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A Propósito de Quase Tudo: opiniões, factos, política, sociedade, comunicação

Aqui vocês, podem encontrar de tudo um pouco: sociedade, ambiente, comunicação, crítica, crónicas, opinião, política e até gastronomia, com apoio de fontes fidedignas.

O rastilho do Presidente da República

29.07.23 | Manuel_AR

Marcelo carreira professores.png

Como presumo que o Chega, o PSD e a IL, como o Presidente, não se tornaram esquerdistas no despesismo, esta contradição vem muito mais de uma lógica de oposição em todos os azimutes, ou, no caso do Presidente, de exorbitar das suas funções para “pôr o Costa na ordem”, do que de uma posição de fundo. É por isso que a contra-governação do Presidente gera instabilidade social

José Pacheco Pereira

in Jornal Público.

Face a alguns sintomas que se manifestam no nosso sistema de governo, começo a ter dúvidas se se trata, de facto, de um tipo de sistema de governo semipresidencialista em que o Governo, centro da atividade política, responde politicamente perante a Assembleia de República. Alguns falam até em presidencialismo do Primeiro-Ministro no caso de maiorias absolutas monopartidárias.

Esta minha dúvida surgiu-me das justificações do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa quando devolveu, sem promulgação, o Decreto que estabelece os termos de implementação dos mecanismos de aceleração de progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, mas apontando a frustração da esperança dos professores ao encerrar definitivamente o processo.

O Presidente parece estar a tornar-se uma espécie de contrapoder e, portanto, a contra governar, umas vezes por tagarelice e agora, parece, também, por palavras escritas. O Presidente fala de mais é o que se tira das suas intervenções.

Marcelo parece estar apostado em querer atear o rastilho de pólvora que poderá resultar em convulsão social e em reivindicações nas carreiras dos vários setores e servidores do Estado. O objetivo será, porventura, ficar nas “boas graças” da classe dos professores e dos seus sindicatos.

O caminho perigoso que o Presidente da República segue ao criar dificuldades à governação de António Costa é que quando, para criticar o Governo, por vezes falando de mais, passou também a fazê-lo nas críticas feitas nas notas de promulgação dos diplomas como se fosse ele o senhor absoluto omnisciente sobre tudo. O discurso do Presidente sobre a governação é mais parecido com um sistema de governo presidencialista.

Podemos estar, ou não, de acordo com o diploma do Governo relativamente às carreiras dos professores, mas a decisão é parte integrante da governação e, como tal, é legitimo, desde que no diploma não sejam detetadas inconstitucionalidades.

O Presidente pode, ou não, concordar com o decreto-lei sobre a carreira dos professores, e está no seu direito, mas que deveria votá-lo desde que esteja no âmbito constitucional e não em função da sua discordância, porque não é ele que governa. Claro que professores e sindicatos elogiam veto de Marcelo. Ao promover um sinal que pode abrir portas à perigosidade social, trata-se de uma opinião sobre como governar cujas consequências não é o Presidente que gere, nem que terá que neutralizar e que gera instabilidade social.

Se o referido diploma não resolve os conflitos com os professores, e não acabará com as greves nas escolas, mas gestão dessas expectativas que nada mais é do que a negociação entre Governo e sindicatos entre o que este último espera e aquilo que será feito que é uma função do Governo e não aquela para a qual elegemos o atual Presidente não foi eleito para isso.

Nota final:

Estará o Presidente da República a querer degradar o seu peso político?
Quando os militares vierem para a Rua gritar, Marcelo saltará de imediato do lugar a defender que as FA´s são uma prioridade; mal os polícias se transformem em "secos e molhados", Marcelo saltará do lugar a dizer que a segurança e as polícias são uma prioridade; mal os Impostos venham para a Rua gritar, Marcelo defenderá que o pessoal dos impostos é essencial para garantir às Misericórdias e ASS ligadas à igreja católica todos os milhões que o OE lhes reserva; quando os todos os trabalhadores do setor público vierem para a rua exigir que descongelem as carreiras desde há dezenas de anos, Marcelo virá a correr dizendo que são todos essenciais, por exigência do Presidente da República e assim por diante.

 

O conceito que a oposição de direita gosta mais de utilizar: reformas estruturais

24.07.23 | Manuel_AR

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Este interessante artigo de Ricardo Paes Mamede aborda um tema que muitas vezes é ouvido e desaguado nos nosso ouvidos por comentadores e políticos, sobretudo do lado da direita, quando fazem oposição ao Governo. Ele são as reformas estruturais que não se fazem, que não se fizerem, que falta fazer, etc. etc.. Mas, no meio disto, nada mais dizem sobre o que são essas ditas reforma de que falam. É isto que o autor pretende ajudar a esclarecer. 

Os políticos falam para nós, pobres ignorantes, que absorvemos acriticamente o que nos dizem, julgam eles. 

Diga lá que reformas estruturais

Pouco a pouco, a noção de reformas estruturais passou a ser usada na UE para abarcar um leque vasto de prioridades de intervenção pública, muitas vezes contraditórias entre si.

Há palavras e expressões que muita gente usa mas pouca gente sabe explicar. Reformas estruturais é uma delas.

O problema não é específico de Portugal. Dois investigadores da Universidade Livre de Bruxelas, Amandine Crespy e Pierre Vanheuverzwijn, publicaram em 2019 um estudo onde analisam o uso dado ao longo dos anos à expressão “reformas estruturais” por diferentes pessoas e instituições, em particular na União Europeia (UE). As respostas que obtiveram de políticos e altos quadros da UE e dos Estados-Membros, quando desafiados a definir o conceito, são embaraçantes pela sua vacuidade.

Há diferentes motivos para que aquela expressão tão recorrente seja utilizada com tanta falta de precisão. O primeiro motivo é retórico.

A partir da década de 1980, “reformas estruturais” foi o eufemismo encontrado para legitimar junto dos cidadãos um conjunto de medidas impopulares. Expor os produtores nacionais à concorrência global sem limites, desregular as relações laborais, liberalizar o mercado da habitação, promover o sector financeiro, privatizar empresas e serviços públicos, reduzir a protecção social, ou dar prioridade à redução da dívida pública em vez do combate ao desemprego, tornaram-se parte da agenda política de muitos partidos, governos e instituições internacionais. Esta vaga neoliberal rompeu com as décadas do pós-2.ª Guerra Mundial, quando grande parte dos países apostava na intervenção do Estado para promover o desenvolvimento económico e a distribuição de rendimentos, e para combater as recessões e o desemprego.

A mudança de rumo – que começou no Reino Unido e nos EUA pelas mãos de Thatcher e Reagan, estendendo-se a grande parte dos países em desenvolvimento por pressão externa, e à UE por vontade própria – criou resistências em diferentes sectores da sociedade, em particular junto dos trabalhadores e das empresas mais vulneráveis. Foi então necessário encontrar formas de neutralizar a contestação – e a retórica foi uma das vias. Em vez de “desproteger os trabalhadores”, falava-se em “diminuir a rigidez do mercado de trabalho”. Em vez de “cortar nos apoios e nos serviços públicos”, falava-se em “promover a responsabilidade individual” ou “permitir a livre escolha”. De uma forma geral, em vez de “desregular, liberalizar e privatizar”, passou-se a falar de “reformas estruturais”.

A utilização eufemística da expressão não desapareceu até hoje, mas as coisas evoluíram. Quatro décadas de fraco crescimento da produtividade, de instabilidade financeira, de estagnação salarial, de aumento das desigualdades sociais e de degradação ambiental retiraram glamour às soluções políticas que se baseiam na imposição da concorrência de todos contra todos, em todas as esferas da vida em sociedade.

Em vez de abandonar o conceito, a UE mudou a retórica. Nos documentos comunitários, a expressão “reformas estruturais” passou a ser utilizada para referir todas as alterações nas políticas públicas que visam responder a problemas considerados estruturais – ou seja, que são persistentes e têm grande impacto. Os problemas em causa incluem, como antes, a competitividade da economia e a sustentabilidade das finanças públicas, mas não só. O envelhecimento demográfico, a pobreza e a exclusão social, as desigualdades na distribuição dos rendimentos ou as alterações climáticas passaram a ser referidos como desafios estruturais das sociedades europeias que precisam de ser enfrentados.

Pouco a pouco, a noção de reformas estruturais passou a ser usada na UE para abarcar um leque vasto de prioridades de intervenção pública, muitas vezes contraditórias entre si. Nas recomendações que a Comissão Europeia faz anualmente aos Estados-Membros, surgem com frequência orientações de sentido oposto – umas apelando à consolidação orçamental, outras ao reforço da protecção social e do investimento público; umas sugerindo maior liberalização do mercado de trabalho, outras o reforço da negociação colectiva; umas defendendo a utilização de mecanismos de mercado para controlar as emissões de carbono, outras uma intervenção directa dos Estados sob a forma de regulação estrita ou até da proibição de certas actividades poluentes.

Para as instituições europeias, o uso ambíguo do conceito de “reformas estruturais” não é um problema, é uma conveniência. A utilização de uma expressão apelativa para fins tão distintos permite navegar entre uma enorme variedade de valores, culturas nacionais e orientações políticas, passando a ideia – quase sempre errónea – de que o papel da UE é fomentar a adopção pelos Estados-Membros de soluções adequadas, sem interferir nas escolhas democráticas de cada país.

Mas a falta de precisão quando se fala de reformas estruturais não decorre apenas de estratégias retóricas, mais ou menos deliberadas. Na maior parte dos casos é apenas falta de conhecimento ou de reflexão aprofundada sobre os assuntos em causa.

A maioria dos políticos e comentadores não hesita em defender que “são necessárias reformas estruturais” em várias áreas. Experimentem perguntar-lhes o que entendem por reformas estruturais, que reformas defendem em concreto e por que motivos. O mais provável é balbuciarem, sem conseguirem responder à questão. Ou confundirem reformas estruturais com problemas de natureza estrutural. Ou defenderem medidas que já estão no terreno e não sabem. Ou sugerirem iniciativas que pouco alteram o que já existe. Ou ainda apontarem soluções de viabilidade duvidosa.

O facto de um problema ou desafio ter uma natureza estrutural não significa que a melhor resposta passe por rupturas no modo de governar as áreas em causa. Nenhuma reforma explica por si só o progresso admirável que Portugal registou nas últimas décadas em domínios como a redução do abandono escolar e da mortalidade infantil, ou o aumento da produção científica e da inovação empresarial.

Por definição, os problemas estruturais demoram anos a resolver. Mais do que grandes rupturas pontuais, é necessário persistência e coerência ao longo do tempo. Fazer bem o que já está previsto é menos sexy do que anunciar receitas milagrosas para tudo e mais alguma coisa, sem detalhar muito o que se diz nem discutir as suas implicações. Mas para o desenvolvimento do país, em muitos casos, importa mais ter boas políticas do que grandes reformas.

O autor é colunista do PÚBLICO

 

Carlos Moedas, Lisboa, e o trânsito no centro da capital

08.07.23 | Manuel_AR

Carlos Moedas_Lisboa trânsito.png

A leitura deste artigo não deve ser feita pelos que deliram por manter a manutenção da intensidade do  tânsito automóvel na baixa de Lisboa com a desculpa do turismo, do comércio e doutros delirantes argumentos. 

Moedas não tirou nem um carro

OPINIÃO COFFEE BREAK

Um dia alguém na câmara vai conseguir tirar carros de Lisboa. Tantas capitais europeias conseguiram. Deve ser possível.

Opinião Bárbara Reis | PÚBLICO

Bárbara Reis

In Jornal Público, 8 de Julho de 2023

Escrever bem é evitar advérbios, mas hoje é dia de ignorar a regra. Afinal, Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, não tirou os carros do centro da capital. Nem um.

Moedas anunciou com pompa, mas ficou tudo na mesma. Após o anúncio, esperei uma semana, duas, três, quatro. Mais tarde ou mais cedo, a diferença seria notória. Nada. Esperei um mês, dois, três. Nada.

A história é simples: a 18 de Abril, num gesto radical e corajoso, Moedas anunciou várias medidas para melhorar a mobilidade na capital:

— no centro histórico de Lisboa só poderiam circular carros de moradores, trabalhadores locais e transportes públicos,

— seriam proibidos os TVDE, que formalmente não são transportes públicos,

— e tudo o que pese mais de 3,5 toneladas.

Aqui no PÚBLICO, escrevemos que “o controlo dos veículos que não podem circular nas zonas onde o trânsito é condicionado será feito pela polícia municipal e quem violar as regras está sujeito a uma coima por desrespeito à sinalização de trânsito existente”.

Era bom e mau ao mesmo tempo. Bom porque um dia destes Lisboa é a única capital europeia sem regras que limitem a entrada e circulação de carros na cidade. Mau porque não tinha havido debate e as novas regras iriam ser postas em prática dias depois, a 26 de Abril, e as dúvidas eram muitas.

Ninguém percebeu como iria funcionar. No dia 26, como é que um morador que tivesse saído de carro de manhã regressaria a casa? Sem distribuição de dísticos de residentes, como é que a polícia faria a triagem? Como impedir ou multar os não moradores? A polícia iria parar todos os carros e pedir comprovativos de residência? Seria de levar na mala contas da água e da luz com o nome e morada?

E como é que os “trabalhadores locais” iriam provar que trabalham na retrosaria A, na papelaria B, no cabeleireiro C e no banco D? E fazia sentido impedir a Uber ou a Bolt de circularem? Os moradores e turistas passariam a ser obrigados a usar táxis?

E onde estavam as excepções para apoio a moradores idosos ou doentes tão discutidas no mandato de Fernando Medina, o autarca anterior, quando a câmara tentou fazer uma mudança semelhante que não saiu do papel?

E onde estavam as regras para os infernais tuk-tuk, que se passeiam pelo centro histórico da capital a passo de caracol, em ritmo de safari, suavemente para não afugentar as girafas, talvez apareça uma, e estacionam em cima das passadeiras, em segunda e terceira fila, em tudo o que é esquina, e são em tão grande quantidade que andam em comboios de quatro e cinco colados em linha à procura de clientes?

Havia muitas perguntas, mas a mancha da “área de circulação condicionada” que se via no mapa feito pela câmara — uma mancha grande — dava esperança. O centro histórico poderia voltar a ser um bairro simpático para morar. Seria este o princípio do fim da Lisboa-Disneylândia, o parque temático para turistas?

Neste ponto, estamos a 26 de Abril, pensei que é melhor decidir mal do que não decidir e fiquei à espera.

Eis senão quando tudo começou a recuar logo no dia de estreia da reforma.

Moedas esclareceu que, afinal, ir de carro para a zona histórica e ribeirinha não seria só limitado aos moradores e “trabalhadores locais”. Quem tivesse “como destino esta zona” também poderia ir de carro. What?!

Parece uma piada, mas é isso que foi escrito no site da câmara: “A circulação só é permitida a transportes públicos e ao trânsito local: quem reside, trabalha ou tem como destino esta zona.”

Quem “tem como destino esta zona” são todas as pessoas que querem ir de carro para o centro histórico de Lisboa ou que querem atravessar a cidade pela zona ribeirinha. Ou seja, nada muda.

Pus-me a imaginar um diálogo entre um condutor e um polícia:

— O senhor tem autorização para circular nesta “área de circulação condicionada”?

— Sim.

— Mora aqui?

— Não.

— Trabalha aqui?

— Não.

— Então?

— Tenho como destino esta zona.

— Ah, claro, faça favor.

Também no dia 26, apareceu outro esclarecimento: afinal, os TVDE também podem circular na zona, desde que seja só para tomar e largar passageiros.

A seguir, a 31 de Maio, a câmara fez novo esclarecimento: afinal, o acesso de veículos pesados iria ser autorizado até às 10h, ou seja, o horário seria alargado em duas horas em relação ao anunciado a 18 de Abril.

Tinham estado a ver melhor e não era realista ser só entre as 20h e as 8h. E uma pessoa diz: nunca foi só até às 8h. Ao meio-dia, há sempre carrinhas e camiões parados em cima do passeio a descarregar em todo o centro da capital, a começar pelas ruas pedonais da Baixa. Isto é para enganar quem?

Pus-me então a falar com os polícias municipais. Todos os sábados falo com um ou dois e todos dizem o mesmo: não receberam instruções para controlar o acesso de carros, saber se são moradores ou trabalhadores ou multar os rebeldes. A única instrução que têm é a de impedir os autocarros de turismo grandes, os tais com mais de 3,5 toneladas. E uma pessoa diz: isso é verdade desde 2017, foi uma boa medida de Medina. Moedas anunciou o que já existia há seis anos.

A mobilidade é uma coisa complexa, mas já enerva tanto anúncio falso. É Moedas, foi Medina, foi António Costa e, se calhar, quem esteve na câmara nos anos anteriores. Pelo menos desde 2011 que são aprovadas e anunciadas Zonas de Emissões Reduzidas (ZER) de vários tipos e nada sai do papel. São postas placas de trânsito a anunciar as mudanças e, como não há nem fiscalização nem multas, nada muda. Passam uns anos, vem nova ZER e tudo se repete.

É aqui que estamos de novo. Passaram três meses e está tudo na mesma. Afinal (um advérbio), nem (outro advérbio) um carro foi impedido de circular pela zona condicionada. Ainda (terceiro advérbio). Um dia alguém na câmara vai conseguir. Tantas capitais europeias conseguiram. Deve ser possível.