É provável que a invasão da Ucrânia tenha consequências ainda mais profundas do que a queda das Torres Gémeas. Resta saber se estamos preparados para isso.
Não é uma guerra quente, como nos anos 40. Não é uma guerra fria, como nos anos 50 a 80. É, chamemos-lhe assim, uma guerra morna, sem a brutalidade do confronto directo, mas também sem a separação das antigas cortinas de ferro – e com a temperatura a subir, dia após dia. Embora a Rússia não tenha o poder da União Soviética, este é o conflito mais grave para o mundo ocidental desde a crise dos mísseis de Cuba, e neste momento – com a mobilização parcial russa, com as explosões subaquáticas nos gasodutos Nord Stream, com os pretensos referendos nas regiões ucranianas ocupadas – é o conflito mais perigoso para a Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Quanto mais depressa tomarmos consciência disso e nos convencermos de que a Ucrânia fica mesmo aqui ao lado, melhor nos adaptaremos ao que está para vir. Não é uma crise. Não é uma recessão. Isso são apenas consequências e seus derivados. É uma guerra. Estamos em guerra.
Acreditem: não sou dado a estados de espírito apocalípticos e tenho uma natureza optimista. O mundo não vai acabar amanhã. Mas vai ser radicalmente diferente daquilo que é hoje. Menos global, menos conectado, menos interdependente, mais desconfiado, e, portanto, mais atreito à emergência de conflitos armados. Esta é a segunda vez no século XXI que a História dá uma guinada inesperada e brutal. A primeira vez foi no dia 11 de Setembro de 2001. A segunda vez foi no dia 24 de Fevereiro de 2022. É provável que a invasão da Ucrânia tenha consequências ainda mais profundas do que a queda das Torres Gémeas. Resta saber se estamos preparados para isso.
Infelizmente, não me parece que estejamos. Na lógica da escalada, as explosões nos gasodutos que atravessam o Báltico não são apenas um degrau – são um piso inteiro. Os especialistas garantem que apenas um Estado teria capacidade técnica, logística e financeira para organizar uma sabotagem de tamanha ambição e complexidade. Uma das explosões causou um impacto de magnitude de 2,3 na escala de Richter. Mas o pior impacto é outro – é imaginarmos o que poderá acontecer às nossas sociedades se no futuro as infra-estruturas subaquáticas que conectam os vários continentes começarem a ser atacadas a centenas de metros de profundidade; e fazer as contas do que poderá custar aos Estados se os cabos submarinos transatlânticos passarem a necessitar de vigilância permanente.
Esta é uma guerra morna que começa a queimar, e os governos têm – pelas razões certas – de assumir o fim do “viver habitualmente”. Há razões erradas, como fingir que a inflação só existe por causa da guerra, quando ela foi obviamente agravada pelo conflito, mas já existia antes, e deriva, em primeiro lugar, da chuva de dinheiro dos últimos anos. A guerra não deve servir de desculpa para as imprudências dos bancos centrais e para as insuficiências dos governos – ela deve servir, isso sim, para mobilizar os cidadãos para a absoluta necessidade de vencer Putin e atribuir à Ucrânia os meios necessários para fazer face às ambições russas. Não me refiro apenas a meios militares: sem um gigantesco auxílio financeiro, a Ucrânia enfrentará o colapso económico muito antes da Rússia.
Mobilizar a opinião pública para este combate é tarefa árdua. Haverá muito sofrimento, e o primeiro passo para o suportar é não nos enganarmos acerca daquilo que nos está a acontecer. O nosso bem-estar económico é um mero peão no xadrez da guerra. E, para citar o famoso mantra da Guerra dos Tronos, o Inverno está a chegar.