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No início do mês de maio veio à tona na comunicação social um caso típico de visibilidade que envolve José Castelo Branco. Este ser híbrido, qual personagem circense autocriado para animar o espetáculo da comunicação ao longo do tempo, umas vezes mais dos que outras, tem tido a visibilidade que os media, sempre atentos a casos de escândalo, lhe concederam e agora voltam a conceder a honra de produto de venda, desta vez por causas gravosas.
Outra novidade típica que tem por detrás a visibilidade foi a surpresa da indicação pela AD de Sebastião Bugalho para cabeça de lista para as eleições europeias.
Trago estes dois casos atuais a propósito da releitura que fiz do livro de Ítalo Calvino “Seis Propostas para o Próximo Milénio”, precisamente o capítulo 4 que trata do tema “Visibilidade”, trouxe-me a ideia de escrever sobre este tema que, cada vez mais, está presente como uma necessidade absoluta de setores da nossa sociedade. Este meu texto, que nada tem a ver com a profundidade que Ítalo Calvino lhe reservou, serviu só para introduzir o propósito do meu tema.
Ítalo Calvino começa a sua conferencia sobre “visibilidade” a partir de um verso do capítulo do Purgatório da Divina Comédia de Dante onde diz que “Chove dentro da minha fantasia”.
*Tradução livre: então, choveu na mais alta imaginação.
Escreveu Calvino que a “fantasia é um lugar onde chove lá dentro”. Quer ele dizer que é uma metáfora para um buraco onde chove. Calvino interpreta que “Dante está a falar das visões que se apresentam ao autor (Dante), quase como projeções cinematográficas ou receções televisivas num visor separado daquela que para ele é a realidade objetiva de sua viagem ultraterrena.”
A metáfora de Calvino sugere uma visão da fantasia como sendo um lugar interior onde chove. É possível pensarmos que está a referir-se à capacidade da imaginação humana para criar mundos fictícios, histórias e personagens dentro da mente sobre si próprio ou sobre outros e onde “chove lá dentro". Porquê “chove lá dentro”? Porque a chuva enquanto elemento climatérico é frequentemente associada a emoções que sentimos como melancolia, tristeza ou num aspeto mais otimista como renovação, o que faz renascer a vida. Sem a água da chuva nada existiria. A metáfora de Calvino salienta a riqueza e a vitalidade da experiência fantasiosa que é uma maneira poética de descrever a capacidade humana de criar e imaginar mundos que não existem na realidade, mas podemos imaginarmo-nos neles e sermos conhecidos por isso.
Claro que a interpretação de Calvino sobre a sensibilidade e visibilidade imagética não corresponde àquela sobre a que vou debruçar-me. Vou centrar-me na corporização ou objetividade da realidade pelos media e nos artifícios de que se servem indivíduos, grupos, políticos e empresas para conseguirem visibilidade para um negócio, para efeitos de marketing, para umas eleições, para defesa de ideias, para captação de atenções, sobretudo nas emissões televisivas, redes sociais, eventos e até mesmo em manifestações das mais variadas origens e tendências.
O senso comum atribui à palavra visibilidade, conforme definição que consta dos dicionários e também no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, o “caráter, condição, atributo do que é ou pode ser visível, ser percebido pelo sentido da vista”. Mas visibilidade é também o estado do que é visível que, no sentido figurado, corresponde ao que é percetível, manifesto, evidente ou aparente. Assim pode ser pela aparência, ou seja, pelo aspeto que julgamos pessoas ou coisas.
O anseio por visibilidade traduzida na necessidade de ser conhecido, de dar nas vistas, mesmo que por maus motivos, através dos media de grande difusão tem vindo a crescer nas últimas décadas e a proporcionar fantasias e exibicionismos cada qual a mais disparatada, tudo no sentido de dar nas vistas, de ser falado, de ser conhecido.
Seja qual for a definição que encontremos para visibilidade verificamos que é um conceito chave que está implícito na qualidade ou estado do que é visível, ou de se tornar visível, e pode conter todos os tipos de noções preconcebidas, equívocos, muitas experiências e histórias pessoais que tem o propósito e o potencial de moldar e afetar a nossa faculdade de julgar. Na política acontece o mesmo, sobretudo em épocas de campanhas eleitorais como a que atravessamos com o objetivo de influenciar potenciais eleitores.
Quando se ouve que alguém está a disputar por "visibilidade" associamos a procurar ficar conhecido por alguma coisa, projetar uma certa imagem pessoal, tornar-se publicamente visível através de qualquer suporte de difusão de informação seja rádio, televisão, imprensa, publicação na Internet, videograma e de plataformas de redes sociais, meios intermediários para transmissão de mensagens escritas, por áudio ou por imagem. Neste âmbito encontram-se os chamados influencers, mas também políticos e partidos e concorrentes a programas televisivos como “Big Brother”, entre outros.
Um influencer é alguém que é capaz de persuadir muitas pessoas, por exemplo, nas redes sociais cativando seguidores e levá-los a fazer comprar ou a usar as mesmas coisas, seja lá o que for, que dizem ter já adquirido e usado. Na política surgiu agora também um jovem lançado pela AD como cabeça de lista para as eleições europeias, Sebastião Bugalho, jovem cuja visibilidade construída tornou-se incontrolável de um dia para o outro.
Os influenciadores digitais em qualquer área nomeadamente na política usam a persuasão psicológica e a reciprocidade, para influenciar seus seguidores. Os consumidores precisam de estar atentos às táticas psicológicas usadas pelos influenciadores. Os seguidores entram numa espécie de êxtase perante os influenciadores, num desejo de querer ser como eles e adquirirem o mesmo. A estratégia é: “eu já usei e gostei muito é eficaz”; “quando experimentei esta roupa nem queria a creditar. E for barata, podem ver e comprar em XXXX”.
Estes influenciadores(as), são pagos ou recebem produtos gratuitos em troca de divulgação de produtos. Ter seguidores corresponde a ter visibilidade virtual. E se for em videograma a visibilidade pode tornar-se quase como uma identificação.
Processos imaginativos de marketing comercial, político e partidário estão por detrás de toda uma parafernália de meios servidos para obtenção de visibilidade. Esses processos imaginativos, como dizia Ítalo Calvino distinguem-se entre “os que partem da palavra e chegam à imagem visual e os que partem da imagem visual e chegam expressão verbal”.
Quando lemos num romance uma determinada passagem, lemos numa reportagem dum jornal um certo acontecimento, somos levados a ver a cena como se ela de desenrolasse aos nossos olhos. Isto porque pensamos por imagens. Daqui a importância da imagem para a visibilidade mediática. Com mais relevância ainda quando vemos e ouvimos esse acontecimento num canal de televisão.
António Damásio, neurocientista português tem estudado a relação entre emoções, sentimentos e cognição. Ele defende que a imagem mental é uma parte fundamental do pensamento humano, argumentando que a imagem mental é uma representação sensorial que nos permite simular experiências e eventos nas nossas mentes. Essas imagens mentais são criadas a partir de informações captadas pelos sentidos que recebemos do mundo ao nosso redor e são armazenadas em nossos cérebros[1].
Em certos programas televisivos, filmes, e em imagens e vídeos lançados para as redes sociais essas imagens são arquitetadas para invocar sentimentos que produzam emoções que ficam gravados na memória de quem os vê. Posteriormente podem ser solicitadas e induzir o individuo a uma compra, a uma ação ou a uma atitude idêntica ao que lhe ficou gravado na memória, tanto mais quanto mais tiver como intermediário alguém que tenha visibilidade.
A visibilidade mediática excessiva pode conduzir ao vedetismo de quem a ela for sujeito, até mesmo na política. De algum modo a visibilidade pode traduzir-se em vedetismo por cedência à tentação do exibicionismo; de dar nas vistas. O vedetismo manifesta-se nas palavras, nos atos, enfim, nas atitudes e comportamentos plenos de sentimentos de vaidade e de superioridade. O que importa é andar no topo, é aparecer nos jornais e marcar presença nas rádios e nas televisões, e, claro nas redes sociais, como o Instagram e outras, procurando ser diferente, mesmo através do disparate. É nisto que que se baseiam quem fica responsável e preparam as campanhas eleitorais dos partidos políticos.
Há também os influencers que procuram evidência e visibilidade e que, com isso, têm a capacidade de alterar, moldar opiniões, decisões ou comportamentos de outras pessoas e exercida em diferentes esferas, como política, social, económica, cultural, comercial, etc. A influência muitas vezes está ligada à visibilidade e ao poder de persuasão, assim, indivíduos ou organizações desde que tenham visibilidade podem ter maior potencial de influência.
O influencer ao passar a vedeta tem a preocupação de mostrar ser ela quem sabe e quem tem a última palavra. Para sobressair atropela regras que deveria respeitar e altera textos que deveria manter inalterados. O vedetismo leva à instrumentalização de pessoas, para que a coloquem no auge; a vedeta paga generosamente aos que dela falam e apregoam os seus feitos. Recorre ao serviço de bajuladores profissionais. Como esse é um modo fácil de levar bem a vida, há quem lhe faça o frete. É tudo uma questão de preço. Há também os media, sobretudo as televisões que ajudam à promoção de influencers concedendo-lhes visibilidade e, consequentemente ao seu negócio digital.
De facto, a visibilidade, o vedetismo e os(as) indivíduos(as) que se intitulam de influencers são um buraco onde lhes chove lá dentro isto porque servem-se das fantasias de outros que é uma espécie de local onde estão presentes as emoções onde há uma experiência íntima e profunda que os leva a serem influenciados por desejos e necessidades.
Para finalizar sugiro que se tenha em conta que um partido ou uma pessoa que se candidata, por vezes enfadonhos, cresçam devido à importância que a comunicação social lhe concede. Não é favorecido pelo savoir faire (competência adquirida através da experiência em problemas práticos, no exercício de uma profissão), capacidade de liderança, de governo, formação dos seus intervenientes, coerência, programa político, mas tem importância na medida em que lhe dão importância. Trata-se de uma política feita de visibilidade, e não de governabilidade. A imagem vale mais que o conteúdo, e isto é uma pobre resposta coerente com uma geração que passou a valorizar mais a imagem do que o texto, a prevalência da aparência sobre o conteúdo. Será este o caso de Sebastião Bugalho?
[1] Damásio, A. (2010). O Livro da Consciência-A Construção do Cérebro Consciente. (L. O. Santos, Trad.) Círculo de Leitores.
As preocupações políticas do país estão viradas para os debates entre os candidatos às eleições europeias do dia 9 de junho e para a propaganda do Governo que está a querer mostrar que já fez e que faz, mas que ainda não fez. A questão do disparate de André Ventura sobre o povo turco e os comentários dele derivada já lá vão. O texto que escrevi sobre este tema já devia ter sido publicado, mas acho que ainda vai bem a tempo.
Às vezes parece-me que estamos no início da Revolução do 25 de Abril de 1974, no tempo do em que a embriaguez da liberdade encontrava por todos os lados a arma da proibição de toda e qualquer coisa que pretendia desmantelar. Era o desplanto derivado do banho da liberdade.
Em 1968 Caetano Veloso lançou o seu primeiro LP individual, intitulado Caetano Veloso. Um dos factos mais marcantes da sua carreira também aconteceu neste período quando apresentou que “É proibido proibir” e discursou sobre o conservadorismo do público que, entretanto, o vaiava.
A letra é um manifesto contra a censura e a limitação da liberdade de expressão, elementos fortemente presentes no contexto político brasileiro da época em que foi lançado no final dos anos 60.
Quando leio as várias opiniões para todos os gostos e opções ideológicas que foram debitadas na comunicação social sobre a frase de André Ventura fiquei perplexo. André Ventura afirmou numa das suas intervenções na Assembleia da república que “O aeroporto de Istambul foi construído e operacionalizado em cinco anos, os turcos não são propriamente conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo”. Foi a frase sublinhada a que incendiou o Parlamento, logo seguida de protestos.
Em primeiro lugar a frase que apenas mostra a ignorância de quem a proferiu porque as estatísticas da OCDE mostram a inveracidade da informação que preparou ou inventou. Contudo, pode trabalhar-se muitas horas e ser-se pouco trabalhador em termos de eficiência, mas isso é outra questão.
O líder parlamentar do BE, Fabian Figueiredo veio de imediato defender que “atribuir características e estereótipos a um povo não deve ter espaço no debate democrático da Assembleia da República”. A esta afirmação seguiram-se apreciações do Presidente da Assembleia da República, Aguiar-Branco, “Não concordo, porque o debate democrático é cada um poder exprimir-se exatamente como quer fazê-lo. Na opinião do presidente da Assembleia, os trabalhos estão a ser conduzidos assegurando a livre expressão de todos os deputados, não tem a ver com o que penso pessoalmente, não serei eu o censor de nenhum dos deputados”. Os protestos das bancadas, opiniões e pontos de vista gerados sobre as intervenções houve-as para todos os gostos.
Repare-se que a frase pronunciada por André Ventura, base da polémica, foi retirada dum contexto e não parece ser ofensiva. É a opinião dele que, como qualquer outra, pode estar certa ou errada dependendo dos pontos de vista como qualquer conversa política de mesa de café, como é quase sempre a de Ventura. Assim, pareceu-me que a polémica gerada está demasiado exagerada se tivermos em conta os conceitos de racismo e xenofobia geralmente aceites.
Questões, levantadas em contexto parlamentar e fora dele, acerca de discursos de ódio, racial, xenófobo, entre outros, sobretudo nas redes sociais têm gerado várias polémicas e apresentam carga muito mais forte de racismo e de xenofobia e com efeitos mais nefastos, mas, neste caso, há apenas preocupações casuais.
Os conceitos de racismo e de xenofobia estão a ser demasiado chamados para a disputa ideológica sem que se tenha em consideração os seus verdadeiros significados.
Antes de continuar convém esclarecer os conceitos de que parto sobre racismo e xenofobia para assentar os meus pontos de vista. Racismo tem por base ideias ou teorias de superioridade de uma raça ou grupo de pessoas de uma cor ou origem étnica, ou, doutro modo, que há etnias superiores a outras. Também pode ser o preconceito que leva a ver como inferiores os indivíduos de etnia diferente. A xenofobia é o medo, desprezo ou ódio em relação a pessoas de outras nações ou culturas. Isso inclui manifestações culturais, língua ou qualquer coisa associada ao que é estrangeiro. Uma das variantes comuns da xenofobia é baseada em distinções raciais, ou seja, no racismo. Uma e outra atitude pode variar desde violência extrema (como assassinatos e espancamentos) até formas mais brandas de rejeição.
A frase proferida por André Ventura, embora possa ter por base algo ténue daqueles dois conceitos não tem a carga sociopsicológica que lhe foi atribuída. Não houve incitamento ao ódio, pelo menos neste caso, também não me parece que houvesse grave injúria. Foi um raciocínio infeliz de analogia mal escolhida.
Uma deputada do PS questionou o Presidente da Assembleia da República da seguinte forma: se “disser que uma determinada raça ou etnia é mais burra ou preguiçosa também pode?” Aguiar-Branco disse que “pode”.
Ora bem, será o povo turco de que raça? O deputado André Ventura tanto quanto verifiquei nem utilizou o termo de raça, falou genericamente em turcos, como poderia ter falado noutro qualquer povo. Apesar do racismo poder ser definido de muitas maneiras, no entanto, o conceito "racismo" pressupõe a existência de raças diferentes. O considerando da Diretiva 2000/43/CE (Diretiva relativa à igualdade racial) refere que “a União Europeia rejeita teorias que tentem determinar a existência de raças humanas distintas”.
Mas voltemos ao caso da frase de Ventura que me pareceu despropositada para dar lugar a tanta polémica. O disparate, propositado ou não, ou até mesmo um insulto resultam, neste caso em concreto em créditos de protagonismo a quem o proferiu, e Ventura aproveitou essa vantagem mais uma vez.
Quando passamos numa rua e vemos gritaria e gestos provenientes de rufias estes produzem um efeito; ao pararmos, olharmos, vermos e ouvirmos é porque produziram efeito. Vemos também que há um segmento da população que aclama e outro que se insurge. O mesmo se passa no Parlamento com o Chega ou com qualquer outro deputado de qualquer outro partido.
A sensatez parece ter deixado de ser o atributo da atualidade, graças às tecnologias da comunicação das redes sociais onde se privilegia a agressividade e a estupidez dos arruaceiros. A liberdade de expressão não quer dizer que podemos inventar mentiras e espalhá-las. Este direito traz também responsabilidades e devemos ter sempre em conta a verdade daquilo que dizemos e o respeito pelos outros o que pressupões escalonamentos tipificados para tal.
Onde acaba a liberdade de expressão e quais são os seus limites foi a discussão a que se assistiu, no Parlamento e nas opiniões várias na comunicação social o que nós vimos foi a esquerda a atacar a interpretação do conceito de liberdade de expressão do presidente da Assembleia da República e a direita a defendê-lo.
Segundo alguns estudos a liberdade de expressão não pode ser reconhecida como sendo absoluta deverá ter limitações e devem estar relacionados com difamação, calúnia, obscenidade, pornografia, incitamento à rebelião, palavras que induzam ao combate, discurso de ódio, incitamento ao crime, informações classificadas.
No entanto, governos em todo o mundo rotineiramente prendem pessoas – ou pior – por falarem, mesmo que a Constituição de quase todos os países se refira ao valor da "liberdade de expressão".
Os governos têm o dever de proibir discursos de ódio e incitamento, mas muitos abusam de sua autoridade para silenciar a dissidência pacífica, aprovando leis que criminalizam a liberdade de expressão. Isso é feito. Exemplos podem ser visto na Rússia, Irão muitas vezes em nome do contraterrorismo, da segurança nacional ou da religião. Mais, recentemente, a liberdade de expressão tem sido ameaçada pelas autoridades que reprimem ativistas o que aconteceu na Federação Russa com um novo projeto lei adotado pela câmara baixa do Parlamento da Rússia proibindo a colaboração com organizações não-governamentais estrangeiras, ONGs.
Com esta polémica André Ventura ganhou mais este jogo que lhe proporcionou, mais uma vez, palco. A desmontagem através de argumentos crítico que desmascarassem a mentira bastava a prova de que os turcos trabalham mais horas por semana do que os portugueses.
Em junho de 2023 escrevi neste mesmo blogue um texto a que atribuí o título “Em defesa do discurso de ódio?!” em que criticava quem abria as portas em absoluto à liberdade de expressão. Escrevi então que “Os que têm as mesmas opiniões defendem-nas e defendem-se uns aos outros, embora por caminhos argumentativos diferentes. A direita, e sobretudo a extrema-direita, é useira e vezeira nisso, defende com toda a gana toda a liberdade que a democracia lhes possibilita, mas quando um dia chegam ao poder é a chuva de críticas sobre a tal dita liberdade. Quando estes mesmos são os visados e o discurso de ódio lhes toca e ficam a braços com acusações torpes e ofensas ao seu bom nome e dignidade, a liberdade de expressão ilimitada que defendem é logo posta em causa. Elaboram discursos com propostas para se limitarem esses abusos e, perante tal libertinagem da expressão de pensamento, que defendiam/defendem colocam-se em bicos dos pés em prol da criminalização de tais discursos ofensivos.” E acrescentava que “A questão de fundo é a de sabermos se a liberdade de expressão de pensamento e os discursos de ódio não devem ser limitados, mas se devem ser absolutos como defendem os seus apologistas. Afinal, deve haver limites à liberdade de expressão? Quando é para interesse próprio, não, quando é para interesse de outros, sim.” Será esta a conclusão.
Há países que ainda permitem uma variedade muito grande de discursos e ações com diversos espectros ideológicos. As democracias devem restringir discursos precursores de intolerância e de ódio que incitem à ação. A questão é descobrir como restringir, banir ou punir apenas e a de arranjar a solução certa.
É difícil para as democracias liberais centrarem-se nos discursos de grupos e de partidos realmente perigosos deixando o campo de ação o mais amplo possível do que é permitido. Numa primeira fase, algo terá de ser feito.
Li um artigo de Inês Teotónio Pereira no jornal Sol (Inês Teotónio foi deputada à XII Legislatura pelo CDS-PP). Não sou nada virado para os pontos de vista da direita, mas também não sou maniqueísta, isto é, no universo da política não tenho a conceção de que haja uma dualidade básica entre opostos inconciliáveis: direita como bem, e esquerda como mal, e vise versa. Assim, incluo este artigo que me parece ser, de facto, o que se está a passar no sistema educativo.
Por outro lado, o respeito que os professores exigem nos cartazes que apresentam nas greves, paralisações, manifestações e protestos não deve situar-se apenas numa questão de carreiras e mais dinheiro nos bolsos. O respeito e a dignidade a que têm direito, inerente à própria profissão que exercem, deve ser exigido, sobretudo, aos alunos e aos encarregados de educação.
E não venham cá as esquerdas a teorizar argumentos, tantas vezes falaciosos, em defesa dos alunos e dos pais, esses coitadinhos injustiçados.
Pais versus escola
Por Inês Teotónio Pereira
In Jornal SOL
Os pais lidam com a escola como um bem de consumo. E quem compra quer resultados. Mas os resultados são uma relação cada vez mais tensa e de desconfiança entre pais e professores.
Fala-se do tempo serviço dos professores, de currículos, de avaliações internacionais, de insucesso escolar ou de telemóveis, mas quando se fala da escola pouco espaço se dedica à temática dos pais. E os pais são a variável mais instável deste universo estudantil. Nos programas de governo e eleitorais não há uma palavra sobre o que fazer com eles.
A verdade é que os pais destabilizam as escolas, seja porque querem saber demais, seja porque não põem lá os pés. Mas seja qual for a razão, a relação entre pais e escolas é tensa, distante e cada vez mais conflituosa. Vejo pais que se queixam de tudo: do livro recomendado que é difícil demais, dos trabalhos de casa em excesso, das notas baixas, das regras impostas sobre os telemóveis, da qualidade da comida, dos gritos dos professores ou das aulas de educação física à chuva. Por outro lado, também há pais que se queixam da falta de exigência dos professores, das notas inflacionadas, da tolerância de muitos professores, da falta de controlo dos telemóveis, da escassez de trabalhos de casa e da ausência de regras.
Tudo isto acaba invariavelmente nos grupos de pais, em reuniões onde se insultam professores e em discussões sobre casos concretos que se generalizam. Os pais querem e exigem mais do que as escolas e os professores podem dar e as escolas e os professores acantonam-se com medo que os pais lhes multipliquem os problemas.
No meio estão os filhos, os alunos, para quem a escola quer dizer cada vez menos como espaço onde têm de aprender, crescer e responder a exigências. A ideia é que não se deve responsabilizar os filhos por coisa alguma e os professores que o queiram fazer têm de se justificar aos pais. Basta um pai zangado para incendiar os ânimos e basta um grupo de WhatsApp de pais maldispostos para estragar uma turma.
A escola dá confiança a mais aos pais e os pais acreditam mais nas versões dos filhos do que nos professores. Os miúdos, por sua vez, percebem quando os pais estão contra a escola e é aí que a autoridade dos professores vai pelo ralo abaixo. E o respeito de ambos os lados é cada vez menos.
Os pais olham para a escola como um bem de consumo e quem compra um produto quer resultados: querem que o filho mude de turma por um critério só dele, exige que os atrasos possam ser injustificáveis, pedem uma atenção especial aos filhos e muitos pressionam para que se mudem os professores. Os professores, por outro lado, aconselham o encaminhamento dos alunos para acompanhamentos extracurriculares, reclamam e questionam a ausência ou os valores das famílias e consideram a maioria dos pais incompetentes e um obstáculo ao seu trabalho.
A escola, durante todos estes anos, foi cedendo e os pais foram exigindo cada vez mais. Uns exigem mais escola e os outros mais casa. Com tudo isto, a confiança entre ambos foi-se esbatendo e é cada vez menor. O resultado é que quando um filho percebe que os pais não confiam na escola, não se deixa educar e permanece como filho nas aulas. É preciso professores mais professores e pais mais pais.
Não é por acaso que os partidos políticos mais representativos estão a dirigir nos seus discursos mensagens e promessas para os jovens de tal modo que parece que em política passou a valer tudo. Não há ética, não há moral, não há contenção de palavras no discurso político, não há verdade, mas há simulação, há intenção de conflito, há hipocrisia.
O cabeça de lista da IL às europeias, Cotrim de Figueiredo, apresentou este domingo o manifesto para as eleições de 9 de junho que vai servir para a campanha eleitoral das europeias. Informou-nos, mal, sobre o que pretende fazer na EU. Uma das suas preocupações para atrair os mais jovens abriu a porta para um conflito mesmo que implícito e para gerar animosidades para com os mais velhos e para com os que ainda trabalham, quer no que respeita a pensões, quer no que respeita a manutenção dos postos de trabalho.
Para dar mais força ao que pretende e utilizando um seu caso pessoal fez a seguinte afirmação: “Eu, que sou de outra geração mais velha, tenho de vos dizer isto com clareza: estamos a assistir a uma brutal transferência de riqueza dos mais jovens para os mais velhos, porque os interesses instalados não querem mudança”. E mais disse o candidato a eurodeputado pela IL-Iniciativa Liberal defendendo que não é aceitável que “não se mexa no sistema de pensões” porque, considera Cotrim, se está a “hipotecar as pensões futuras” e acrescentou ainda que é inaceitável que “não se mexa na legislação laboral que protege os que têm emprego e ignora quem não tem, em especial os jovens”.
São palavras que geram conflitos geracionais que polarizam partes da sociedade. Há muito tempo, e já não é novidade, que se deve fazer algo no sistema de pensões, mas tal deve ser feito sem prejuízo de uns em benefício de outros.
O que a IL pretende é que o sistema público de proteção social, nomeadamente de pensões, seja privatizado. A privatização do sistema público de pensões para o qual se contribui durante toda a vida profissional tem como finalidade a passagem para fundos privados das contribuições e de outras variáveis de desconto de que as pessoas irão beneficiar após a sua reforma sob a forma de uma pensão. É evidente que empresas privadas de gestão desses fundos têm na mira esses sistemas porque são altamente lucrativos.
Mas, os sistemas de pensões privatizados podem trazer atrás de si problemas graves. Não nos podemos esquecer, como já aconteceu noutros países, que houve situações de falcatrua e falências que prejudicaram os pensionistas. Alguns exemplos do tipo de gestão privada dos sistemas de pensões mostram haver perigos evidentes. Por exemplo, um trabalhador ou trabalhadora que tenha contribuído durante toda sua vida para um fundo privado de pensões duma empresa e aos 64 anos, ou na proximidade da reforma, a empresa entra em dificuldades financeiras ou falir devido ao efeito de contacto global o fundo de pensões a ela ligado e o dinheiro da poupança feito durante mais de 30 anos “evapora-se”, é apagado, isto é pode ser perdido.
Um facto relacionado com esta situação foi o que aconteceu em março de 2013 foi a queda do Silicon Valley Bank nos EUA. Esta queda levou à perda de milhões de dólares pelos fundos de pensão em todo o mundo. No banco que, entretanto, faliu fora investido vários fundos, tais como o Fundo de Pensão para Funcionários Públicos da Califórnia (CalPERS), Fundo de Pensão de Professores do Estado da Califórnia (CalSTRS), Serviço Nacional de Pensões da Coreia do Sul (NPS) e o fundo de pensão sueco Alecta. Pode confirmar aqui.
O aliciamento para o voto na AD também é feito aos idosos e aos reformados que recebem pensões, por isso, Luís Montenegro anunciou que o Governo aprovou com efeitos imediatos um aumento de cerca de 50 euros do CSI-Complemento Solidário para Idosos para os 600 euros face ao valor atualmente em vigor que é de 550,67 euros, anúncio oportuno um mês antes das eleições europeias.
Mas regressemos aos jovens a quem, como afirmei anteriormente, todos os partidos se dirigem com o intuito de os aliciar para a captação de votos e ao mesmo tempo reclamam-se precursores das suas necessidades fazendo as mais diversas promessas que não passam de intenções.
Desconhecemos qual é o conceito de jovem para os partidos, mas segundo têm afirmado parece que têm como referência para jovens o intervalo na faixa etária dos 18 aos 35 anos. Neste intervalo cabem os muito jovens que atingem a maioridade, com as mais várias ocupações e sem ocupações.
É na área fiscal que alguns partidos incidem as suas propostas no intuito de aumentar o rendimento líquido que os jovens recebem. Os que têm ocupação, parece claro. São temas recorrentes o da habitação e o da fiscalidade. Foi promessa da AD que, se governasse, os jovens até aos 35 anos, parece excluírem-se os sem ocupação(?), que pagariam uma taxa máxima de IRS de 15% e ficariam isentos do pagamento de IMT. E justificava a AD que “não quer um país em que um terço dos jovens tem de viver fora”. Todos? Mesmo?
A habitação é outro tema central das promessas eleitorais dos partidos. AD propõe “libertar” as faixas etárias mais novas (quais?) do imposto de selo e do Imposto Municipal sobre Transmissões (IMT) na compra da primeira casa e, ainda, dar uma garantia pública para viabilizar o financiamento bancário da totalidade do preço da mesma. Faixas etárias mais novas? O que considera a coligação as mais novas no intervalo 18 aos 35 anos? Outros partidos sugerem casas do Estado em lugar ao (des)congelamento de rendas. Quem são os jovens com pouca liquidez que assumem o risco de fazer um contrato de arrendamento para se candidatarem. Segundo a AD e com a reformulação do programa Porta 65 “Este programa deve ter como ponto de partida a garantia pública de atribuição à família do apoio, que depois procurará uma habitação compatível e verá o apoio expresso na comparticipação de rendas e eventual empréstimo de cauções”.
Linhas de crédito específicas e taxas de juro bonificadas para os empréstimos concedidos a jovens até aos 35 anos, (mais uma vez, todos?) “tornando o financiamento mais acessível e criando condições flexíveis para a concessão de crédito”.
Esta é da Iniciativa Liberal que diz que deve ser criadas “condições para que os jovens portugueses saiam mais cedo de casa dos pais”, e, por isso, propõem uma redução do IVA da construção dos atuais 23% para a taxa mínima de 6% para edificado novo, eliminar o IMT na compra de habitação própria permanente, aumentar as deduções em IRS das rendas e dos juros dos créditos à habitação, isentar o arrendamento e as transações imobiliárias de imposto de selo e reduzir o imposto sobre as rendas para uma taxa máxima de 14,5%. “Se a habitação é um bem essencial, não pode ser taxado como bem de luxo” defende a IL.
Parece-me que todas estas medidas são devem ser para proporcionar condições especiais aos filhos das famílias de posses e mais abastadas. Será que também está agora na moda housing for the boys?
Os partidos da esquerda à direita produzem discursos de pregadores que incentivam e agravam o conflito intergeracional porque, segundo eles os velhos, estes, os ditos instalados na vida, que gastaram a sua juventude e viveram uma vida de trabalho sem os facilitismos da atualidade. São esses velhos (pais e avós) que estão a proporcionar com grandes sacrifícios uma vida fácil aos jovens.
Há políticos tal com Cotrim de Figueiredo que acima referi que querem ressuscitar o tema da “peste grisalha” do tempo de Passos Coelho quando Carlos Peixoto do PSD referiu, num artigo no jornal “i” no dia 10 de janeiro de 2013 com o título “Um Portugal de cabelos brancos” onde a dada altura, escreveu, “a nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha”. Justificou-se depois que foi em determinado contexto, talvez, mas disse-o.
No discurso que o agora primeiro-ministro Luís Montenegro traçou na tomada de posse, entre outras prioridades, referiu-se também aos problemas dos jovens. E, para demonstração do seu interesse por esta grupo social coloca como cabeça de lista para as eleições europeias o jovem Sebastião Bugalho de 28 anos que passa de comentador para político, isto é, arranjou um job for a young boy.
O descontentamento dos jovens é, não raras vezes, induzido pelos partidos políticos que sabem não ser fácil resolver-lhes os problemas que dizem enfrentar pretendem, na sua propaganda, mostrar interessar por eles. A extrema-direita e também a extrema-esquerda também estão em força para os mobilizar e, para tal, seguem a via mais fácil porque sabem que os extremismos fazem parte do crescimento dos jovens.
Os jovens sempre passaram e também alguns menos jovens passam por fases de extremismo, radicais até, nos seus comportamentos, atitudes, pontos de vista e luta por causas, mesmo no que à família diz respeito. Para estes os pais nada sabem, mas eles sabem tudo e pretendem tudo já, vivem no domínio do já. Contudo, temos de distinguir entre os comportamentos normais. O extremismo como atitude psicológica nos jovens deve ser avaliado com sensibilidade, considerando o contexto e a diferença entre comportamentos normais e preocupantes. Os jovens enfrentam desafios como identidade, desejos de independência, relações interpessoais e pressões sociais.
Nestes tempos conturbados e difíceis há interesses que os jovens mais apreciam e de que sentem necessidade para além da habitação e outros que consideram essenciais porque os jovens têm a cultura do imediatismo. Para eles é preferível viver o agora e a qualquer custo e nem a vontade e a necessidade das outras pessoas lhes interessa. Há uma perceção equívoca de que tudo tem de ser para agora. Para eles o presente não é consequência do passado e tanto faz o que se fizer hoje, só o agora interessa e é suficiente. Neste sentido há uma ânsia crescente por ter coisas para já e de resolver todos os problemas imediatamente.
Apesar de correr o risco de uma generalização e tirar uma conclusão apressada, sem uma validação do universo de observação, tenho a perceção de que os jovens procuram tudo o que mais anseiam e de imediato: emprego, refiro propositadamente emprego e não trabalho, este sem esforço e com bons salários, divertimentos a que têm direito q.b. e nisso estou de acordo, habitação fácil e barata, telemóveis de topo de gama para se intoxicarem nas redes sociais e com notícias, por vezes falsas, conteúdos destituídos de qualquer ética estrategicamente compostos visando os interesses dos influencers, a procura intensiva de concertos Rock e Pop, cujos bilhetes de entrada se esgotam num piscar de olhos, concursos de shots no bares e discotecas e, nos fins de semana, restaurantes onde as bejecas e os shots saem em catadupa.
Mas, alegremo-nos, afinal, não são apenas os nossos jovens, os portugueses, os estrageiros também se misturam nesta orgia consumista que, se por um lado faz girar a economia, por outro os intoxica.
Antes de comentar casos concretos parece-me pertinente fazer aqui uma reflexão sobre o discurso utilizado pela generalidade dos políticos sem distinção de partidos ou de ideologias que, quase sempre, nos apresentam discursos alternativos à sua medida cuja veracidade não passa por uma verificação da realidade e que são incompreendidos pela maioria dos cidadãos comuns.
Normalmente tomamos como sendo realidade coisas ou factos que julgamos serem reais, ou quando nos referimos à sua natureza real, em lugar de ideias imaginadas, inventadas ou teóricas. Ao contrário os políticos muitas vezes usam argumentos construídos em torno do contra factual, por vezes enviesados e com uma visão imaginada como se de uma realidade alternativa se tratasse.
Especialistas em política, interventores políticos, partidos e comentadores criam as suas narrativas e expõem realidades alternativas e não factuais o que, infelizmente, costuma levar a erros de compreensão por quem os escuta. Os que se concentram numa linguagem especificamente política e muito elaborada preocupam-se a sua ideologia partidária e em mistificar e distorcer as realidades. Os mais perspicazes negam que utilizem linguagem distorcida e de falta à verdade, embora o uso duma linguagem distorcida possa ser útil como evocação dos seus referenciais partidários e ideológicos. Todavia a maioria com menos cultura e iliteracia política consideram a linguagem política como sendo distorcida ou mistificadora o que no conduz à desconfiança da verdade da narrativa dos políticos.
A verdade na política tem sido um tema intensamente debatido ao longo do tempo. A relação entre verdade e política revela-se um dos problemas mais prementes do nosso tempo, sobretudo por ter como alvo os políticos que se acusam mutuamente da sua falta à verdade. Isto devido ao pano de fundo das crises das democracias ocidentais, à ascensão mundial do populismo e ao aparente aumento de mentiras, notícias falsas e propaganda. Em Portugal o discurso político parece ser dominado por uma quantidade quase incontrolável de meias “verdades” que alguns tentam passar por verdade confundindo a opinião pública.
Inverdades, no sentido de mentiras ou inexatidões, proferidas por políticos ou pelo poder são seguidas por ataques nas lutas partidárias e são usadas pelo ou contra o poder político. A verdade em política pode não corresponder à exatidão, ao rigor e à precisão, mas ela existe, independentemente de a querermos ou não, de estarmos de acordo com ela ou não.
Todavia a veracidade é a exatidão duma afirmação e verifica.se quando se apresenta a precisão de algum assunto, facto, declaração, ou outras questões, para que esteja em conformidade com uma suposta verdade. A veracidade é, assim, a pré-condição para a apuração da verdade em política. Isto é, um discurso de campanha passa sem a necessidade de declarar a própria credibilidade e confiabilidade do candidato, mas salientam-se as mentiras e as falsas promessas dos seus adversários políticos.
Cada um de nós interpreta a realidade conforme os filtros de crenças, experiências e vivências individuais, que vêm antes da interpretação da realidade, criamos assim a nossa própria verdade pessoal.
Feitas estas considerações podemos centrar-nos nos discursos que os políticos manifestam, com os quais entram em contato com o eleitorado, interferindo de certa forma nas suas opiniões pelo que devemos salientar a importância da compreensão das suas construções discursivas.
Como exemplo saliento o caso de Paulo Rangel do PSD que é, para mim, um perito na reescrita da realidade. Ele transforma uma realidade numa outra, sem aparente contradição, dado o seu talento excecional para construir argumentações com retóricas demagógicas, por vezes falaciosas e, por isso, devemos estar atentos e preparados quando o ouvimos ou lemos as suas narrativas.
Rangel tem o condão de ser uma espécie de embusteiro da política via argumentações por meio de retóricas contorcionistas. Dá a volta a tudo sem convencer ninguém, é um artista do malabarismo da retórica. Isto é, usa técnicas de construção de sofismas para ludibriar e convencer quem o ouve. A formulação das suas opiniões podem ser uma farsa quando a informação sobre os factos não está garantida e se os próprios factos não forem trazidos ao debate onde intervem. Isto é, a verdade de um facto fornece informações ao pensamento político, mas uma verdade concebida apenas pela razão fornece somente especulações mais ou menos filosóficas.
Se compararmos a linguagem científica que visa a precisão e o rigor na representação da realidade com a linguagem política verificamos que esta última tem propósitos diferentes como a persuasão, a influência e a dinâmica de poder.
Numa análise elementar de algumas das suas mais recentes intervenções que retive no dia 12 de abril na Assembleia da República Rangel afirmou que “a herança que o anterior Governo nos deixa, apesar do alarido com o excedente, é uma herança pesada” e que esconde um “Estado Social em estado de liquidação”. Se o Estado Social estava em liquidação faltou a Rangel e ao atual Governo dizer como vai proceder para o recuperar resolver. As afirmações de Rangel foram apenas o mote para desculpabilização do Governo de Luís Montenegro caso não consiga melhorar o Estado Social, assim como da impossibilidade do atual Governo executar as promessas durante a campanha eleitoral sem fazer derrapar as contas certas que o Governo anterior deixou.
Outro exemplo do malabarismo das palavras e da sua veracidade intrínseca poderíamos começar a analisar as frases várias vezes proferidas por Montenegro sobre os 1500 milhões da descida do IRS entre outras matérias, assim como intervenções de vários dirigentes partidários e comentadores políticos em debates e confrontos partidários.
No primeiro dia de discussão do programa do Governo e sobre o IRS o Primeiro-Ministro achou ter sido claro. Mas não foi: disse que a sua proposta de lei ia “perfazer uma diminuição global de cerca de 1.500 milhões de euros nos impostos sobre o trabalho dos portugueses face ao ano passado.”. Estas palavras foram ditas.
Ainda sobre o choque fiscal começo com um bordão, isto é, palavra esvaziada de sentido e sem função morfossintática, como forma de apoio em momentos de hesitação, como o que Rangel usa quando rebate um seu adversário começando por ora vamos lá ver. Se Luís Montenegro garante que não enganou ninguém, então foi porque teve a sua base o Orçamento para 2024 do Governo PS. Todavia, em entrevista à RTP o ministro das Finanças Miranda Sarmento clarificou que os 1.500 milhões de euros de alívio no IRS referidos pelo primeiro-ministro, no início do debate do programa do Governo, não vão somar-se aos cerca de 1.300 milhões de euros de redução do IRS inscritos no OE para 2024, rondando assim os 200 milhões. A confusão das várias narrativas é bem clara!
Para outro exemplo selecionei afirmações de André Ventura que criticou e classificou de “malabarismos políticos” os discursos de outros partidos para tentarem “isolar o Chega” após as eleições, ou quando o presidente do Chega afirmou que o seu partido é “o único contra o sistema de interesses”, criticando as “elites que governam o país há 47 anos” frase muito cara aos populistas.
O populismo considera a sociedade separada em dois grupos homogéneos e antagónicos: “o povo puro” e a “elite corrupta”, e ainda que a política deve ser uma expressão da vontade geral do povo se utilizarmos a definição de Cas Mudde, especialista em extremismo político e populismo na Europa e nos Estados Unidos, professor da Universidade da Georgia.
Há ainda os que, como Luís Montenegro, proferem frases e discursos pelo absurdo como o que passou acusando o PS de estar a entender-se com o Chega, o que aconteceu quando na Assembleia da República as propostas do PS, Bloco e PCP para o IRS foram aprovadas, na generalidade, com os votos da esquerda e a abstenção do Chega.
A intervenção de Montenegro não foi mais do que pura tática política de campanha contra o PS. Se prestarmos atenção a esta afirmação de Montenegro torna-se claro que pretende seja passada como como verdade uma inverdade e uma impossibilidade política no atual contexto. Disse ainda Montenegro que “a ideia do PS e do Chega é simularem uma oposição ao Governo fazendo um governo alternativo, então vão ter de assumir isso olhos nos olhos dos portugueses.” Este é manifestamente um símbolo de impossibilidade porque bem sabemos que não existe, e que não existirá, nenhuma espécie de entendimento ou estratégia concertada entre o PS e o Chega. Montenegro toma a parte pelo todo. Em democracia é legitimo que um partido vote num sentido, ou noutro diferente, ou acompanhe o sentido de voto de outro partido o que não significa que haja qualquer aliança, mas apenas uma aproximação de pontos de vista em assuntos específicos, mesmo que seja por motivo oportunista da parte de uma deles.
Isto leva-nos à conclusão de que na política, a linguagem pode ser mistificada ou deliberadamente tornada complexa para criar uma aura de saber e convicção muitas vezes com apelo emocional e gestos exagerados para influenciar opiniões, veja-se o caso de André Ventura nas suas intervenções na Assembleia da República.
Outro malabarista é Hugo Soares, líder da bancada da AD na Assembleia da República, este sem comparação com o nível argumentativo de Paulo Rangel. Hugo Soares é outra espécie de demagogo cujas intervenções ao atirar para o ar ideias esgotadas são como reflexos dum espelho quebrado.
Hugo Soares responsabilizava, em março de 2024 antes das eleições, o PS pela degradação e falta de investimento nos serviços públicos. Disse então o cabeça de lista pelo círculo eleitoral do distrito de Braga da candidatura da Aliança Democrática (AD) numa reunião em Braga que “o PS era o responsável pela degradação e falta de investimento nos serviços públicos”.
Justificado pela dita “degradação dos serviços públicos”, “do SNS às escolas, dos tribunais às forças de segurança”, segundo o PS o que estaria em causa era colocar em marcha as intenções da AD no que respeita ao Estado Social, não para o manter, melhorar e fazer melhor, mas para, o debilitar ainda mais.
Hugo Soares continuava a sua tese falando da “habitação e do desemprego jovem, da precariedade e do êxodo dos jovens”. Em suma, segundo ele “o Estado Social parece agora em estado de liquidação”, mas nada diz como o vai melhorar. Logo, digo eu, é o mesmo que estar a dizer que teria de acabar ou reduzir o dito Estado social porque o Governo AD não iria ter capacidade para a sua resolução nem o poderia alterar porque iria arrombar com as contas públicas certas. Lembremo-nos que o PSD na oposição dizia que o Governo deveria fazer e gastar mais. Hugo Soares um “passista” ferrugento um primitivo de Passos Coelho que em 2012 lançou para a praça pública a frase do seu ídolo Passos que justificava a “maior austeridade com herança mais pesada” herdada do PS.
A coligação AD, na impossibilidade de conseguir cumprir e alterar o que criticou e prometia na oposição, sabendo já da possibilidade do incumprimento das promessas durante a campanha eleitoral lança para a frente o estribilho da “pesada herança”. É um déjà vu do PSD. Passados 12 anos esta retórica já não pega, arranjem outra!
A tentativa de colar o PS ao despesismo é uma falacia que para a coligação AD serve, à falta de melhor, para tudo, até para o disparate. Se o PSD queria o poder então a sua missão não é falar de heranças pesadas ou não, é resolver o que disse que faria com o que estava mal e propor o que pode e como fazer melhor.
A questão que se levanta é a de saber se agora a austeridade virá sem herança pesada (terão que inventá-la), ou se irão seguir a estratégia do passado com desonestidade para justificarem a impossibilidade do cumprimento das promessas que fizeram sem saberem as contas que iriam encontrar ou, então, concordavam com as contas certas e com as cativações que tantas vezes criticaram.
Estranha-se também é que o PSD, quando na oposição, atacasse o ministro das finanças do Governo PS pelas cativações de verbas que serviam como almofada em caso de emergência e agora queixa-se de não haver verbas. Protestava então o PSD acusando o Governo da altura de “falsear o debate orçamental” através de “cativações recorde”, e desafiava o ministro das Finanças a esclarecer onde ia congelar despesa no próximo ano.
A velha estratégia aí está, porque demagogia e desonestidade política andam a para e não têm limites quando servem para lançar a confusão política com as suas verdades alternativas criadas ou a criar por este Governo, que comprovam a evidência de que está com dificuldades, quiçá em desespero, pela impossibilidade de não conseguir cumprir as promessas eleitorais. Assim, o Governo AD, pela voz do atual ministro das finanças Miranda Sarmento, veio dizer que as contas públicas “estão bastante pior”, mas ex-ministro das Finanças Fernando Medina garante que país “não tem” problemas orçamentais e acusa o atual ministro de “profunda impreparação técnica” e de “usar a falsidade como arma de combate político” e garante que “o país não tem qualquer problema orçamental”. Assegurou ainda que “todas as despesas” que autorizou “cabem no orçamento” e garante que o país “não tem qualquer problema orçamental”.
Começa a ser evidente um padrão que começa a ser facilmente reconhecido e que é atributo da direita quando chega ao poder e tem o costume de anunciar de forma veemente que as contas não estão bem e logo de seguida parte para políticas de austeridade. Isto não é novidade e aconteceu várias vezes. A dificuldade está na mudança que está a dificultar o uso daquela estratégia a que o ministro das finanças e o Governo chefiado por Montenegro não deu a devida importância.
No que se refere às finanças o resultado é reconhecido por várias entidades que sabem o que dizem sobre têm uma palavra a dizer nessa matéria. Luís Montenegro e Miranda Sarmento querem passar a mensagem e fazer de conta que isso não aconteceu para lançarem a mesma narrativa em que gritam aos quatro ventos das contas públicas numa desgraça para depois dizer que “somos nós que temos de resolver.” A linha é a mesma de quando em 2011 o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho afirmou perante o Conselho Nacional do PSD que o seu Governo encontrou um “desvio colossal em relação às metas estabelecidas” para as contas públicas. O atual Governo pretende reconstruir esta falsa realidade através de uma verdade alternativa para enganar os portugueses.
Há outras narrativas que e o atual Governo pretende distorcer inventando novas realidades e factos na forma e no conteúdo. Estão nesta linha o caso de o Governo exonerar a provedora da Santa Casa da Misericórdia e o que levou à demissão de Fernando Araújo, Diretor Executivo do Serviço Nacional de Saúde e outros casos se seguirão.
Segundo o jornal Público a Ministra da Saúde “contava estar a iniciar trabalhos do Plano de Inverno e volta a responsabilizar Araújo Ana Paula Martins admitiu que ‘os planos sazonais de saúde pública são da Direcção-Geral da Saúde (DGS), por causa das ondas de calor, das ondas de frio, e são sempre feitos pela DGS e assim continuará’. Contudo, considera que, face ao estatuto que define as competências e atribuições da DE-SNS, ‘é muito claro que a articulação da malha da rede que neste momento são as unidades locais de saúde, ou seja, integram os nossos centros hospitalares e os cuidados de saúde primários, é naturalmente competência do senhor diretor executivo e da sua equipa’, defendeu, numa crítica à decisão de Fernando Araújo”. Segundo parece é mais uma verdade não factual apresentada pela atual ministra da saúde.
No passado recente temos o caso do ex-bastonário da Ordem do Médicos, Miguel, Guimarães, que estava na linha da frente do ataque ao SNS com comentários pouco abonatórios como um elemento de oposição ao Governo ao jeito de campanha ao seu partido, o que deu os seus frutos porque é agora deputado pela AD. O que não se conhece é como este Governo, conforme prometeu, irá no prazo de sessenta dias resolver os problemas que apontava existiam no SNS, mas receia-se o pior.
A esquerda conseguiu aprovar as suas propostas de redução do IRS contra a do PSD. A antecipação de que a proposta de lei do Governo arriscava ficar pelo caminho se fosse a votos veio por uma intervenção de André Ventura que criticou o executivo por ter apresentado a proposta “sem negociar”, questionando-se: “Espelho meu, espelho meu, quem engana mais os portugueses do que eu?”
Como afirmam os populistas estes factos demonstram que há um distanciamento entre a classe política, as elites e a população em geral. Escrever ou dizer coisas polémicas parece ser o que está a dar para se ser um político sério e responsável. Não sei se ser jovem e ser polémico não terá sido o que serviu de legitimação para a escolha de Sebastião Bugalho para cabeça pela AD de lista nas eleições europeias.
Por outro lado, a embalagem muito bonita do Chega com o programa e as promessas que defende está tudo muito bem embrulhada. Ao que me parece as afirmações recentes de Passos Coelho levam para a tendência de acordos com o partido Chega. Parece que segundo uma newsletter de Ana Sá Lopes no Público “Passos tenta ensinar Montenegro a governar”. Não me recordo quem escreveu “que é legitimo e mesmo útil uma aliança e mesmo o governo do seu partido com o diabo que chegou. No inferno do governo deviam era estar lá eles todos. Seria, no entanto, juntar a fome com a vontade de comer, os outros morreriam esfomeados. Está mal. Não concordo. O erro dele é preferir um voto eleitoral legitimo, mas ignorar os dislates de quem se abraça”.
Há que confrontar os factos com as verdades e as verdades alternativas criada pelos políticos fora ou dentro do Governo para iludir os potenciais eleitores.
Não resisto a incluir aqui um artigo de opinião de Maria João Marques sobre essa famigerda polémica das reparações da escravização e da colonização ocorridas há mais de 500 anos.
Quem nunca escravizou nem colonizou tem de pagar reparações?
A esquerda woke não anima os descamisados do mundo rico, pelo que tem de animar a malta urbana abonada com necessidade de expiar pecados.
Vou revisitar o já famoso e infame jantar de Marcelo Rebelo de Sousa com os jornalistas estrangeiros. No meio do racismo para com António Costa, o classismo para Luís Montenegro e a informação – dada de uma forma displicente que aterroriza a mãe que escreve estas linhas – do corte de relações com o filho, o Presidente faria bem em alegar perante o país tratar-se de um episódio de insanidade temporária.
Ou, pelo menos, como no filmeAnatomia de um Crime, com o divino James Stewart, ter sido acometido por um "impulso irresistível". O que teria a vantagem de ser verosímil. Todos sabemos que Marcelo Rebelo de Sousa tem o impulso irresistível de falar.
Porém Marcelo Rebelo de Sousa falou em reparações que Portugal tem de pagar às ex-colónias, por massacres e escravatura. A expressão (inteiramente clara) foi "pagar custos" das maldades todas que fizemos. Foi leviano, claro, por impulso irresistível ou deliberadamente. Entretanto, percebendo que não é tema que lhe dê píncaros de popularidade,já veio amenizar: reparações podem ser o perdão da dívida ou o "estatuto de mobilidade" dos cidadãos do PALOP. Mas a discussão ficou.
Os vários partidos já tomaram posição – quer dizer, quase todos. O Chega rasgou as vestes e quer censurar o Presidente no Parlamento. Porventura viram algum episódio de uma série política americana onde tal ocorreu. O BE e o Livre garantem que temos muito que reparar por todo o lado. O Governo, e bem, informou não planear nenhum programa de reparações. O PS, percebendo que é um tema que não agrada ao eleitorado mas não querendo descolar da esquerdawokeque é natureza de Pedro Nuno Santos, não tomou posição, dizendo (através de Marta Temido) que é um assunto muito sério a ser debatido nos fóruns próprios.
Há aspetos nesta discussão para mim inteiramente pacíficos. Sou, por princípio, favorável à devolução de todas as obras de arte e artefactos obtidos por pilhagem. Aplico-o aos países africanos ou aos mármores gregos do Parténon que estão no Museu Britânico. Desde que se garanta, claro, que a devolução assegura a preservação da peça e que é feita de modo a beneficiar a população espoliada (num museu onde possa ser visitada e estudada e fomente o turismo que enriqueça a região) e não termine nos salões de um qualquer oligarca do regime.
No caso português, sou de opinião (mesmo fora da discussão das tais reparações) que se deve privilegiar imigração dos PALOP face a outras proveniências sem ligações culturais a Portugal. Não me chocariam quotas, bem como um regime de bolsas, nas universidades portuguesas específicas para alunos dos PALOP, que de resto as têmcrescentemente procurado. E o perdão da dívida aos países pobres de África é um imperativo moral a que todos os países europeus têm respondido, e há que incrementar.
Qual é então o meu problema com a discussão das reparações? Vários e o menor é o mais prosaico: não temos dinheiro. E pagamos a quem? A indivíduos (nem escravizados nem colonizados) ou a regimes peculiares (se não mesmo cleptocratas)?
Começo por ver muito problemática a vontade de fazer contas à História velha de séculos que se julga com lentes do presente. Mais: onde paramos? Outro problema: há uns anos fomos surpreendidos com números portugueses avassaladores do comércio transatlântico de escravos; sucede que há nuances. Afinal Lisboa foi responsável por 4% do comércio de escravos africanos eo grosso foi feito a partir do Brasil (37%), por interesse (e proveito) da economia brasileira, sem ser política da metrópole, que deixava andar por não conseguir parar o tráfico.
Não temos de nos orgulhar dos nossos 4%, nem de inaugurar a prática. Porém o país que mais escravizou e traficou foi o Brasil. Que a administração Lula, exemplo indigesto do populismo de esquerda sul-americano, venha pedir reparações a Portugal, duzentos anos depois da independência, é topete. Cerca de 400.000 brasileiros vivem em Portugal, extremamente bem inseridos. Tratam-se nos hospitais públicos e os filhos frequentam as escolas pagas com os impostos dos portugueses que já cá viviam antes. Diria que é uma boa reparação.
O meu problema maior é a real finalidade desta discussão, que nada tem que ver com países colonizados nem descendentes de escravos. É simplesmente parte da agenda niilista antiocidental. O objetivo é expor a malícia e maldade da humanidade branca ocidental, causa de todas as calamidades desse mundo vítima e marionete da perfídia europeia.
Claro que isto é a maior confissão de ignorância, racismo e eurocentrismo. Não concebem que o resto do mundo tem uma existência e uma História que vai muito além da interação com os países europeus. Não sabem que até à revolução industrial os países mais ricos do mundo eram a China e a Índia. Desconhecem que depois da revolução industrial os países asiáticos prosperaram quando (e se) implementaram políticas copiadas das europeias (o caso japonês é sintomático). Ignoram as tensões regionais que nada têm que ver com a Europa. Más práticas de outros países e culturas são apagadas: só interessa visar o que cabe no simbólico Ocidente. A escravatura também industrial praticada pelo mundo árabe, com números igualmente assustadores e muito mais recente (até Hergé escreveu um livro do Tintin sobre este crime em meados do século XX) – não interessa nada, afinal o mundo islâmico é o clímax do anti-Ocidente.
A discussão é tão freudiana e religiosa quanto política. A esquerdawokenão anima os descamisados do mundo rico, pelo que tem de animar a malta urbana abonada com necessidade de expiar pecados. Como odeiam o catolicismo e hábitos como a confissão (que Freud muito bem considerava e tem um princípio parecido à "cura pela conversa" que é a psicanálise: construir uma narrativa para contar o que vivemos é em si mesmo curativo), têm ética deficiente que os incentive a olhar para pecados próprios, e vivem num mundo superficial onde o que mais conta é a sinalização pública de virtude, escolhem expiar pecados alheios, passados há séculos, numa tentativa de demonstração de moral intocável.
Pela minha parte, sou católica, reparo os meus próprios pecados, não tenho necessidade psicológica de expiar a História, desde logo porque nunca escravizei nem colonizei. Deixo "pagar custos" para o Presidente e para os seres perfeitos da nossa esquerda que o propõem.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico