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Sem os casos e os escândalos, até parece que o espaço público fica vazio porque na verdade ele já não é senão um espaço esvaziado da política.
António Guerreiro
A vida política em Portugal e a sua específica ecologia são marcadas desde há muito tempo por uma alternância fatal: não a alternância dos partidos na governação, mas a alternância dos casos e dos escândalos. Ora temos uns, ora temos outros. Sem eles, até parece que o espaço público fica vazio porque na verdade ele já não é senão um espaço esvaziado da política.
Escândalos e casos não são exactamente a mesma coisa. Ambos estimulam a indignação, que se tornou o sentimento mais bem partilhado, mas vistos de perto (e não cedendo a quem está sempre disposto a ver um escândalo em qualquer caso, por pequeno que seja, nem a quem tenta fazer a transmutação do escândalo em caso ou até “casinho”), há um factor que os diferencia, ainda antes de entramos numa análise mais apurada: enquanto o escândalo desencadeia uma reacção forte e quase unânime de indignação, de protesto, de injustiça, na medida em que mobiliza toda a gente, o caso provoca uma divisão nas hostes e não a unanimidade. Tem sempre um lado obscuro, críptico, que é preciso decifrar.
Ojornalismoencontrou assim matéria abundante para praticar a decifração, que é o seu exercício preferido desde que teve de abandonar, em larga medida, outras tarefas de que estava incumbido na sua idade clássica (digamos assim). De tal modo que se tornou impossível saber se o teor do escândalo e do caso se mede pelas reacções públicas do jornalismo e induzidas por ele, ou se pelo grau de transgressão, de dissimulação ou mentira que nele germina.
Pode assim acontecer, e acontece muitas vezes, que um simples caso entra numa espiral e acaba em escândalo. E o escândalo significa uma exposição intensa, sempre à beira de uma explosão que até pode deflagrar e provocar escândalos em cadeia. Mais raro é assistir à inversão da espiral e ver o escândalo em estado de deflação.
Não estou a dizer, nem sequer a insinuar, que os escândalos e os casos são produções do jornalismo. Longe disso. O governo actual até já montou uma agência de produção destes “eventos” (como se diz na linguagem dos espectáculos) e compete muito profissionalmente com os seus rivais. Sem a aplicação e o esforço desta agência governamental, o jornalismo descobridor de escândalos e casos e as suas milícias avançadas de decifradores não teriam tanta matéria com que se alimentar (há mesmo quem fique viciado).
O jornalismo da decifração (e sirvo-me aqui de uma categoria que já tem o seu teórico reputado: o ensaísta e cronista francês Christian Salmon) chega a convencer muita gente de que está a desvelar a verdade da política, a sua essência, e que esta é um emaranhado de signos a decifrar ou uma construção narrativa que só precisa de ser modalizada por narradores competentes.
Evidentemente, como já todos percebemos por experiência própria, ou acompanhamos o enredo sem interrupções ou perdemos o fio à história e tudo à sua volta se torna para nós um ruído insuportável. Deixamos então de querer saber, de querer ouvir, abominamos os autores dos escândalos e dos casos, os seus descobridores e os seus decifradores. Às vezes, deixamos de acompanhar os enredos e centramo-nos no meio, isto é, nomedium, nas técnicas, nos dispositivos, nos aspectos físicos e materiais. Omediumda política, tal como omediumda comunicação, funciona bem quando não se dá por ele. Se se torna evidente, se não conseguimos ver outra coisa, então é porque está tudo errado. E a “vida política” surge então aos nossos olhos como um espectáculo banal de simulações e de encenações primárias.
Tempos houve em que deplorávamos o excesso de cinismo e de cálculo político. Hoje já temos saudade desses vícios porque as novas formas de exibição nem estão à altura deles. E também já não se trata de propaganda ou de publicidade, como outrora, mas de simples simulação. A coisa não é muito bonita de se ver porque o que se exibe ostensivamente é o espaço vazio da política. E o triunfo deste jornalismo da decifração, com a sua horda de decifradores, não ajuda nada.
Para introduzir uma nota um pouco mais erudita neste assunto, fui ver num dicionário qual era a etimologia de “escândalo”. Fiquei a saber que vem da palavra gregaskandalon, que designa a pedra em que se tropeça no meio do caminho porque é um obstáculo e obriga a uma paragem. É neste estado coxo ou de imobilidade de quem tropeça que nos encontramos há muito tempo.
Alguns autores de opinião e de comentário, mais preocupados com o estilo do que com as ideias que elaboram, provocam no leitor menos preparado alguma dificuldade em os perceber. Escrevo o que penso sem preocupações estilísticas, escrevo ao correr da pena, ou melhor, do teclado. Preocupo-me mais com as ideias que pretendo passar com o possível cuidado no português.
Hoje resolvi abordar um artigo de opinião do jornal Nascer do Sol de 9 de junho, da autoria de João Brás intitulado “Discurso do ódio é o que é dito por quem eu quero calar”.
Não resisti ao comentário, no exercício de liberdade de expressão que me é devido em democracia, porque começa assim: “Em Portugal a estrela televisiva Cristina Ferreira foi a primeira subscritora da petição para a “‘Criminalização de ódio nas redes sociais’. O que políticos com propensão para a vigilância do pensamento desconforme abraçaram com entusiasmo…”
O autor do artigo mostra evidente azedume em relação à referida petição. O autor pode ser crítico de Cristina Ferreira, e até pode não gostar da senhora pelo mais vários motivos, assim como eu perfilho o mesmo sentimento. Sobre aquela senhora já escrevi textos neste blogue, que pode ver aqui, e aqui, mas, daí sair a defender com toda a gana a não limitação ao discurso de ódio vai grande distância.
A petição resultou no “Projeto de Resolução n.º 693/XV-1.ª - Medidas para combate ao discurso de ódio na internet” de 11 de maio de 2022 apresentado pelo grupo parlamentar do Partido Comunista Português e proposto por um grupo de deputados daquele partido. Foi aprovado na generalidade em 2023-06-02 na Reunião Plenária n.º 136 com os votos contra o CH, abstenção do PS e IL e favor: PSD, PCP, BE.
Para me explicar e para que seja claro na minha pretensão de comentar o que escreve o autor do artigo, peço alguma paciência aos potenciais leitores pela extensão do texto, mas terá mesmo de ser.
Para defenderem os seus pontos de vista e sustentarem as suas opiniões, é corrente alguns autores procurarem argumentos baseados em correntes filosóficas e ideológicas que professam, ou em textos mais ou menos complexos por vezes impercetíveis apenas por eruditos e que são passíveis de interpretações contraditórias.
Os que têm as mesmas opiniões defendem-nas e defendem-se uns aos outros, embora por caminhos argumentativos diferentes. A direita, e sobretudo a extrema-direita, é useira e vezeira nisso, defende com toda a gana toda a liberdade que a democracia lhes possibilita, mas quando um dia chegam ao poder é a chuva de críticas sobre a tal dita liberdade. Quando estes mesmos são os visados e o discurso de ódio lhes toca e ficam a braços com acusações torpes e ofensas ao seu bom nome e dignidade, a liberdade de expressão ilimitada que defendem é logo posta em causa. Elaboram discursos com propostas para se limitarem esses abusos e, perante tal libertinagem da expressão de pensamento, que defendiam/defendem colocam-se em bicos dos pés em prol da criminalização de tais discursos ofensivos.
Pela leitura do artigo de opinião de João Brás, pareceu-me ser este motivado por a proposta ter vindo do grupo parlamentar do PCP, comprovado pela referência que faz quando escreve que “Esta prática era bem conhecida no país dos sovietes e não só”, e que “No esplendor da URSS comités de camaradas controlavam os desvios burgueses”. Completa o seu argumento com “Designar os que nos contestam e criticam, que acreditam em outros modos de pensar e viver como indignos de poderem pensar ou propor outros modos de vida e rotulá-los de portadores de ‘discurso de ódio’ é neoestalinismo puro e duro”. Não me recordo de ninguém de direita ou da extrema-direita ter lutado tanto e tão veementemente pela liberdade de expressão de pensamento, quando estão no poder ou quando em regimes autocráticos e de ditadura.
O ódio àquele partido deve ser tal que lhe dificultou a lucidez da sabedoria e do espírito. Não sou simpatizante do PCP e muito menos após as suas posições relativamente à invasão da Ucrânia, mas aquelas afirmações extemporâneas e desajustadas ao tema são no mínimo ridículas.
Talvez o autor, pensador de filosofia que se acha de mente aberta considere que as limitações à liberdade de expressão em tenebrosas ditaduras de direita sejam válidas para não porem em risco a coesão política da nação e de “Deus, Pátria, Família”.
O autor parece ignorar que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, ela encontra-se nos limites na própria constituição e na grande maioria das vezes vem sendo tolhida em nome do princípio da dignidade da pessoa humana.
O radicalismo do autor em defesa da liberdade absoluta talvez tivesse como inspiração os argumentos de John Stuart Mill, um dos pensadores liberais mais influentes do século XIX, que aborda as questões em 1859 na sua obra “Sobre a Liberdade”.
Numa entrevista na revista LePoint de 2018 um advogado de extrema-esquerda que defende a extrema-direita este afirmava que “basicamente, se a extrema-direita defende a liberdade de expressão, é para poder ser abertamente racista. Eles odeiam judeus e querem poder dizer que negros e árabes são menos inteligentes, que todos eles têm de voltar para a sua terra, etc.”
A questão de fundo é sabermos se a liberdade de expressão de pensamento e os discursos de ódio não devem ser limitados, mas que devem ser absolutos como defendem os seus apologistas. Afinal, deve haver limites à liberdade de expressão? Quando é para interesse próprio, não, quando é para interesse de outros, sim.
Traduzindo: “Jean-Marie Le Pen sustentou que as câmaras de gás usadas pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial foram «um detalhe da história». «Não estou a dizer que as câmaras de gás não existiam. Eu mesmo não consegui ver nenhuma. Não estudei especificamente a questão. Mas acho que é um detalhe na história da Segunda Guerra Mundial.» Em 1991, foi condenado pelo Tribunal de Apelação de Versalhes por «banalizar crimes contra a humanidade" e «consentir com o horrível». Um bom exemplo para a liberdade de expressão poder ser absoluta, nem que seja para negar factos, históricos ou não.
O autor João Brás parece desconhecer que combater o discurso de ódio não é limitar ou proibir a liberdade de expressão, mas evitar que o discurso de ódio assuma proporções perigosas, incluindo incitação à discriminação, hostilidade e à violência, o que é proibido pelo direito internacional.
Para o autor a liberdade de expressão deve ser a libertinagem discursiva nas redes sociais e nas manifestações com palavras de ordem que atentem contra a dignidade humana e o caráter das pessoas, como racismo primário e violência contra os que não pensam diferente. Este tipo de pontos de vista são também eles uma espécie de pensamento único.
No decorrer do seu discurso o autor revela ignorância sobre a definição de discurso de ódio e pergunta: “quem define o que é discurso de ódio... Augusto Santos Silva? As fraturantes do PS e do Bloco? Um comité de especialistas comentadores dos média do sistema? Um consórcio de jornalistas dependentes?”. Pergunta lamentável demonstrativa da ignorância e falta de informação sobre o tema.
Não satisfeito atira também as culpas para a União Europeia. Gostaria talvez que o conceito fosse definido por filósofos de meia tigela, sobretudo da extrema-direita. O autor terá com certeza uma definição, ou nenhuma, ou então a pergunta é de retórica e pretende atingir política e ideologicamente alguns setores que sejam inconvenientes para a “sua democracia”.
Deveria saber que o conceito de discurso de ódio há muito que está caracterizado por especialistas na área, que não por filósofos de duvidosa democracia. Permitam-me também exercer aqui o meu direito ao enxovalho.
O discurso de ódio, conceito há muito caracterizado por especialistas que estudam esta problemática, é uma negação dos valores de tolerância, inclusão, diversidade e da própria essência das normas e princípios de direitos humanos. Pode expor pessoas visadas à discriminação, ao abuso e à violência, mas também à exclusão social e económica.
Apesar do conceito ainda continuar em discussão, especialmente em relação à liberdade de opinião e expressão, não discriminação e igualdade, o Plano de Ação da ONU sobre Discurso de Ódio define discurso de ódio como... "qualquer tipo de comunicação na fala, escrita ou comportamento, que ataque ou use linguagem pejorativa ou discriminatória com referência a uma pessoa ou a um grupo com base em quem ela é, ou seja, com base em sua religião, etnia, nacionalidade, raça, cor, descendência, género ou outro fator de identidade. Incluem-se entre outros imagens, desenhos animados, memes, objetos, gestos e símbolos que podem ser disseminados offline ou online.
Há questões que não devem ser apenas discutidas no foro das questões filosóficas, por vezes meramente subjetivas, cuja complexidade leva ao desinteresse por parte de população. O debate sobre o discurso de ódio deve ser mais pragmático e menos filosófico e não se limitar apenas ao âmbito da limitação, ou não, desse tipo de discurso, sobretudo nas redes sociais.
O que está em causa e que o autor do citado artigo parece estar a defender é a não limitação de qualquer forma de expressão comunicativa mesmo a do ódio que, segundo ele, atenta contra a "suas" presumíveis liberdades democráticas e de expressão. Pela minha interpretação o autor elimina à partida quaisquer possíveis restrições à liberdade de expressão. Tudo o que não se permita é contra a liberdade, defende-se assim a libertinagem discursiva pela ofensa, perseguição e ódio.
O autor tenta confundir o leitor ao colocar no mesmo baralho cartas com naipes de jogos diferentes ao levantar questões como a de que “Nada como criminalizar os que não pensam como eu, e não só demonizá-los como silenciá-los com rótulos criminosos e patológicos…”. Parece-me que estará a fazer o mesmo como aqueles que critica porque não pensarão como ele sobre a limitação sobre o discurso de ódio.
Vejamos então: ameaças de atentado à vida de pessoas, incitamento ao terrorismo e à sua concretização, seja por motivos religiosos, políticos, ideológicos ou outros devem ser tolerados. Será isto? Para o autor, qualquer discurso, seja de que forma e conteúdo for, deve ser tolerado em nome da liberdade do que chama expressão de pensamento.
Escreve ainda o autor João Brás que “As palavras não são ações e as ideias, pensamentos e opiniões devem poder ser debatidos, criticados, é esse o melhor modo de não se infantilizarem as pessoas, provarmos que há modos de viver e pensar mais decentes e dignos que outros...”. Esta é uma visão quimérica da realidade. Será que aqueles que se exprimem inicialmente por palavras para perseguirem etnias, raças e ideologias não se irão exprimir depois por ações? O ódio produzido por nazis contra judeus deveria de ser tolerado e de livre expressão porque no início não eram ações. Os factos comprovam que as palavras conduziram a ações. Mas, por outro lado, quem se manifestava contra o partido nazi através da expressão de pensamento era perseguido.
Será este o ponto de vista do autor que, justificado pela livre expressão de pensamento, se possa fazer a apologia e incitamento ao crime? Se assim for poderemos então defender publicamente que se persigam etnias, se proceda ao genocídio, fazer apologia ao nazismo, mesmo que se calcule possa levar a ações da prática de crimes e chacinas consequências da liberdade de expressão.
Não estou em crer que o autor não ficaria indignado e que não se importaria se, tal como escreve, a critica e o debate fossem “o melhor modo de não infantilizar as pessoas”, na circunstância de alguém, que não estivesse de acordo com o seu pensamento e não aceitasse a argumentação, o debate e a critica, o perseguisse, insultasse, ameaçasse de morte, injuriasse, lançasse suspeições de atos não foram por ele praticados, publicasse mensagens de ódio e ameaça à sua família, etc... E, caso esses discursos se mantivessem, qual bulling político, tal como jovens têm sido vítimas por outros colegas e outros agentes do ataque pessoal. O que pensa o autor sobre isto? Nada. Deixa campo aberto para tudo em nome da “sua liberdade de expressão” sob qualquer forma.
Continuo a questionar o autor sobre o que faria se, neste blogue, o difamasse, ofendesse, ameaçasse, acusasse, difundisse factos a seu respeito através de imagens falsas que o atingissem no seu bom nome e reputação, etc.? Se a tal procedesse e o divulgasse publicamente decerto que me poria um processo em cima dos costados. Onde estaria então o meu direito à liberdade de expressão?
Talvez através de retóricas argumentativas me demovesse de tudo o que disse e ameacei e debatesse comigo o meu pensamento e a minha opinião e fizesse a devida crítica. E, claro, logo depois, eu teria deixado os meus propósitos de ódio e retiraria tudo o que disse e passaria a ser um menino bem-comportado.
Imagine-se que numa breve exposição de ideias se encetava uma conversa com um intolerante defensor do discurso de ódio e que, após uma breve exposição de ideias, lhe perguntamos então qual é o seu contra-argumento, e o interlocutor responde: - O meu argumento? É este o meu argumento - mostra a arma que transporta. Penso que Karl Popper terá contado algo semelhante, não tenho a certeza.
Quando alguém lança numa rede social frases ofensivas e imagens com montagens falsamente comprometedoras de outro(a) esse(a) tem toda a liberdade de o fazer, será isto que o autor defende que não deve ser limitado? Isto parece-me ser tendencialmente uma liberdade de expressão sem limites, uma acracia da expressão.
Penso ser da mais comum racionalidade democrática que não se pode ferir a intimidade, privacidade, honra e imagem de outra pessoa. Logo, não se pode usar o argumento da liberdade de expressão para ferir outros direitos garantidos.
Termino com citações de Karl Popper sobre a tolerância em “A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos” onde afirma que “a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”.
Numa nota de rodapé ao capítulo 7 (p. 289; V.1, tradução, 1973) em "A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos", Karl Popper escreveu que “o ‘paradoxo da liberdade’- a liberdade total leva à supressão dos fracos pelos fortes – e o "paradoxo da tolerância" - a tolerância ilimitada conduz ao desaparecimento da tolerância.”
Há países que ainda permitem uma variedade muito grande de discursos e ações com diversos espectros ideológicos. As democracias devem restringir discursos precursores de intolerância e de ódio que incitem à ação. A questão é descobrir como restringir, banir ou punir apenas e arranjar a solução certa. É difícil para as democracias centrarem-se nos discursos e grupos e partidos realmente perigosos e deixar o campo de ação o mais amplo possível do que é permitido. Numa primeira fase, algo terá de ser feito.
A seguinte afirmação foi escrita no semanário Nascer do Sol num artigo de opinião.
“O que também percebemos é que Pedro Nuno Santos estará para ficar e para disputar o bolso dos contribuintes com políticas despesistas, mantendo a trajetória política dos seus antecessores.”.
A expressão “sol da terra” foi utilizada no título e alude à caracterização da URSS feita por Álvaro Cunhal durante o XXIII Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), que decorreu entre 29 de março e 08 de abril de 1966, em Moscovo.
No Portugal de hoje há um semanário que utiliza o nome do astro “Sol” como título antecedido de “Nascer”. É o “Nascer do Sol”, um jornal de direita. Este foi apenas um momento de humor mordaz, as minhas desculpas. Cada órgão de comunicação tem o direito de escolher o nome que melhor entender.
Se queremos andar informados sobre vários ângulos da política não devemos ouvir e ler somente o que gostamos, mas também pontos de vista contrários aos nossos com o distanciamento necessário para não nos deixarmos influenciar, levados por vezes por argumentações falaciosas e até sedutoras.
Analisado o conteúdo do artigo nada revelou sobre o que a sigla PSN significava. A aproximação era pelas iniciais de Pedro Nunes Santo. Será?
Feito o “descasque” do artigo só uma frase da autora me pareceu importante no meio do blá-blá-blá: “Mas o que também percebemos é que Pedro Nuno Santos estará para ficar e para disputar o bolso dos contribuintes com políticas despesistas, mantendo a trajetória política dos seus antecessores.”
A senhora Jurista, por um lado, critica o Governo por apresentar contas certas quando escreve que “é fácil a um Governo que não cumpre a orçamentação apresentar contas certas”, mas, por outro lado, faz adivinhação afirmando que Pedro Nunes terá a mesma trajetória despesista dos seus antecessores. Ora, Pedro Nunes Santos não pertencendo já ao Governo a autora diz terá. Mas quando? Em que futuro? A sua capacidade de previsão do futuro é assombrosa. Analisa o que dizem transformando numa espécie de oráculo ao seu modo. Escava depois interpretações sobre os lucros da TAP e da CP numa tentativa de depreciar o que a incomoda.
Não é novidade que os partidos da oposição da extrema-esquerda e da direita, na mesma trajetória contra o Governo, tenham discursos idênticos no sentido de pressionar o Governo a reduzir a receita e a fazer mais despesa. Não estando no poder as contas certas não lhes interessam, antes pelo contrário. Se o Governo entrasse em incumprimento, lá vinha a direita em uníssono a esbracejar contra o governo socialista despesista.
Hoje no discurso do 10 de junho Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que devemos criar "mais riqueza, mais igualdade, mais coesão, distribuindo essa riqueza com mais justiça, porque só isso nos permitirá ter projeção no mundo”. O senhor Presidente da República tem toda a razão, mas como acha ele o quê e como se poderá fazer. Poderá não, deverá. É isso que a oposição à esquerda e à direita do PS não dizem. Apenas exigem que se faça e, mais, prometem fazê-lo. Quando um Presidente da República faz apelos e dá avisos, por mais demagógicos que sejam, sabe que pode fazê-lo por que não será responsável pela boa ou má execução do que diz ser necessário fazer. Estará neste caso sempre a salvo de críticas. A responsabilidade será sempre do executivo em funções.
Não podemos ter sol na eira e chuva no nabal. Ou se mantêm os objetivos de contas certas, redução do défice e redução da dívida ou, então, aumenta-se a despesa e a dívida com as implicações negativas que tal terá. Assim, a direita viria, a público, diligente gritar contra os governos socialistas despesistas. Desconstruído este mito desde 2015 em que o PS está no poder o que resta à direita?
Nós, os eleitores e crentes que temos direito de eleger, somos os cordeiros e o “pau para toda a obra”, nas mãos de obreiros da partidarite e de influencres mais ou menos hábeis, que grassam pelo país cujo objetivo último é atrair o maior número possível de crentes e de votos, o que, na gíria popular, se designa por caça ao voto e à compra. Para este tipo de caça vale tudo o que estiver disponível para persuadir, influenciar e condicionar os eleitores de modo astucioso.
Não é só na política, mas também noutros sentidos, que a caça e a crença se desenrolam, é também no domínio dos “shows” e rituais como os das seitas evangélica ou pró-evangélicas cada uma com os seus séquitos.
A decisão dos eleitores em votarem numa ou noutra força partidária é idêntico ao processo que leva as pessoas a acreditar que mudarão de vida por causa de uma qualquer X-talks (talk-lérias) ou, ainda, pantomimices de palestras de autoajuda e motivação ao vivo assim como as pessoas são levadas a acreditar que um ou outro partido irá resolver os seus problemas ou que um certo líder é que diz as verdades, não obstante ser apanhado a mentir quase diariamente. A sensação para quem está de fora é parecida: uma profunda incredulidade com o que se passa na cabeça dos eleitores que se transformam em crentes irracionais. O oportunismo de imagens religiosas nos fatos e capas que veste são usadas como chamariz são a evidência do apelo à crendice que acarreta.
Introduzo aqui uma analogia entre política e shows pagos para ouvir uma senhora que enriquece à custa da papalvice de alguns que a idolatram e acham que lhes vai melhorar a sua vida com as suas patranhices. Este tipo de palestras descredibilizam o ato político de escolhas porque tornam implícito que a crença neste tipo de negócio para melhorar a vida das pessoas passa por abandonar a escolha política.
Mais grave ainda é haver políticos que já foram aos programas daquela que parece querer identificar-se com uma qualquer “nossa senhora” como o fez o Senhor Presidente Marcelo Rebelo de Sousa que chegou a telefonar-lhe na estreia de um novo formato (janeiro/2023) quando essa “Nossa Senhora” estava em direto. Este tipo de intervenções de políticos ajuda ao marketing do produto que uma qualquer “guru” com uma capa com a imagem de “Nossa Senhora” pretende vender. Este tipo de intervenções funciona como uma legitimação das qualidades que a apresentadora anuncia ter, assim como a dos produtos que vende.
Os políticos, e muito menos o mais alto dignitário de Portugal, não podem fazer de figurantes publicitários que contribuam para a credibilização de vendas personalizada duma pessoa que anuncia milagres, vende sonhos e ficções perigosas aos clientes que até podem ser perigosos para a própria democracia. Isto reveste-se de gravidade. É pura e simplesmente a negação da política quando se acredita que, o que aquele, ou aquela, pensa contribui para melhores condições de vida e está disposto a lutar por elas individual e coletivamente fazendo-os acreditarem que tudo conseguem.
Nós, os eleitores, somos frágeis e crentes e, por isso, estamos sujeitos a deixarmo-nos enganar por manhas. De acordo com a Bíblia, a serpente ludibriou Eva para enganar Adão e o conduzir à desgraça da perda do paraíso e, daí, o sofrimento ao Mundo. A desculpa de Eva foi simples “foi a serpente que me enganou e eu comi”. Esta resumida passagem da Bíblia serve para mostrar como é a estratégia dos partidos políticos para atrair o voto dos cidadãos. É assim o jogo em democracia. Procuram ganhar eleições fazendo promessas em que os eleitores apostam como se fosse um jogo do poker igual aos que vendem patranhas.
Os eleitores são sujeitos a esta espécie de jogo de caça ao “tesouro do poder” pelo voto. Os bons rapazes são eles, os dos partidos, e nós, os “gajos merdosos”, que nos deixamos enganar.
Nós, os eleitores, somos por natureza volúveis nas nossas opções, ora votamos num partido, ora votamos noutro. Os eleitores pensam que ao mudarem a opção de voto lhes trará vantagens, facto de que os populistas sabem tirar vantagens. Assim, nós os eleitores, devemos estar acima do ruído onde se perde o sentido do que interessa, mas naquilo que tenha impacto na sua vida.
Em todo o mundo partidos e políticos populistas têm mostrado capacidade para usar um discurso forte para atrair adeptos e votos. Quem escreve roteiros para filmes ou gosta de avaliar filmes tem uma regra que é o “KISS” - Keep It Short And Simple, isto é, mantenha a narrativa curta e simples. Esta é uma espécie de fórmula utilizada para quando se está a contar uma história, seja ela verbal, visual ou multimédia para que seja percebida por todos e essa também é a estratégia utilizada pelo populismo. Veja-se, por exemplo, as mensagens colocadas em outdoors dos partidos.
Para seduzir eleitores, partidos da extrema-direita e também da extrema-esquerda, recorrem ao discurso populista que parece estar a resultar, não apenas em Portugal. Face a isto, os partidos políticos democráticos moderados de direita e de esquerda deixam-se contaminar e passam muitas vezes a seguir o mesmo processo de comunicação com os eleitores. Para fazerem oposição ao Governo, (qualquer governo), criam no povo a crença errónea de que o país está sob ameaça devido à má governação e corrupção causados por forças que o estão a destruir. Quem esteja na oposição e a concorrer ao poder, aponta ao alvo que, por princípio, é sempre o partido no governo, socialista ou outro qualquer. O argumento é que o "verdadeiro povo" precisa de ser protegido dos corruptos e da falsidade. Como anseiam o poder recorrem à injuria, à ofensa, censuram e criticam o que está mal e o que está bem, tudo no mesmo saco. Podem ser os partidos políticos, a U.E. os imigrantes, etnias, salários, pensões, etc., estratégia usada sobretudo pelos partidos da extrema-direita.
Nós, os eleitores, devemos ter esperança, dizem-nos alguns. Esperança era uma das palavras preferidas usada pelo PSD na altura da troica (Passos Coelho). Esperança foi recuperada por Luís Montenegro que, motivado por Cavaco Silva, diz que, se o partido for apoiado e chegar ao governo, dará uma nova vida aos portugueses. O líder do PSD acompanha o Professor Aníbal Cavaco Silva no “sinal de esperança para os portugueses.”. Falta clarificar a esperança em quê. Numa nova vida baseada em quê?
A propaganda do PSD avança com um fraseado próximo do populismo: “Quem é o português que não está zangado neste momento, lá em casa, quando vê o dinheiro do PRR a não chegar aos negócios e às famílias, quando vê o caos nas urgências, quando vê greves de professores umas atrás das outras?”, palavras de Cavaco. Fazer chegar o dinheiro do PPR às famílias?!! Não basta dizer ou escrever à toa. Nós, o povo, os eleitores, os crentes em alguma coisa precisamos de saber o quê e como fará o PSD para alterar o que hoje critica. Nós, o povo, os eleitores, os crentes precisamos de conhecer claramente o projeto da direita para o país. Assim o diz Francisco Mendes da Silva (CDS).
O que os portugueses precisam de ouvir é, sobretudo, como é que um governo PSD resolveria para fazer chegar dinheiro às famílias, resolver o problema do “caos” nas urgências, dar resposta às exigências dos professores e à situação da falta de médicos de família.
Veja-se como o discurso de Cavaco Silva se aproxima do populismo que é a estratégia que Luís Montenegro passou a seguir. A ideia é criar algo que todos entendam, fáceis e compreensíveis como os movimentos populistas têm utilizado eficazmente nos últimos tempos. Os “heróis”(!) combatentes patriotas populistas lançam para o “ar” a ideia de que estamos numa desgraça da política e, por isso, lutam por uma espécie de ressurreição dizendo lutar contra uma crise social por eles construída artificialmente ajudados pelos media.
Nas representações típicas dos populistas verificamos que está sempre presente uma evocação de crise ou de declínio das instituições. É um dos elementos básicos das estruturas da sua argumentação, para além do discurso falsamente moralizado e centrado em suspeições e factos hipotéticos. A aproximação à pessoa comum e aos seus problemas individuais é um ardil. Outro ainda é a passagem da noção de pessoas comuns versus os políticos que são uma elite e que o povo tem uma espécie de senso comum implícito nos seus julgamentos. Desenvolvem teorias da conspiração acerca de intrigas malignas sobre os que os criticam e desenvolvem um discurso muito moralizado. Tentam instigar os instintos mais primários das pessoas criando tensões e quebrando as normas e valores, que caracterizam a coesão social.
Os eleitores, o povo em geral, não está ciente de que não está plenamente informado do que se passa no interior dos partidos nem nos corredores da política do país a não ser pelos media. Como os eleitores só recebem fragmentos episódicos de factos, frases bombásticas dos líderes dos partidos, notícias dadas pelos media, as quais não possibilitam conhecer as causas primárias, os potenciais eleitores são confrontados grosseiramente com notícias que lhes impingem por vezes aceitando-as acriticamente.
Os momentos das várias agendas mediáticas e políticas são focados na economia que não chega aos bolsos das pessoas, na crise da habitação que não é resolvida e a que os jovens não tem acesso, na corrupção que grassa, na pessoalização de casos, etc. É isto que diariamente é repetidamente metralhado e chega pela comunicação social aos potenciais eleitores que não sabe o que, entretanto, possa ter sido melhorado e implementado de novo, e, quando o é, é “En Passant”, de forma a passar despercebido.
Os comentários são repetidamente os mesmos: o que se passa com a política e com os políticos, o país não avança, está atrasado, os salários estão baixos, etc. Quem é o culpado? Claro, são os que governam no momento, o socialismo, e, para alguns, o primeiro-ministro, e, em alguns casos, a própria democracia. Os que assim falam julgam-se os representantes executivos, diretos e únicos, da verdadeira vontade do povo. Fingem defendê-lo contra os políticos que veem como sendo todos corruptos e parasitas, exceto eles próprios, claro!
Alguns da direita extrema fazem-nos acreditar que são enviados e apoiados por Deus para defender as pessoas contra as coisas más presentes nos tempos modernos. Daí a necessidade de mostrarem publicamente a sua religiosidade e como são seguidores fiéis da Igreja Católica os órgãos de comunicação, mais ou menos simpatizantes da causa, fazem tornar públicos.
Se estivermos atentos ao que os media nos colocam à disposição diariamente sentimos que o essencial dos factos não é relevante, não é essencial para as pessoas. O irrelevante dos factos é selecionado e amplificado para que sejam acionadas as críticas que sejam mais compreensíveis pelos potenciais eleitores e se indignem com a situação. Não interessa mostrar o enquadramento da causa que, por vezes, é mais complexa do que nos mostram.
As redes sociais possibilitam a qualquer um fazer comentários sobre a situação política que se tornou, por isso, uma maneira eficaz de promover narrativas oposicionistas de cariz populista assim como a publicação de notícias falsas. Há pessoas e grupos que se organizam de modo a tentarem influenciar a opinião pública sobre temas que lhes interessa. Coloca-se material como sendo notícia acerca de factos que são falsos e que, sem filtro, são assumidos como verdadeiros.
Os eleitores que almejam paraísos fictícios são ludibriados com vãs esperanças de promessas fortuitas vindas de alguns partidos que enchem a sua alma desejosa de melhorias intangíveis.
Os canais televisivos debitam diariamente no noticiários e debates políticos onde, por vezes, é evidente a falta de clareza, a repetição diária e sistemática das mesmas imagens e notícias sobre o mesmo tema transmitidos até à exaustão. A estes acrescem comentários e opiniões que fazem parte da agenda político noticiosa de cada canal construídos para causar nas audiências desorientação e funcionam como uma espécie de lavagem cerebral política induzida pelos media mais consumidos através dos quais os potenciais eleitores absorvem informação.
Saber distinguir o trigo do joio em tudo aquilo que os media e os partidos nos “vendem” é uma arte que deve ser cultivada, sem emoções arrebatadas levantadas pelos contextos políticos e até por opções pessoais de ordem partidária ou ideológica. Nós, os eleitores, não nos podemos deixar levar por crenças misturadas neste caldeirão emocional em que os media e os partidos nos fazem viver sem discernir racionalmente, o que, por vezes, se torna difícil.