Impulso e tentação para atribuição de culpa a outros
Há uma frase interessante na série animada dos Simpsons, no episódio número 7 de 1989 cujo título é “Marge Gets a Job” onde podemos ver e ouvir Homer a dizer à Marge: “Se fizeres algo errado na fábrica da central nuclear, culpa o ‘gajo’ que não fala inglês”.
Quando emitimos opiniões contrárias ou fazemos críticas em relação a opções tomadas por um determinado governo é porque estamos a virar para a direita, para a extrema-direita ou para a direita radical conservadora. No caso inverso é porque estamos a virar para a extrema-esquerda ou para a esquerda radical.
Em síntese, concordo com soft direitinha Maria João Marques quando escreve que “se se desalinhar dos mantras da esquerda, já se está na extrema-direita; se se mencionar um problema ao qual o Chega devote atenção, está-se a sucumbir à extrema-direita.”
Quando, por exemplo, alguém emite uma crítica sobre opções ou práticas governativas do partido que está no poder é comum os votantes, simpatizantes e militantes dizerem que tudo está a correr bem e até muito melhor do que durante o governo anterior. E do que está mal a culpa é também do governo anterior.
No confronto político partidário há sempre discordâncias nos princípios e nas orientações das políticas e opções governativas garantidas por preferências ideológicas e partidárias, sejam elas mais à direita, mais à esquerda ou mais ou centro.
Há um impulso para os políticos e os seus adeptos partidários que sobrevive nas suas mentes que é a tentação de atribuir a culpa a outro ou a outros, normalmente a partidos que estiveram no poder. Esta tentação de atribuir a culpa a outro ou a outros acontece não acontece apenas entre políticos, acontece também tanto na vida privada como na vida coletiva.
Quando é manifesta a incapacidade dum governo surgem da parte de alguns comentadores e artigos de opinião da área desse executivo as mais diversas desculpas tais como está há pouco tempo a governar; as coisas vieram tão mal do anterior governo que ainda não foi possível melhorar; a oposição não os deixa governar, etc. Por vezes assim é, mas a desculpabilização das incapacidades governativas pelo que os anteriores fizerem ou deixaram de fazer é o pretexto mais comum.
Lembremo-nos da altura em que foi proferida frase «Deixem-me trabalhar!» e outra de que a oposição eram «forças de bloqueio». Ainda recentemente, em setembro do corrente, Pedro Duarte do PSD pedia no parlamento «Deixem-nos continuar a governar».
Quando surgem críticas a ministros(as) pelas decisões tomadas ou pela desorganização dos serviços que dependem dos seus ministérios, como o é nomeadamente a saúde, as justificações surgem de imediato com vozes que se libertam como se de um clube de futebol se tratasse que culpabilizam o árbitro pelo mau desempenho do jogo e com a desfaçatez de insistirem na defesa e insistência do que claramente são opções erradas.
As contradições entre o que foi prometido durante a campanha eleitoral são evidentes e a desculpa para tal repete-se: ainda não tivemos tempo, só cá estamos há 9 meses. Na campanha dizia-se que, o que estava mal, claro, por culpa do governo anterior seria resolvida nos primeiros meses. Só que, nesses mais de 9 meses muitas decisões precipitadas fizeram com que as coisas piorassem, mais ainda do que durante o governo anterior, especialmente no domínio do Serviço Nacional de Saúde. Para o lado da ministra Ana Paula Martins, o caso está agreste porque preferiu compadrios e clientelas ao saber e à competência.
Mas esses obstinados não se ficam por aqui quando as coisas não se circunscrevem ao pensamento defensivo do seu clubismo ideológico e partidário, e perante o escrutínio da comunicação social, recuperam os argumentos do costume contra os media e os jornalistas. Quando a comunicação social não corresponde às suas expectativas o jornalismo, os jornais e os jornalistas são todos de esquerda, ou são todos de direita conforme os casos e o partido que está no poder. Estes são os princípios e os argumentos duma visão única em que a razão está apenas dum lado. Claro que algumas dessas críticas poderão ter algum fundamento, mas não devemos generalizar. Geram-se atitudes maniqueístas em que só a direita, ou só a esquerda, é que estão certos. Quem não esteja no âmbito das suas perspetivas e expectativas estão errados. Acham que ideológica e politicamente estão na posse da verdade absoluta e indiscutível.
Há uma espécie de dissonância cognitiva em política, isto é, a existência dum conflito entre crenças e opiniões políticas e as ações efetuadas ou decisões tomadas o que pode gerar desconforto mental e levar a pessoa a justificar ou a racionalizar as suas ações para reduzir a dissonância. Igualmente verifica-se quando se apoia um candidato ou um governo que, posteriormente, toma decisões contrárias às suas promessas de campanha. É ainda um fenómeno comum em debates políticos, onde argumentos contraditórios podem levar os participantes a reavaliar as suas posições e, eventualmente, a mudar de opinião.