e meia antes.

A cena passa-se numa ponte, que é uma representação visual do que aconteceu em 1939 em todo o país, quando a Polónia foi apanhada entre dois exércitos invasores, o alemão e o soviético, cujos ditadores haviam concordado em conjunto eliminar a Polónia do mapa.

Na cena de abertura do filme uma multidão de pessoas ansiosas e desesperadas, umas a pé, outras de bicicleta, levando cavalos, carregando caixas, caminha por uma ponte. Para sua surpresa veem outro grupo de pessoas ansiosas e desesperadas vindo na sua direção, mas a caminhar na direção oposta. “Gente, o que estão a fazer?”, grita um homem. O diálogo é mais ou menos este: “Voltem! Os alemães vêm atrás de nós!”. Mas do outro lado, outra pessoa grita: “Os soviéticos atacaram-nos!”, mas ambos os lados continuam o seu caminho, seguindo a confusão geral. Um grande número de soldados polacos, (que também são pais, maridos e irmãos) cai nas mãos das tropas soviéticas e mais tarde tornam-se brutalmente vítimas do estalinismo.

A invasão da Ucrânia tem suscitado publicações de vários “posts” nas redes sociais e noutros locais textos em que se fazem analogias com as invasões e ocupações desencadeadas por Hitler, mas poucas têm sido feitas sobre Estaline.

Ao mesmo tempo que a agressão do presidente russo Vladimir Putin avança na Ucrânia e o seu regime limita com dureza a oposição interna, a alegação de que a Rússia está a voltar ao estalinismo encontra-se, quase diariamente, nos órgãos de comunicação tanto na Europa como nos Estados Unidos.

Para melhor compreensão da leitura deste rascunho e porque a informação factual tem que ser analisada e contextualizada, uma breve incursão ao passado no tempo da II Guerra poderá ser útil.

Reportemo-nos como exemplo a um caso do passado, agosto de 1939, quando a Rússia e a Alemanha assinaram um tratado de não-agressão (pacto Molotov-Ribbentrop - Ministros das Relações Exteriores) em que a Alemanha e a União Soviética concordaram em concluir um pacto de não-agressão. Um protocolo secreto deste tratado foi encontrado nos arquivos nazis no pós-guerra, embora a União Soviética o tenha negado durante décadas que ele tenha existido.

Vladimir Putin quando se refere às comemorações do “Dia da Vitória”, a que chama data que marca o triunfo dos soviéticos em 1945 sobre a Alemanha nazi, omite, por conveniência, que Hitler e Estaline estabeleceram e assinaram em 1939, um pacto de não agressão em que se comprometiam a não se atacar uma à outra e a manterem-se neutras se uma delas fosse atacada por uma terceira potência.

Mas o que Hitler e Estaline pretendiam não era apenas um compromisso de não apoiar os inimigos um do outro, havia um protocolo com pontos não divulgados em que os dois ditadores combinaram uma divisão da Polónia e da Finlândia, e os países bálticos, Lituânia, Letónia e Estónia. Todos estes passaram a integrar a URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas de 1940 a 1991 data em que conquistaram as suas independências assim como uma região entre a Moldávia e a Roménia que foram prometidos à União Soviética. Assim, o chamado Pacto Hitler-Estaline não consistia apenas na parte formal e oficial em que os dois ditadores acordaram, tinha outros acordos não divulgados.

Os ditadores são por norma falsos não apenas para com os seus povos, mas também entre eles. Assim, da parte de Adolfo Hitler, o pacto não foi mais do que o propósito de ganhar tempo para os seus planos de guerra e, no final de 1940, avançou com a campanha contra a União Soviética e a 22 de junho de 1941 as tropas nazis atacaram de surpresa o território soviético.

O pacto entre os dois ditadores sanguinários de regimes completamente antagónicos possibilitava aos dois a conquista de territórios e a execução de políticas totalitárias é uma nódoa na história donde se depreende que a traição e a mentira são umas das suas características.

Em pleno século XXI Vladimir Putin talvez inspirado pelos dois mais cruéis ditadores do século XX viola a paz na Europa seguindo estratégias idênticas às de Hitler em relação à política externa e de Estaline na política interna. Putin aproxima-se cada vez mais dum regime próximo do estalinismo, de um regime político totalitário-autocrático e oligárquico cujas principais características são o nacionalismo, a centralização política, o militarismo e a censura dos meios de comunicação.

Sabemos da propensão que os ditadores têm para sujeitar os órgãos de comunicação a censuras, proibição de publicações e para limitar ou perseguir o livre exercício do jornalismo, que é devido ao facto de poderem ficar livres para ocultar a verdade e divulgar as suas mentiras e notícias falsas através de canais informativos leais que controlam e cuja informação, diria antes desinformação, fazem propagar no interior e para o exterior.

Os discursos de Vladimir Putin e as suas intervenções não escondem o objetivo da sua política internacional para reconquista das antigas zonas de influência que a ex-União Soviética perdeu depois da Guerra Fria. É toda uma política revisionista, uma tentativa de regresso ao passado e cujo pensamento da política interna vai-se aproximando de uma espécie de antigo regime soviético modernizado.

Numa situação de conflito armado e para a sua explicação e concretização, cada lado fabrica as mentiras adequadas aos seus intentos, criando bodes expiatórios. Recorde-se como foi o caso com Hitler com os judeus na Alemanha e de Estaline que, após ter assumido plenos poderes, não hesitou em ordenar a execução de milhares dos seus antigos companheiros e também da elite intelectual judaica do país. Para ambos os ditadores era sobre esses que lançavam a causa de todos os males numa espécie de culpa coletiva.

As operações chamadas “bandeira falsa” que usam artimanhas e mentiras com o objetivo de proceder ao envolvimento de falsos soldados do lado oposto, que vestem uniformes do agredido, que lançam ataques orquestrados a instalações ou civis convocando posteriormente órgãos de comunicação para mostrarem   edifícios destruídos e cadáveres que, na verdade, pertencem a prisioneiros, assassinados especialmente para a ocasião. Este tipo de “crime”, juntamente com alguns outros “ataques”, que compõem a desculpa formal para invasões foi o que serviu a Hitler como desculpa formal para a invasão da Polónia.  Um dos exemplos foi o da propagada nazi que fez passar a informação de que a Alemanha estava sob ataque criando uma perceção de medo nos cidadãos alemães de um ataque polaco contra a Alemanha. Na realidade, os nazis encenaram o incidente para criar uma campanha de propaganda que favoreceria um ataque alemão contra a Polónia (foi a montagem de uma operação do tipo bandeira falsa).

A propaganda nazi de Hitler descreveu a invasão da Polónia como um conflito defensivo travado pela “libertação” da zona habitada principalmente por alemães étnicos de minoria alemã no oeste da Polónia, Cidade Livre de Gdansk/Danzig. Antes da invasão a Alemanha organizou algumas provocações cujo objetivo era justificar a invasão. No dia 1 de setembro de 1939 a Alemanha invadiu a Polónia. Para o justificar a propaganda nazi alegou falsamente que a Polónia planeava com os seus aliados cercar a Alemanha, e que os polacos perseguiam pessoas de etnia alemã no seu país. Foi então forjado, em conluio com os militares alemães, um falso ataque polaco a uma estação de rádio alemã. Hitler utilizou esta pretensa ação para lançar uma campanha de “retaliação” contra a Polónia. 

A 17 de setembro de 1939 os soviéticos avançaram sobre a Polónia alegando que era “uma campanha de libertação”, e que Moscovo não podia permitir que a Polónia caísse completamente nas mãos dos nazis, o que os factos do protocolo secretos atrás referido que também pode ver aqui desmentem.

Sem declaração de guerra a Polónia foi ocupada pelo exército de invasão alemã. A invasão soviética da Polónia nunca foi reconhecida como sendo uma invasão. Para a União Soviética a mensagem que passava e a retórica oficial era a do costume e que Putin reproduziu para a invasão da Ucrânia. Na altura era o Exército Vermelho que estendia a mão da assistência fraternal aos trabalhadores da Ucrânia Ocidental e da Bielorrússia Ocidental libertando-os para sempre da escravidão social e nacional, diziam, agora é Putin que diz querer libertar a Ucrânia dos nazis.  A União Soviética nunca admitiu ter conquistado ou anexado o território polaco: estas terras permaneceram parte da URSS após a guerra e ainda fazem parte da atual Bielorrússia e a Ucrânia hoje, depois da Segunda Guerra Mundial, foi internacionalmente reconhecida como estado independente com os seus próprios direitos. A República Socialista Soviética de Ucrânia foi dos 50 estados fundadores da ONU - Organização das Nações Unidas que aderiu em junho 1945 no final da Segunda Guerra Mundial. O nome atual do estado sucessor é Ucrânia.

O derrube da União Soviética que trouxe também a esperança do fim da Guerra Fria não foi olhado por todos da mesma forma, para uns terá sido uma catástrofe, como Putin afirmou recentemente, para outros traria a Rússia para o lado do “bem”, do Ocidente.

Durante a Guerra Fria olhava-se para a política como uma disputa pelo poder, e para a geopolítica como a disputa entre os Estados mais poderosos a competirem pela supremacia global. A Guerra Fria era um confronto entre a URSS e EUA, entre Washington e Moscovo/Kremlin, como os comentadores lhe costumam chamar. No entanto, a Guerra Fria também se disputou no campo de batalha das crenças, nos valores e direitos humanos universais em que o Ocidente acreditava e acredita. Faz sentido afirmar que o foi também ideologicamente entre o liberalismo económico e os radicais do pensamento marxista-leninista.

Olhando hoje para o que se passa na Rússia de Putin é fácil estabelecer uma analogia entre a invasão da Ucrânia e o que se passou no passado com a Polónia porque, segundo ele, é também para libertar o povo ucraniano dos nazis. A perceção que se tem é que Putin parece ter mimetizado a invasão alemã da Polónia, uma espécie de cartilha de Hitler quando pretendia travar uma guerra o que se tornaria na estratégia “blitzkrieg” (Guerra relâmpago, com exército e bombardeamentos contra a defesa do oponente e cercar as suas forças). Talvez, por isso, Putin tenha insistido naquilo ao que chamou “operação militar especial”.

É estranha a obsessão de Vladimir Putin com a justificação da sua guerra de agressão com a “desnazificação” da Ucrânia como ele propagandeia. Segundo o jornal Der Spiegel (maio de 2022), inúmeros neonazis estão a combater pela Rússia na Ucrânia e um documento interno do BND (serviço de inteligência exterior da Alemanha) revela agora que as tropas de Moscovo estão a ser apoiadas por grupos extremistas de direita. A propaganda oficial do Kremlin afirma que quer combater os neonazis da Ucrânia, o facto é que, também entre as tropas da Rússia, há militantes do neonazismo e da extrema-direita.

Centremo-nos agora há dois anos atrás, setembro de 2020, quando o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que condenou e colocou em pé de igualdade os dois totalitarismos, Hitler na Alemanha e Estaline na URSS, por terem cometido “genocídios e deportações” e perseguições políticas e destruído grande parte da Europa no século XX.

À semelhança de Hitler que pretendia vingar a humilhação da derrota sofrida na I Guerra Mundial e ancorado na crença de uma suposta superioridade da raça ariana e também criando um crescente clima de ódio contra os judeus, que dizia serem inimigos do povo alemão e a outros falsos pretextos, desencadeou violentas invasões a países soberanos europeus, Putin também forjou os seus fundamentos e pretextos para justificar os ataques a um país soberano.

Putin, no início da segunda década do século XXI, utiliza como justificação para ocupar a Ucrânia, a desnazificação, a que agora chama desucranização, e outras expressões que lhe sirvam para os seus objetivos de propaganda. Estas são as causas próximas que Putin forjou para justificar a invasão, mas há causas anteriores de raiz ideológica e filosófica que o inspiraram para além das desvairadas comparações que faz de si próprio com o czar Pedro, o Grande, recordando a Grande Guerra do Norte e as batalhas de Pedro contra os suecos.

Tornar a Rússia grande novamente tornou-se numa nova crença ideologica para Putin. Ele ganhou um quarto mandato em 2018 e logo a propaganda do Kremlin começou a espalhar a ideia de que Putin é o único que pode restaurar a grandeza da antiga Rússia e de que ele é o líder histórico capaz de se unir a fervorosos defensores da primitiva União Soviética, os quais ainda se reveem nesse período. A tomada de posse de Vladimir Putin no Kremlin aconteceu dois dias depois da polícia ter reprimido manifestantes que saíram às ruas para gritar “Putin não é o nosso czar”. Cerca de mil manifestantes foram detidos, entre eles o atual líder mais conhecido da oposição russa, Alexei Navalny que sofreu uma tentativa de assassinato.

  1. Pensar como Putin. O discurso do ódio

O discurso de ódio não é recente nem nasceu com as redes sociais, embora estas o tenham potenciado. Neste contexto o conceito de discurso de ódio que adotei é o de Parekh (2012) que é tudo quanto “expressa, encoraja, atiça ou incita ódio contra um grupo de indivíduos distinguidos por uma característica particular ou conjunto de características como raça, etnia, género, religião, nacionalidade e orientação sexual, utilizando frequentemente uma linguagem ofensiva, raivosa, abusiva e insultuosa”. Outros autores acrescentam que também existe discurso de ódio quando se pretende desumanizar, assediar, intimidar, rebaixar, degradar, vitimizar ou incitar a brutalidade contra grupos-alvo.  Este tipo de discurso agravou-se com a utilização online sobretudo nas redes sociais onde é instantâneo, rapidamente disperso e muitas vezes anónimo.

O discurso de ódio tem as suas propriedades como a quem se dirige, o que comunica e por onde se difunde. Assim, as pessoas ou grupos são atingidas pelo que são, e não pelo que pensam. Durante o nazismo foi esta forma de pensamento que levou os judeus a serem sujeitos a perseguições, indiferentemente do que pensavam politicamente, a que se associavam discursos de   incitação à violência política. Há porém uma diferença entre  os discursos de ódio e aqueles que se baseiam em antagonismo, ou seja, em  posições político-partidárias.

A incitação à violência política tem origem em disposições no cenário político, os discursos de ódio têm origem na discriminação sistemática. A troca de ideias passa então a ser marcada pela grosseria política, ou seja, insultos, ameaças, etc. (ver em Stryker, 2016).

Como vários autores têm observado o discurso de ódio também é empregue para perseguir, insultar e justificar a privação dos direitos humanos podendo, em casos extremos, conduzir a homicídios e genocídios cujos exemplos mais conhecidos foram o holocausto na Alemanha nazi; o ditador Estaline quando exigiu que alemães que morassem em territórios na altura recém dominados pela União Soviética (antes controlados por Hitler) voltassem para seu país de origem e em que no trajeto, famílias inteiras foram agredidas ou assassinadas; quando em 1971 a parte leste do Paquistão entrou em guerra para se tornar um Estado independente, Bangladesh, o governo paquistanês reagiu de modo radical, matando separatistas e seguidores; quando Estaline o tirano russo adotou técnicas variadas para perseguir rivais políticos entre 1932 e 1933 forçou a Ucrânia e o Cazaquistão a exportar todos os seus alimentos, matando os nativos de fome.

Os atributos de Hitler e de outros ditadores estão a ressurgir numa extrema-direita renovada, nacionalista, autoritária, autocrática que aproveita as redes sociais e os meios da internet que os seus congéneres do passado não tinham para difusão das suas ideias.

Em julho de 2021 Putin assinou e fez publicar no site oficial do Kremlin o artigo “Sobre a unidade histórica dos russos e ucranianos“. Neste artigo Putin tenta escrever uma “nova história” dizendo que grande parte da Ucrânia é roubada da terra da “Rússia Histórica”, que a nação ucraniana é uma ideia artificial e os ucranianos são basicamente russos de lavagem cerebral porque a Ucrânia é liderada por “radicais e neonazis” que são “instrumentos” do Ocidente, EUA, NATO e EU.

As palavras de ordem “nazi” e “neonazi” aparecem em cinco partes diferentes do texto de Putin com o objetivo de fazer reviver com uma única palavra, todo o mal que essa palavra comporta numa tentativa de desumanizar os ucranianos desde a revolução de Maidan em 2013.

O artigo de Putin antes da invasão da Ucrânia foi uma espécie de discurso à nação e foi distribuído aos soldados do exército russo no que pareceu ser uma versão moderna da “educação” política dos soldados semelhante à do antigo exército soviético. Estratégia que Estaline também adotava.

Já no decorrer da guerra em junho do corrente ano Dmitry Medvedev presidente russo entre 2008 e 2012, primeiro-ministro em 2012, e, atualmente, vice-presidente do Conselho de Segurança russo, escreveu no Telegram uma mensagem onde disse sobre os ucranianos que: “Eles são bastardos que querem a morte para a Rússia. Eu odeio-os e farei de tudo para fazê-los desaparecer”, repetindo o que o ideólogo Aleksandr Dugin disse em 2015, como adiante irei referir.

Palavras de ódio dirigidas a uma nação, tal como Hitler fez com os judeus, Medvedev utiliza palavras como  “desaparecer / deixar de existir / odiá-los”, é uma grande luz verde para os soldados irem em frente com toda e qualquer ação que possamos imaginar.

Ou seja, é o discurso de ódio onde se exige a destruição e liquidação de todos os “nazis” que, para ele, são todos os ucranianos, pelo que reclama uma supressão massiva e imediata de todo esse povo. Além da censura a qualquer voz ucraniana, e da introdução das leis e da cultura russas, o objetivo é proibir até mesmo o nome Ucrânia e o próprio termo ucraniano. Tudo indicando o objetivo de fazer desaparecer a Ucrânia como nunca tivesse existido.

Ao tentar perceber e conhecer o pensamento de Vladimir Putin deparei-me com o seu interesse por autores que o influenciaram, essencialmente Alexander Dungin e o seu livro “The Fourth Political Theory”.

Para Dugin os sistemas políticos têm sido produto de três ideologias, sendo a mais antiga a democracia liberal, seguida do marxismo e o terceiro o fascismo tendo estes dois últimos falhado. O primeiro que ele diz não ter resultado, mas que tem sido aceite como sendo o mais correto. Dugin afirma que “Hoje o mundo encontra-se à beira de uma realidade pós-política em que os valores do liberalismo estão tão profundamente incorporados que a pessoa comum não está ciente de que ao seu redor há uma ideologia em jogo”(The Fourth Political Theory, cap.1- The Three Main Ideologies and their Fate in the Twentieth Centuty, pp. 15-16).

Na perspetiva de extrema-direita iliberal de Aleksandr Dugin o liberalismo monopoliza o discurso político mergulha o mundo numa espécie de pensamento, sempre do mesmo tipo, mesmo para situações distintas, destruindo singularidades e tudo o que torna as várias culturas e povos únicos. Isto é, este discurso político pretende impor-se em todo o lado.

Todavia, para o ideólogo de Putin, Alexander Dugin, que comentadores do ocidente designam como uma espécie de Rasputin de Putin, há muito tempo que os russos são um “povo imperial”, e podem liderar um “império mundial”. Curioso como ao mesmo tempo acusam os EUA e o Ocidente de imperialistas.

A ideia de Putin parece ser a da substituição de um imperialismo por outro, esse outro que terminaria com a democracia e com o liberalismo para os substituir por um despotismo com mando absoluto e arbitrário como o que ele está a impor aos russos. A leitura analítica dos discursos políticos de Putin conduz-nos à perceção de que não pretende substituir a pertença unicidade de pensamento de que acusa o Ocidente, mas à pretensão de que o Mundo deve passar a aceitar o seu pensamento como único.

Os discursos de Putin revelam uma aproximação ao radicalismo que Alexander Dugin defende no seu livro onde argumenta que a Rússia deve retornar ao seu antigo poder e garantir que o “atlântico” (valores ocidentais que incluem o liberalismo, os mercados livres e a democracia representados pelos EUA e pela  Europa Ocidental), perca a sua influência sobre o que ele denomina por “Eurásia” territórios outrora governados, pela União Soviética, que precisa defender uma hierarquia, tradição e uma estrutura jurídica estrita. Isto é, instituir uma ditadura fascista de cariz totalitário para toda a Europa.

Porém, Putin parece ter-se ainda estará inspirado num outro livro do mesmo autor para tomar a decisão de invadir a Ucrânia que se supõe ser Foundations of Geopolitics.

Nas pesquisas efetuadas encontrei um artigo de Marlène Laruelle, especialista em estudos europeus e russos, onde caracteriza Dugin como um ideólogo tradicionalista, fascista e antissemita. No campo geopolítico é um ultranacionalista russo agressivo. Num canal do Youtube Alexander Dugin em 2015(?) incentivou ao ódio numa mensagem que incluía afirmações como “Os ucranianos precisam de ser mortos, mortos e mortos, estou a dizer-lhes isto como professor“ canal bloqueado pela empresa detentora. A dúvida é saber quantas das suas estratégias anteriores e estratagemas destrutivos se concretizaram por parte do Governo do Kremlin. Em abril de 2014 Dugin, num programa de televisão do jornalista Vladimir Posner, argumentou provocatoriamente que a Rússia deveria reconstruir os seus stocks de armas nucleares.

Em março de 2022 Jaweed Kaleem, correspondente do Los Angeles Times, escreveu que Putin ao “justificar a guerra que lançou no final de fevereiro, culpando o “Ocidente decadente” por tentar eliminar a identidade, fronteiras e segurança russas, lançou a ideia-chave do eurosianismo, uma teoria política do século XX que os seguidores modernos descrevem com argumentos de que a Rússia não faz parte da Europa nem da Ásia e que é inimiga do mundo “Atlântico” liderado pelos EUA”, pressupostos estes que são os de Alexander Dugin.

O grande objetivo de Putin seria a deposição de Zelensky para colocar no seu lugar uma figura de presidente fantoche da sua confiança, um governo pró-Moscovo em Kiev, como sucede na Bielorrússia, que renunciasse à militarização, reconhecesse a Crimeia como russa e alterasse a Constituição para voltar atrás na adesão à NATO e à U.E., concretização que para Putin seria um sucesso político inegável.

Nesta linha da propaganda que é a pretensão de fazer uma Rússia grande realizou-se no dia 7 de junho de 2022 uma reunião com a presença do Presidente do Estado da Duma Viacheslava Volodina com uma delegação do Conselho Popular da DPR- República Popular de Donetsk chefiada pelo seu presidente Vladimir Bidevka onde este afirmou que “Tenho a certeza de que definitivamente estaremos em casa, como parte de uma grande Rússia: a gloriosa Rússia, a grande Rússia! E tenho a certeza de que aqui todos devemos trabalhar em benefício deste objetivo - em benefício da Rússia - e nos concentrarmos hoje em volta do seu líder Vladimir Putin”.

De acordo com um relato do New York Times baseado em entrevistas com aqueles que recentemente interagiram com Putin, dizem que "perdeu completamente o interesse no presente" e passa grande parte deste tempo debruçado sobre a história russa com seus confidentes mais próximos. Os líderes estrangeiros visitantes são frequentemente tratados com extenso palavreado sobre a história russa.

Em 21 de fevereiro de 2022 Vladimir Putin assinou um decreto onde reconhece partes do leste da Ucrânia, Donetsk e Lugansk como entidades independentes, numa clara violação dos acordos de Minsk e ordenou o envio de tropas para as duas regiões separatistas para “manutenção da paz” desenvolvimento que pode ler aqui. Num discurso dirigido aos russos Putin responde com uma reescrita e interpretação ficcionada da história.

Como se sabe, Vladimir Putin está no controle da Rússia desde 1999 e em 2020 mexeu os cordelinhos internos para se manter no poder após 2036 fazendo mudanças para garantir que o cargo que ocupa mantenha e aumente mais o seu poder. Em janeiro de 2020 num discurso presidencial, Putin propôs casualmente mudanças constitucionais para aumentar a “independência e responsabilidade do primeiro-ministro“. Todavia não ficou claro quando as mudanças poderiam ser realizadas ou quando poderiam entrar em vigor.

No seu discurso anual de estado da nação Putin queria que a Duma, câmara baixa do parlamento da Rússia, tivesse o poder de escolher o primeiro-ministro. Em março de 2021 essa mesma Duma introduziu uma legislação que permitisse a Putin concorrer a mais dois mandatos presidenciais de seis anos, mas, para isso, teve que colocar o país sob uma ditadura despótica. O argumento era que “Aumentaria o papel e a importância do parlamento do país e a independência e responsabilidade do primeiro-ministro”, justificava Putin.

A estratégia seria planear antecipadamente uma “jogada” de longo prazo que procuraria o enfraquecimento dos laços dos EUA com a Europa, o desagregar da União Europeia e, por consequência, desfazer a NATO para o que, como se verá adiante, Donald Trump estava também a contribuir.

Putin, ao agir para resolver problemas isoladamente, pretende preservar a posição da Rússia como uma potência hegemónica no cenário mundial. Aliás, os comentadores pró Putin que em Portugal publicam nas redes sociais e nos media textos anti ocidente (EUA, NATO e U.E.), defendem a tese de um Mundo multipolar, quando não apenas da Rússia, e não apenas a supremacia dos EUA, mas no substrato encontra-se preferencialmente a hegemonia da Rússia.

Esta estratégia foi também mencionada por Dugin no livro Foundations of Geopolitics: The Geopolitical Future of Russia, (1997) onde assinala as estratégias dos adversários da Rússia, elabora a sua própria e fornece passos ousados para recuperar a posição de domínio da Rússia perdida no final da Guerra Fria. As recomendações mais enérgicas incluem a invasão da Geórgia, a anexação da Ucrânia, a separação da Grã-Bretanha do resto da Europa, e a disseminação de sementes divisionistas nos Estados Unidos. Cada uma delas é-nos bastante familiar. Nos EUA encontramos a estratégia divisionista de Trump que iremos ver adiante.

No mesmo livro Dugin avança ainda que a Rússia precisaria da linha costeira do Mar Negro tanto para o comércio quanto como base naval de operações para que a “costa norte do Mar Negro pudesse ser exclusiva e centralmente subordinada a Moscovo.”

O apoio às extremas-direita na Europa não terá estado fora da eventual ligação ideológica Putin-Dugin. Especialistas do ocidente consideram que Putin, talvez por inspiração de Dugin, tem ligação aos movimentos europeus de extrema-direita e aos partidos populistas em ascensão nos países da Europa e, provavelmente, também no EUA. 

Como se tem confirmado as proclamações de Putin são a evidência das suas contradições e negações. A negação e a mentira são dois atributos de Putin na sua política interna e externa. Ele olha para os movimentos populistas, partidos de extrema-direita e partidos nacionalistas a primeira expressão concreta da chamada Quarta Teoria Política, como a descreveu Dugin em 2018, como sendo a realização do seu programa político. Por outro lado, ataca a Ucrânia por ser nacionalista e diz pretender “desucranizá-la”. Os partidos elogiados são o partido italiano de extrema-direita Liga (Liga do Norte), liderado por Matteo Salvini e o Movimento 5 Estrelas, movimento populista fundado em 2009.

O governo italiano confirmava em 2018 que era a primeira expressão concreta da chamada Quarta Teoria Política de Dugin e a realização do programa político deste autor. “A união entre Lega - Liga do Norte e o Movimento Cinco Estrelas é o primeiro passo histórico para a afirmação irreversível do populismo e a transição para um mundo multipolar”, escreveu Dugin e acrescentava que, por essa razão, naquela altura o governo italiano era um parceiro natural do Kremlin.

Quatro anos depois, no dia 22 de junho de 2022, o Movimento 5 Cinco Estrelas dividiu-se para formar um novo grupo parlamentar que apoiará o primeiro-ministro Mario Draghi. Esta decisão foi tomada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi Di Maio, depois de criticar o seu próprio partido por não apoiar o governo italiano no envio de armas para a Ucrânia. Entretanto, no momento em que escrevo este texto, Mário Draghi demitiu-se.

Mas há outros extremistas elogiados e há outros exemplos de populismo da simpatia de Putin que são o partido conservador alemão, AfD - Alternative für Deutschland, RN – Ressemblement National de Marine Le Pen, já referida, e Jean-Luc Melenchon em França, e, em certa medida, Donald Trump nos EUA.

Tradicionalmente a AfD apoia Putin, e, como muitos dos partidos políticos de extrema-direita da Europa, os seus principais políticos mantiveram laços com o Kremlin e desfrutaram do seu apoio ativo. A oposição de Putin a organizações ocidentais como a NATO e a U.E. insere-se perfeitamente na base de alguns dos programas eleitorais de populistas e de extrema-direita

nomeadamente o programa eleitoral da AfD, sobretudo no leste da Alemanha que é cética em relação à U.E., e talvez pelos laços históricos influenciarem uma empatia cultural com a Rússia, muito embora residual. Porém, apesar de alguns grupos de extrema-direita estarem divididos entre uma posição

pró-russa (digo antes, pró-Putin) e uma postura pró-Ucrânia, quando falam aos seus eleitores os líderes de partidos nacionalistas radicais de direita, como Marine Le Pen e Matteo Salvini, condenam com mais ou menos veemência a intervenção de Putin.

Marine Le Pen foi colocada em janeiro de 2017 na lista negra da Ucrânia por ter defendido a anexação da península da Crimeia pela Rússia, em 2014, ato considerado ilegal pela comunidade internacional. O Governo ucraniano considerou que fez “declarações que reproduziam a propaganda do Kremlin, demonstrando desrespeito pela soberania e integridade territorial da Ucrânia e ignorar completamente os princípios fundamentais do direito internacional”.

Em abril de 2022, próximo da campanha eleitoral em França, Le Pen mudou o discurso e nas últimas semanas antes da ida às urnas, a candidata francesa obrigou-se a admitir que a invasão da Ucrânia por Moscovo foi “uma clara violação do direito internacional e absolutamente indefensável”, mas pediu uma “aproximação estratégica entre a NATO e a Rússia”, logo que a guerra terminar. Estranha estratégia que poderá ter levado Putin a deixar de elogiar e apoiar estes partidos.

Em março de 2022, houve um confronto televisivo no canal France2, principalmente focado em temas europeus, entre o secretário do Partido Democrata de centro-esquerda de Itália Enrico Letta e a presidente da RN - Rassemblement National, Marine Le Pen, candidata às eleições presidenciais. Neste confronto televisivo o líder do Partido Democrata censurou Le Pen ao dizer que “Os seus amigos eram Trump e Putin, um atacou o Capitólio, o outro bombardeou a Ucrânia. A sua política externa é um fracasso.”. Esta afirmação deixou Marine Le Pen e os políticos de extrema-direita e entusiastas de Putin numa difícil posição após a invasão da Ucrânia.

No meio de todas estas relações deu-se um novo desenvolvimento, resultado da guerra na Ucrânia, que poderá dar às democracias europeias uma nova visão democrática e alguma esperança para o futuro. Muitos dos políticos de extrema-direita da Europa, que há muito enalteciam e elogiavam publicamente Putin e o seu nacional-imperialismo, passaram a distanciar-se da ideologia que se apoia num “nacional-totalitarismo”, que o líder russo impõe ao seu povo pela mentira e pela censura e que pretende também impor a países soberanos.

O nacionalismo fornece aos ditadores a arma ideal para resistirem à democratização rejeitando, em nome do princípio da não ingerência nos assuntos internos, que a comunidade internacional ponha em causa o regime. Totalitário e censor no interior amordaçando o seu país e revolucionário para o exterior ao dizer querer libertar a Ucrânia do nacionalismo e do nazismo, o nacional-totalitarismo de Putin toca, assim, nas várias teclas das ditaduras ao mesmo tempo.

Ao mesmo tempo, na Europa, o nacionalismo da Ucrânia é apresentado como aceitável, opondo-se ao nacionalismo imperialista russo. A luta ucraniana pela manutenção da sua independência, soberania e identidade nacional pode ter como consequência, inspirar os nacionalistas de extrema-direita na Europa, fazendo com que ganhem força que, de certo modo, têm vindo a obter aproveitando como argumentação a luta pró-nacionalista.

Embora a situação da Ucrânia difira da dos movimentos independentistas regionais, estes podem argumentar contra a perda de soberania que, segundo eles, lhes é imposta pelos estados onde se integram. São exemplos a Escócia, o País Basco e a Catalunha. Argumentos idênticos também poderão dar impulso aos partidos políticos nacionalistas como o Rassemblement National em França, a Lega na Itália, a AfD na Alemanha e o Vox na Espanha, partidos implantados nos principais países europeus.

Vladimir Putin defende a construção de um mundo multipolar e rejeita as imposições da hegemonia global supranacional que ele e os seus seguidores identificam como sendo dos Estados Unidos da América. Mas, ao mesmo tempo coloca-se numa perspetiva de querer impor a sua própria hegemonia, para tal tem esperado pela desagregação da U.E. e da NATO para retirar os EUA do palco mundial numa tradução na política das teorias de Dugin. 

No entanto, não deixa de ser curioso e causar surpresa que Vladimir Putin no 25.º Fórum Económico Internacional de São Petersburgo que decorreu de 15 a 18 de junho de 2022 tenha dito que a Rússia não está preocupada que a Ucrânia possa obter o estatuto de candidata “porque a União Europeia não é uma organização militar“, isto é, não é uma ameaça para a Rússia como o é a NATO.

Muitos pró Putin que escrevem nas redes sociais, alguns deles conhecidos, e outros que comentam nas televisões, repetem, tal e qual o Kremlin e a propaganda russa, que a União Europeia perdeu a sua soberania política, e que as suas elites burocráticas estão a dançar ao som de outra pessoa (leia-se EUA e Biden), fazendo tudo o que é dito “do alto” prejudicando o seu próprio povo, as economias e as empresas. Repetem de outro modo o discurso de Putin que acusa o ocidente de russofobia. Acho que Putin está errado, o que se passa no Ocidente é a “Putinofobia” devido à sua política, quer interna, quer externa. Esperemos que os russos um dia, que seja breve, acordem do pesadelo que lhes induzem como se fosse de tranquilidade.

A candidatura para a adesão da Ucrânia à U.E., e posteriormente à NATO, parece-me ser politicamente enganadora. Não sabemos como a Ucrânia, a ser destruída pela invasão de Putin e ficando com o seu território parcialmente ocupado, irá conseguir cumprir as exigências para a adesão. Levanta-se uma dúvida: como é que futuramente Putin irá corrigir o conflito territorial com a Ucrânia e facilitar a sua adesão à União Europeia quando antes tinha, não sabemos se ainda mantém, intenções de contribuir para o seu desmembramento.

CONTINUAÇÃO