Educação no atual regime da Federação Russa, reescrita da história e o controle dos meios de informação e comunicação
Educação no atual regime da Federação Russa, reescrita da história e o controle dos meios de informação e comunicação
Ainda resta na Rússia oposição a Putin?
O que aqui escrevo não são invenções mais ou menos ao sabor da corrente das redes sociais nem das emoções que sempre acompanham a política. São opiniões é certo, mas também são pontos de vista baseados e fundamentados por factos cuja origem das fontes não omito, sejam elas do ocidente, sejam da própria Federação Russa.
Do meu ponto de vista a Rússia é um grande país e em vez de ter optado por mergulhar no passado como parece estará a fazer o seu líder, o Presidente Vladimir Putin, poderia ser um grande aleado da Europa após o desmantelamento do que restava da URSS o que poderia trazer-lhe vantagens económicas sem perder a sua importância geopolítica. Mas o seu objetivo é, à semelhança de Trump quando era Presidente do EUA, o de tentar dividir e desestabilizar a União Europeia e o Mundo sem até à data o conseguir.
Putin assim não pensou, prefere o antagonismo com o ocidente que de forma esquizofrénica vê como um inimigo que pretende invadir a Rússia. Pretende construir uma ideologia onde domina uma espécie de “neo-guerra fria”. Para poder controlar as potenciais consequências da invasão da Ucrânia utiliza mecanismos de controlo social que lhe sirvam para obter uma sociedade sem qualquer tipo de comportamento oposicionista que, para ele possa ser considerado desviante. Para tal, cria sanções para quem tenda a desobedecer a normas e regras por ele estabelecidas eliminando até adversários.
Passaram cinco dias desde que a agência de notícias estatal russa RIA Novosti informou que um avião particular onde viajava o chefe do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, explodira. Terão passado dois meses entre a tentativa de golpe de Prigozhin com a marcha a Moscovo e a explosão do avião onde seguia.
No mundo alucinado das redes sociais surgiram as mais diversas especulações e teorias da conspiração, como é habitual nas mais variadas circunstâncias. Acidentes com figuras que se opõem a Vladimir Putin, ou que já não lhe são gratos tem sido recorrente. O real esclarecimento deste caso ficará em aberto até um dia. Sabemos como os ditadores são prolíficos naquele tipo de ações. Tivemos também em Portugal, no tempo da ditadura de Salazar, casos de morte de adversários políticos que se opunham ao ditador.
Tem sido recorrente no mundo das redes sociais e noutros canais de comunicação alguns alucinados grosseiros e agressivos chamarem, “rebanho” ou “manada”, a quem segue padrões da mais normal convivência e que são ordeiramente discordantes, por não aceitarem as suas razões imbuídas de falsas racionalidades e não seguirem as suas aberrantes e deturpadas ideias. Esquecem-se esses de que, nesses contextos, são eles as “ovelhas ronhosas” do rebanho a que pertencem. Diz-se erradamente “ranhosa” por confusão com “ronhosa”, isto é, que tem ronha, uma doença, uma espécie de sarna que os ataca.
Estão naquele grupo incluídos os negacionistas anómalos e, também, os que por agora nos interessa, os apoiantes da invasão da Rússia governada pelo regime autoritário e ademocrático de Vladimir Putin e da sua entourage selvática que utiliza a propaganda, vigilância em massa e doutrinação para manter o controle político e ideológico.
São as ovelhas ronhosas que defendem, justificam e desculpam os objetivos de Vladimir Putin para a “operação especial” /guerra/invasão e destruição da Ucrânia que não é mais do que uma ação de terrorismo, embora ele acuse outros de serem eles a praticá-lo.
Passou-se do facto à fantasia e à mentira cometida pelos que escrevem, cometam e dizem estar a informar-nos e que acham estar na posse da verdade absoluta que não é mais do que mentira manifestada como verdade; e há os que os leem, ouvem, acreditam e absorvem como esponjas propagando depois as mentiras que julgam ser a verdade.
Alguns querem mostrar que são cientes do que dizem e gostam que lhes aprovem (com “likes”) as suas diatribes contra os que, dizem eles, são os responsáveis pelos acontecimentos e pelas circunstâncias, o ocidente, ainda que os factos revelem o contrário. Não fomos nós que fizemos, foram eles, não fomos nós que atacámos foram eles, os terroristas são eles não somos nós. Podemos exemplificar com o passado, por exemplo, a causa da guerra (II Guerra) não foram eles, os nazis, a causa foram os judeus.
Os panegíricos à dita “operação especial”, com narrativas justificativas e surripiadas a ditadores próprios de outras realidades servem os seus intentos. Esta gente é tão imprudente que pensa que nos impingem falsidades e argumentos rebuscados para nos conduzirem para o lado da sua manada, através de discursos retirados a outros que já os fizeram no passado. São os novos simpatizantes de autocracias totalitárias, da violência estalinista que se intitulam democratas, mas que apoiam invasões, genocídios e destruidores de um povo, quais “hitlers” do século XXI.
Recorrendo à agressão militar contra a Ucrânia, a Rússia violou normas e princípios fundamentais do direito internacional, bem como a Carta das Nações Unidas e a Ata Final de Helsínquia (1975). Também violou uma série de acordos bilaterais e multilaterais, incluindo o Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança relacionadas com a adesão da Ucrânia ao Tratado de Não Proliferação de armas nucleares (1994); Acordo de Amizade, Cooperação e Parceria entre a Ucrânia e a Federação Russa (1997); Acordo entre a Ucrânia e a Federação Russa sobre a fronteira entre a Ucrânia e a Rússia (2003) e muitos outros. A ocupação temporária russa da República Autónoma da Crimeia e da cidade de Sebastopol, bem como certos territórios das regiões de Donetsk e Luhansk, enquadram-se diretamente na definição de agressão de acordo com os parágrafos а), b), c), d), e) e g) Art.3 do Anexo da Resolução da Assembleia Geral da ONU "Definição de Agressão" (3314 (XXIX)).
Sobre os propósitos agressivos subjacentes à agressão russa basta rever as intervenções do antigo primeiro-ministro da Rússia Dmitry Medvedev e os selváticos apelos que faz, sem esquecer os do chefe da igreja ortodoxa russa Kirin e de Dugin um dos inspiradores filosóficos de Putin, assim como o de Vladislav Surkov, o ideólogo principal do Kremlin até fevereiro de 2020, vindo a ficar depois em prisão domiciliária. Pode ver desenvolvimento aqui ou aqui.
Enquanto se discutia a ajuda para a Ucrânia se defender dos ataques e bombardeamentos por ordem do Kremelin Medvedev afirmava que «Na base da NATO em Ramstein (Alemanha, abril de 2023) os grandes líderes discutem novas táticas e estratégicas, assim como o abastecimento à Ucrânia de novas armas e sistemas de ataque. Isto acontece depois do Fórum de Davos onde foliões “atrasados mentais” repetiram como um mantra: “para se conseguir a paz, a Rússia deve perder”».
A 30 de julho de 2023 escrevia Dmitry Medvedev no Twitter que «se a contraofensiva contra a invasão em curso da Ucrânia por Moscovo capturar o território russo, não haverá alternativa ao uso de armas nucleares estratégicas» oque pode ler aqui. É bom recordarmos que nenhum dos territórios da Ucrânia que a Rússia ocupou/anexou é reconhecido internacionalmente como separado da Ucrânia ou fazendo parte da Federação Russa, incluindo a Crimeia.
Em janeiro de 2023 Dmitry Medvedev, ex-Presidente russo, alertava e mostrava-se contra o envio de mais armamento à Ucrânia e chamava “foliões”, “atrasados mentais” e “miseráveis” a líderes dos países ocidentais. Escreveu em publicações no Telegram que “a nenhum desses miseráveis lhes ocorre retirar uma conclusão elementar: a derrota de uma potência nuclear numa guerra convencional pode provocar uma guerra nuclear”.
Não se ficando por aqui, em março de 2023 na sua conta pessoal do Telegram, Medvedev ameaçou disparar o “míssil hipersónico” Oniks desde o Mar do Norte contra o edifício que funciona como sede do Tribunal Penal Internacional, na cidade holandesa de Haia e, a 30 de julho de 2023 não se intimidou ao dizer que usaria o arsenal nuclear da Rússia para ameaçar a Ucrânia e os seus apoiantes ocidentais. Mais recentemente, durante o golpe fracassado do chefe da Wagner, Yevgeny Prigozhin, Medvedev disse que a rebelião poderia levar a uma guerra nuclear.
Ao escrever-se e interpretar Putin e a invasão da Ucrânia a partir dos seus discursos e declarações públicas, temos de imaginar tanto o que ele vê (pensa) assim como o que julga ver e distinguirmos ainda o que ele pretende que os outros vejam, quer dentro, quer fora da Rússia. Mais difícil ainda é tentar ver o que está a conceber, a recordar, quais as suas representações, o que lhe poderá estará a ser contado, e, ainda, a parte que cabe à sua fantasia de autocrata. A partir destas premissas poderemos fazer uma análise procedente das suas palavras nos seus discursos e intervenções, alguns mais ou menos ficcionados, para “venda” ao povo russo e ao Mundo. Só assim poderemos chegar ao significado das expressões verbais que utiliza nas suas das narrativas.
Um primeiro passo para conseguir verificar/analisar, pela leitura, os discursos de Vladimir Putin. Lemos, por exemplo, uma parte e poderemos ser levados a ver o que ele diz como se desenrolasse perante os nossos olhos ou, pelo menos fragmentos ou pormenores do que se passa no seu pensamento individual que diz também ser o do coletivo, isto é, do povo, que dele emergem. Podemos então formar um conjunto de analogias e de contradições conceptuais que nos podem levar à intenção de dar um sentido e uma lógica (normalmente, para nós, sem sentido) ao desenvolvimento da narrativa discursiva de Putin.
A fantasia de nacionalismo extremado é criada nos povos por governantes hipócritas e mentirosos e é escolhida tendo em vista a finalidade de serem as mais favoráveis e agradáveis que o povo quer ouvir. Isto é, criam-se no povo “imagens” previamente fabricadas através da informação em massa disseminada e controlada pelo poder para sedução do povo e que mostrem, evocando, ser essa a “vontade do povo”.
Para compreender muitas das circunstâncias que podem levar a uma aceitação do poder que fala em nome do povo é necessário que se tenha uma compreensão mais profunda da psicologia do povo russo, o que não temos. Mas é sempre possível obtê-la através da sua história social. Para quem está de fora torna-se difícil compreender o povo russo, a não ser através das narrativas dos seus governantes, dos documentos escritos e dos poucos órgãos de informação independentes estes, mesmo assim, sob controle.
Da revolução bolchevique até à segunda década do século XXI os russos têm vivido sob ditaduras e autocracias sem nunca terem chegado a viver numa verdadeira democracia liberal à semelhança do ocidente. Manteve-se uma expectativa com a “Perestroika” que poderia resultar numa aproximação com a Europa, mas que se foi perdendo. A existência de eleições não significa em circunstâncias mais ou menos totalitárias que haja escolha livre e democrática, pois o poder pode arranjar estratégias para controlar um qualquer deslise que fazer perigar e possa vir a substituir o regime instalado.
Tanto quanto se sabe pela informação que nos chega através dos media ocidentais e pela consulta dos órgãos de comunicação social russos a maioria do povo vive numa espécie de universo paralelo (ou único) de informação e é-lhe ocultada a guerra na Ucrânia (a que chamam operação especial!?) da mesma forma tal como a observamos no Ocidente. Para os russos foi-lhes imposta a ideia de que a (operação especial) invasão da Ucrânia pela Rússia é:
- uma operação militar fácil e limitada tendo em vista a libertação do “grato povo ucraniano dos nazis, e com poucas baixas entre os militares e o povo ucraniano”.
- O grande causador de todos os males é o Ocidente, isto porque lhes é induzida a compreensão do mundo em que “existe um Ocidente hostil que está obcecado em humilhar e enfraquecer a Rússia".
- Que o ocidente pretende invadir a Rússia.
Passou a ser difícil ao povo na Rússia “entender o que é verdade e o que é falso, ou quem está certo e quem está errado”.
Assim, para os objetivos de Putin havia que criar, tal como se criou na Alemanha nazi em relação aos judeus, a imagem de um inimigo. Esta atitude é instigada pelo poder tendo segundo estudos efetuados que consideram que pode
“ser considerada inerente à natureza humana, uma característica biologicamente determinada da psicologia social e um meio universal de mobilização de multidões, especialmente em situações de crise”.
(Mental bases of modern Russian society socio-political development; Yuriy D. Korobkov, Svetlana S. Velikanova, Irina V. Samarokova, Natalia V. Kozhushkova, Alexey Ivanov, Oksana P. Chernykh; Opción, Año 34, Nr. Especial 15 (2018): pp. 625-640).
Com a comunicação possibilitada pelas redes sociais e outros meios eletrónicos com alegações das alíneas anterior torna-se fácil a mobilização por via de notícias falsas. Passou a viver-se na era da viralidade mediática que contamina todos que a recebem um vírus por falta de ‘vacina’ que deveria passar pela análise critica e a confirmação da veracidade do que se lê, vê e ouve.
Segundo o Diário de Notícias que teve acesso à conferência "Pode a História da Rússia explicar o contexto para o entendimento da invasão da Ucrânia ou a guerra representa outro fenómeno?" organizada pelo Clube de Imprensa de Viena Concordia, o historiador russo Serguei Medvedev (nada tem a ver com Dmitry Medvedev, ex-primeiro ministro da Rússia), afirmou que «É preciso que o mundo, os países da NATO e da União Europeia percebam que estamos perante a Terceira Guerra Mundial e que a Ucrânia não é um conflito regional nas franjas da Europa porque o que está em jogo é o futuro da Europa e o futuro do Mundo. Considerou que a Ucrânia é ‘apenas um passo’ para Vladimir Putin desencadear a Terceira Guerra Mundial». «Está em jogo o futuro do Mundo. Temos de acabar o trabalho, porque 1945 é um trabalho incompleto. Na época havia duas ditaduras totalitárias (nazi e soviética) e só uma foi derrotada (Alemanha nazi) e a outra sobreviveu. Agora ressuscitou na forma tradicional. O "mundo" tem de derrotar a segunda ditadura, referindo-se à Rússia». «Só depois podemos ter confiança em relação ao futuro», sublinhou.
Na minha perspetiva esta é uma posição demasiado pessimista, belicista e que retira espaço a quaisquer negociações de paz
Todavia, é do conhecimento geral que Vladimir Putin, tomando como modelo outros ditadores do século passado (entre outros Estaline e Hitler) insiste levar a Rússia para o totalitarismo de um e o totalitarismo bélico de outro.
Para concretização de tais desígnios é necessário o controle da informação que são evidentes com o encerramento e a censura do que restava dos órgãos de comunicação independentes agravado com a criminalização de qualquer discurso diferente do oficial sobre a guerra. Para tal, em 4 de abril de 2022, o parlamento russo aprovou uma lei que torna a distribuição do que considerem ser "fake news" sobre a guerra. Neste caso para o Kremelin o que é verdade são "fake news". Isto é, quem publicar alguma coisa diferente da posição do Kremlin passa a ser punível até 15 anos de prisão como, por exemplo, dar nomes de guerra à guerra, sendo obrigados a usar o termo "operação militar especial" para se referir ao que acontece na Ucrânia.
As afirmações que se seguem foram feitas na Duma do Estado da Assembleia Federal da Federação Russa pelo presidente da Duma Vyacheslav Volodin que pode ver AQUI.
«Gostaria que todos entendessem – e a sociedade entende – que estamos a fazer isto para proteger os nossos soldados, oficiais, para proteger a verdade». Lembrou também que se a Rússia não tivesse lançado um exército especial numa operação de manutenção da paz, «uma guerra desencadeada pela OTAN começaria no território de Ucrânia em primeiro lugar, na linha de contato com a RPD - República Popular de Donetsk e LPR - República Popular de Lugansk o que, segundo Vyacheslav Volodin, implicaria milhões de vítimas e ajuda humanitária.»
Note-se que quer a RPD, quer a LPD apenas foram reconhecidas por três Estados membros da ONU até agora, Rússia, Síria e Coreia do Norte. Desaforo não lhes falta para mentalizarem e convencerem o povo russo das falsas verdades que eles criam.
Ainda de acordo com as alterações e segundo os proponentes da ação censória «a divulgação pública sob o pretexto de relatórios fiáveis informações conscientemente falsas e contendo dados sobre o uso das Forças Armadas da Federação Russa e a fim de proteger interesses da Federação Russa e dos seus cidadãos, mantendo a paz e a segurança internacionais, serão punidos com uma multa de 700 mil a 1,5 milhão de rublos». A prisão de até três anos também é possível.
Repare-se no argumento falacioso, entre outros, para justificação do diploma: “para proteger os cidadãos… mantendo a paz e a segurança internacionais”.
Veja-se ainda a menção de que
«Se a violação da lei foi praticada com o uso de posição oficial, por motivos de ódio político, ideológico, racial, nacional ou religioso ou por ódio ou inimizade contra qualquer grupo social, então a pena de prisão pode ser de até 10 anos. Os atos acima referidos, se tiverem acarretado graves consequências, será punível com pena de prisão de 10 a 15 anos».
Putin parece pretender construir uma espécie de “neoestalinismo” para voltar a fazer voltar a Rússia e o povo ao passado da ditadura que vigorou no tempo da URSS. Tal pode ser justificado porque, em 2017, as autoridades russas passaram a interferir e a insistir cada vez mais num discurso histórico, influenciado pela visão do Kremlin, segundo o qual, depois de ter sido abalada pela crise derivada do colapso da União Soviética, a Rússia deve ser novamente transformada num “grande Estado”.
Neste contexto parece estar em execução a lavagem dos crimes de Estaline. Num artigo da DW- Deutsche Welle, emissora internacional da Alemanha e um dos meios de comunicação internacionais mais conceituados, em 2017 afirmava: «o Kremlin defende que livros promovam a imagem de Estaline como patriota e modernizador».
As pesquisas efetuadas trouxeram-nos a confirmação de que as autoridades russas classificam de “prejudicial à saúde de crianças” um livro didático cujo autor, Andrei Suslov, professor de História na Universidade de Pedagogia e Ciências Humanas em Perm na Rússia, em2017 numa entrevista à DW disse que «escreveu o livro didático em 2015 junto com uma colega e que a obra teria sido editada pela organização russa sem fins lucrativos pelo Centro de Educação Política e Direitos Humanos», e que inclui temas sobre campanha violenta contra opositores nos tempos do líder soviético Estaline. As autoridades russas consideraram então que Aulas de História que tenham como tema críticas ao “Grande Expurgo”, a repressão violenta a opositores na era estalinista, são nocivas e classificam a obra de consulta como “prejudicial à saúde das crianças”.
O movimento ativista do “sut vremeni” (Essência do Tempo), movimento estalinista, provocou um alvoroço de protestos contra o livro didático, com o envio de cartas às autoridades. Pavel Guryanov, do comité local do movimento Sut Vremeni salientou que saúda a decisão da entidade reguladora russa dizendo que «O trabalho do Centro de Educação Política e Direitos Humanos em tais métodos de ensino é somente uma desculpa para as lavagens cerebrais políticas e ideológicas nas crianças em Perm, que ocorre em interesse dos patrocinadores estrangeiros dessa organização». Parece que, para aquele movimento estalinista, relatar factos históricos verídicos são lavagens cerebrais ao contrário da sua omissão-
O ensino da história sobre a era estalinista está na mira do governo russo tendo em vista a recuperação da imagem de Estaline. Parece claro que há fundamentação ideológica nesta pretensão quando o governo defende que livros didáticos promovam uma “educação patriótica” no sentido entendido pelo Kremlin.
Em 2007, o presidente Vladimir Putin mandou imprimir um livro de história em que Estaline, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética de 1922 a 1953, é descrito como «o mais bem-sucedido líder soviético de todos os tempos». Em 2015 no jornal online Insider, edição russa escrevia-se que «em qualquer livraria você encontrará armários inteiros com livros recém-publicados elogiando Putin, Estaline e expondo a conspiração do mundo nos bastidores».
Em 19 de julho de 2023 saiu na imprensa russa que a História que iria passar a constar nos manuais para o 11º ano seria reescrita e que no novo livro ensina-se que «A Ucrânia é um Estado neonazi» e que «A Rússia é um país de heróis». É por este manual que os alunos do ensino correspondente ao nosso secundário começarão a estudar a partir de setembro do corrente ano. É o livro único onde os autores destacam a era posterior a 1945 podendo ler-se na introdução que «O desenvolvimento progressivo da economia, combinado com as conquistas da ciência e da tecnologia nas décadas de 1950 e 1970, fez do nosso país uma das duas potências mais influentes do mundo.
A União Soviética atingiu patamares sem precedentes: abriu caminho para o espaço para a humanidade, alcançou conquistas impressionantes no desenvolvimento da ciência, da medicina e da educação». Isto é, nos novos livros didáticos sobre a história da Rússia, secções dos anos 1970, 1980, 1990 e 2000 foram completamente revistas e reescritas como afirmou Medinsky, assistente do presidente da Federação Russa e um dos autores dos livros didáticos.
Não se ficando por aqui a Rússia preparou este novo livro de história com uma secção sobre o que Putin chama a ‘operação especial’ o que foi confirmado em abril pelo ministro da Educação russo, Sergei Kravtsov, quando afirmou que «foi preparado um novo livro de história com seções sobre uma operação militar especial para o 11º ano».
A agência de notícias TASS que organizou em 7 de agosto do corrente uma conferência de imprensa dedicada ao lançamento do novo livro didático unificado sobre história geral e história da Rússia referiu que o ministro da educação enfatizou que «Hoje estamos a construir um sistema único de ensino soberano. Nesse sentido, o tema da história é fundamental.
Vladimir Putin, disse repetidamente que a memória histórica não deve ser distorcida porque «Devemos fazer tudo para que os filhos de hoje e em geral todos os nossos cidadãos se orgulhem de serem herdeiros, netos, bisnetos dos vencedores. Conhecemos os heróis do nosso país e da nossa família para que todos entendessem que isso faz parte da nossa vida.»
Os autores do novo livro didático afirmaram que o facto de o novo livro de história ser muito diferente daqueles que foram ensinados anteriormente na escola. Um dos autores, Vladimir Medinsky, ao apresentar o manual, anunciou que o livro "reescreveu radicalmente" a seção sobre a história da Rússia desde os anos 70.
O novo livro didático de história, é complementado não apenas com informações sobre a "Operação Militar Especial", mas também mostra a história da segunda metade do século XX de uma maneira diferente. Desde as primeiras páginas, transmite as opiniões que Vladimir Putin já havia declarado publicamente repetidamente: «Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que o colapso da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século», escreve-se no início do livro didático.
Segundo o canal de televisão da Rússia RBC, Putin chamou à "demonização excessiva" de Estaline um ataque à Rússia
Parece que o Kremelin está a querer voltar ao passado da ex-URSS e às características dos regimes totalitários, tempo em que eram feitas nas escolas ‘lavagens cerebrais’ às crianças e jovens, (por questões politico-ideológicas), através dos conteúdos, isto, de acordo com investigações efetuadas, e sem desrespeito para com a excelente serviço prestado pela educação pública na época.
A rescrita da história de acordo com os interesses dos regimes é deturpadora de factos e enaltece apenas o passado que lhes interessa. É o que parece estar a acontecer com a reabilitação do estalinismo, época que mostra ser da simpatia de Putin, apesar dele ter afirmado em 2017 que: «É claro que algo provavelmente permanece na mente, mas isso não significa que devemos esquecer todos os horrores do estalinismo associados aos campos de concentração e à destruição de milhões de nossos compatriotas». Segundo o mesmo órgão de comunicação russo e de acordo com uma pesquisa social realizada pelo Centro Levada em janeiro de 2017, a aprovação de Estaline entre os russos atingiu um recorde histórico em 16 anos. Se em março de 2016, 37% dos cidadãos russos o tratavam com "admiração", "respeito" e "simpatia", em 2017 era já de 46%.
No entanto há ainda alguns órgãos de comunicação que mostram pontos vista mais críticos sobre a forma como factos históricos são reescritos com uma visão unilateral da realidade omitindo e deturpando factos, tais como os Estados Unidos interferirem na Rússia e que o colapso da URSS foi um desastre. O que ficou provado é o contrário, a Rússia interferiu nas eleições de 2016 quando Trump concorreu para a Casa Branca.
As reformas nas narrativas históricas impostas pelo regime de Putin não são de agora já vêm de anos anteriores. Em 2017 Estaline é retratado na Rússia como patriota e modernizador. «O imenso número de vítimas trazido pela coletivização forçada da agricultura, pela industrialização imprudente e também pelo terror em massa nos anos 1930 é minimizado. A ditadura comunista é legitimada segundo o pretexto de que ela foi necessária no contexto da época. O ensino sobre a era Estaline «está na mira do governo russo», escrevia então a DW e tem contribuído para que Estaline tenha vindo a ser mostrado ao povo russo pelas autoridades russas como um patriota e modernizador.
Segundo a mesma rede de notícias, a Deutsche Welle, em 2017, Elina Ibragimova ca alertava num artigo que o livro didático foi alvo das autoridades russas pelo Roskomnadsor, Serviço Federal de Supervisão das Comunicações, que como anteriormente já referi, classificou a obra de consulta como sendo "prejudicial à saúde das crianças". Concluíram que as aulas de História sobre o “Grande Expurgo”, a repressão violenta a opositores na era estalinista, são nocivas. Foi uma forma de oculara a realidade história duma época.
Sob influência do Kremlin as autoridades russas têm interferido, cada vez com mais frequência, sobre os escritos históricos porque, ao ser abalada por uma crise devido ao colapso da União Soviética, acham que a Rússia deve ser transformada num "grande Estado". Para fundamentar esta pretensão ideológica o governo defende que livros didáticos promovam uma “educação patriótica”. Em 2007, o presidente Vladimir Putin mandou imprimir um livro de história em que Estaline, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética de 1922 a 1953, é descrito como “o mais bem-sucedido líder soviético de todos os tempos”.
A narrativa do Presidente manteve-se porque, numa entrevista que deu a Oliver Stone em junho de 2017, o conhecido realizador de cinema dos EUA, Vladimir Putin disse que a demonização de Estaline é uma das formas de pressionar a Rússia, é uma das formas de "atacar a União Soviética e a Rússia". Pode confirmar AQUI a afirmação. Em março de 2022 a revista norte-americana online Deadline Hollywood que divulga notícias da indústria do espetáculo escrevia que «Após a invasão da Ucrânia em fevereiro, Oliver Stone que tinha criticado os media por usarem o termo ‘invasão’ para caracterizar os planos da Rússia, reviu a sua posição» e, em 7 de março do mesmo ano, Oliver Stone passou a utilizar «agressão de Putin na Ucrânia» depois de dizer anteriormente que «não havia provas» de que a Rússia a pretendia invadir e concluía que «Embora os Estados Unidos tenham muitas guerras de agressão na sua consciência, isso não justifica a agressão de Putin na Ucrânia. Uma dúzia de erros não faz que um esteja certo. A Rússia errou ao invadir.»
O regime autoritário da Rússia aproxima-se mais dum regime totalitário que se caracteriza, entre outras, pela repressão política e violações dos direitos humanos onde, mais do que nos regimes autoritários, há uma absoluta falta de ideais democráticos e o culto generalizado da personalidade da pessoa que está no poder.
Com a iniciativa de um novo curso universitário através de formação online fica claro que a Rússia é um estado totalitário e que, no domínio da educação, se transformou num autêntico campo de reeducação dos jovens e das suas mentes. Este novo curso ideológico é constituído por palestras e esteve a ser preparado para ser imposto às faculdades e universidades russas e será ministrado sob a forma de vídeo aulas que pode consultar aqui.
Alguns desses vídeo-aula têm o título de uma frase muito usada por Vladimir Putin ao descrever a Rússia quando fala da sua história. Uma delas descreveu em 2012 «a Rússia como um tipo especial de Estado-civilização. Chamou a atenção para a simples verdade de que a Rússia não surgiu em 1917 ou 1991, e que tem uma história única e contínua de mil anos». Prossegue dizendo que «a Rússia é um "guardião do equilíbrio do mundo", cujo papel especial na história tem sido objeto de pensamento filosófico e académico há séculos. E veja-se onde chega a anomalia quando no contexto “de desejo da Rússia de expulsar o exército de Napoleão não apenas de seu próprio território, mas até mesmo da Europa” salienta que
Os europeus viam os soldados russos como invasores, pois não conseguiam entender que os russos eram motivados pelo autossacrifício em prol da própria liberdade dos europeus.
Para os autores do curso «o mundo multipolar imaginado pelos autores tem um total de sete polos: Ocidental, Cristão ortodoxo, Extremo Oriente, Hinduísta, Árabe, Iraniano e Chinês.» Acrescenta então que «o Ocidente "sempre foi hostil à Rússia". A cultura europeia, diz o vídeo, há muito "reproduz clichês de russofobia" que apresentavam a Rússia como um "país enorme e selvagem, onde ursos vagueiam pelas ruas" e os naturais "arrastam a sua sopa de repolho com sapatos como colheres"».
Por aqui vemos a subjacência na filosofia marginal e a ideologia oficial com Alexander Dugin a passar a ideólogo[1] que é a chave do Kremelin. Enfim, o centro das palestras para os estudantes universitários centra-se na frase «O mundo russo não pode ser contido por fronteiras estatais» e que «a Rússia é uma civilização em si mesmo».
Se lermos extratos de artigos sobre a história da Rússia no tempo da URSS no século XX, a política oficial sobre a memória da União Soviética ou da Rússia em relação aos crimes do Estalinismo, verificamos que passou por várias fases bastante diferentes: se houve períodos onde predominava a desestalinização houve outros de reestalinização de Khrushchev e Brejnev. A resolução de 8 de outubro de 1959, relativa às aulas de história nas escolas[2], dá algumas informações interessantes sobre a política de memória daqueles dias. Embora se peça aos professores que separem o regime de Estaline da tradição e da função histórica do partido comunista a ideia e o princípio fundamentais da historiografia permaneceram intactos. As aulas de história nas escolas e universidades deveriam manter o papel das massas como os verdadeiros criadores da história e do Partido Comunista como o poder de liderança, controlo e direção da sociedade soviética, tal como os princípios marxistas-leninistas.
Uma abordagem pró-comunista no início da “glasnost”[3] e da “perestroika”[4], com ênfase na demonização de Estaline em prol do movimento comunista, foi removida por uma abordagem anticomunista o que resultou no colapso da União Soviética.
No entanto, atualmente, uma abordagem crítica ao passado da Rússia foi substituída por um “consenso patriótico” como afirma Sperling, 2001,
«A busca da sociedade russa por uma identidade pós-soviética, que durou mais de uma década, parece ter chegado ao fim e culminou no 'consenso patriótico'» e ainda sobre «o retorno nostálgico à era imperial e a crescente apropriação do passado soviético" na publicidade e no marketing antes mesmo do início da ascensão de Putin».
«Nos Estados totalitários o objetivo da história é incorporar a comunidade atual numa tradição longa e gloriosa que deverá vincular os membros da comunidade a esta tradição. Os acontecimentos históricos que apoiam estes propósitos são conservados pele moldagem cultural e por políticas de memória. Os eventos ou acontecimentos históricos que perturbam a imagem do estado totalitário são removidos e destruídos por revisões da história.»
Desde o tempo da ex-URSS para o efeito de estabelecer o culto do herói na sociedade, há longas décadas que tem sido feita a instrumentalização política e ideológica da Segunda Guerra Mundial. A Segunda Guerra Mundial, a Grande Guerra Patriótica, como é tem sido designada na Rússia, é uma forma de instrumentalização política que continua ainda a ser feita anualmente na Rússia com grande pompa de poderio militar. As mortes causadas são transformadas em estereótipos de pessoas heroicas confiando no futuro, tendo em vista o que era a ex-União Soviética e nos seus valores da supremacia cultural que continuam na Federação Russa. Os soldados tornaram-se no tema mais significativo do mito do herói soviético.
Breves pesquisas mostraram que esta ilustração dos soldados se enquadra na estrutura da memória cultural desenhada pela história da época estalinista. Acontecimentos e factos como o pacto Hitler/Estaline, o assassinato dos oficiais polacos em Katyn, o medo da morte dos soldados, a brutalização na guerra, o péssimo equipamento militar, a falta de comida e inúmeros suicídios nos esquadrões, não entram nesta escrita da história da Rússia. (Stalinism, Memory and Commemoration: Russia’s dealing with the past; Christian Volk, 2009).
[1] Neste arigo refere-se a influência ideológica de Dugin em Putin.
[2] Este documento tornou-se inválido no território da Federação russa em ligação com a publicação do Decreto do Governo da Federação Russa datado de 03/02/2020, nº 80
[3] Glasnost, (em russo: "abertura") política soviética de discussão aberta de questões políticas e sociais. Foi instituído por Mikhail Gorbachev no final da década de 1980 e iniciou a democratização da União Soviética.
[4] Perestroika, (russo: "reestruturação") programa instituído na União Soviética por Mikhail Gorbachev em meados da década de 1980 para reestruturar a política econômica e política soviética. Procurava equiparar a União Soviética economicamente a países capitalistas como Alemanha, Japão e Estados Unidos, Gorbachev descentralizou os controles económicos e encorajou as empresas a autofinanciarem-se.