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A Propósito de Quase Tudo: opiniões, factos, política, sociedade, comunicação

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Oposição ao Governo ou maquinação da direita

13.12.22 | Manuel_AR

Montenegro PSD e Saúde.png

Luís Montenegro acompanha e ousa entrar em delírio acusando António Costa de “teimosia ideológica” no sector da saúde e de condenar ministro da Saúde ao insucesso. Mas afinal, nós o povo, ficamos sem conhecer o que pretende Montenegro para a saúde para podermos fazer escolhas.

1. Tem estado de chuva e momentos de temporal com agitação marítima devido a depressões que se formaram na região dos Açores e que se deslocam de oeste para leste afetando o Continente e estes dias de chuva convidam à reflexão e à escrita.

O PSD com Montenegro ao leme com o conluio de alguns dos seus servidores, mesmo os não militantes, ávidos de vingança pela perda nos resultados eleitorais, juntaram-se para criar instabilidade social e política apostados no desgaste do Governo socialista com uma ajudinha do BE e do PCP que, por outros motivos, prosseguem os mesmos objetivos do enfraquecimento do Governo embora com estratégias diferentes.

O líder do PSD, Luís Montenegro, afirmou com toda a clareza no dia 19 de novembro que quer mesmo ir "à procura de uma maioria absoluta" e salientou que os socialistas "não mereceram a confiança" que tiveram com o resultado das eleições legislativas de janeiro. Isto é, critica uma maioria absoluta de um partido, mas pretende obtê-la no futuro.  Quem garante aos portugueses que o PSD será merecedor duma maioria absoluta?

Podemos presumir que haverá outras tramas a colocar no ar por equipas especializadas da direita e com a ajudinha de órgãos de comunicação, contra o Governo PS, sobretudo, contra o seu alvo principal, António Costa.

Há, com certeza, razões de facto e de substância para criticar más decisões e falhas de atuação do Governo e é para isso que serve o papel das oposições ao Governo e não a procura de casos e casinhos fátuos que se procuram aqui e além para os transformar em assunto que brevemente passam a não assunto, mas que serve para abertura dos noticiários televisivos que à falta de melhor dão relevo ao que apenas serve para disfarçar a incompetência da oposição e a sua falta de propostas objetivas.

Ninguém é perfeito, todos temos virtude e defeitos, assim como ninguém é infalível. Do mesmo modo não há Governos perfeitos e infalíveis, sejam de direita ou de esquerda. Contudo alguns líderes partidários, quando na oposição, pretendem mostrar que o serão e que farão melhor se forem Governo, mas o certo é que sem lá estarem não o sabemos e quando lá estiveram não o mostraram, nem aquele que disse que "Raramente me engano e nunca tenho dúvidas".

E é neste contexto que surge, em momento oportuno, o lançamento de um livro, dito de memórias, (mais um), da autoria do jornalista Luís Rosa redator principal do jornal Observador.

O lançamento teve primazia em todos os noticiários que salientavam situações citadas no livro que pretendiam comprometer António Costa, mas que com o passar dos dias se confirmou que afirmações feitas por Carlos Costa ex-Governador do Banco de Portugal não eram factuais. Passados dias a euforia extinguiu-se dos noticiários.

Na cerimónia de lançamento da referida obra que não foi escrita por Carlos Costa, mas sobre ele enquanto foi Governador do Banco de Portugal. No lançamento do livro reuniu-se um “gangue” de direita com um painel criteriosamente escolhido para a apresentação. Antes que alguém me ponha algum processo por utilizar designações ofensivas deixem-me esclarecer que a palavra “gangue”, neste contexto, é em sentido figurado e, como tal, considerado como grupo de pessoas unidas por relações de amizade ou por interesses comuns. A estes juntou-se também Teixeira dos Santos na assistência que, passo a recordar, foi o ministro das finanças que cedendo a pressões do ex-primeiro-ministro José Sócrates contribui para que Portugal caísse quase na banca rota e estivéssemos sob o domínio da “troika” e com Passos Coelho no Governo.

Na mesa não faltou o comentador Marques Mendes bem conhecido por possuir o dom de fazer oráculos. No grupo dos presentes encontravam-se ainda, entre muitos outros, os principais ressabiados com António Costa, desde logo Cavaco Silva, passando por Pedro Passos Coelho e, obviamente, Carlos Costa.

Os dois primeiros nunca lhe perdoaram a queda do Governo PSD-CDS que, em 2015, em coligação teve uma relativa maioria parlamentar o que resultou na formação da “gerigonça” assim chamada pelo já falecido Pulido Valente. António Costa conseguiu então um entendimento com o BE e com o PCP que fez cair a minoria parlamentar de direita. Os mentores da coligação de direita PSD-CDS exaltaram negativamente o acontecimento fazendo crer aos seus eleitores que tinham ganho as eleições, e ganharam de facto, mas encobrindo que a dita coligação de direita que ganhou as eleições com minoria iria acabar, mais tarde ou mais cedo, por cair e ocasionando consequentes eleições antecipadas.

O grupo de direita lá esteve representado no lançamento do livro e, claro, Luis Montenegro que não poderia faltar a tal evento, rodeado pelos opositores a quaisquer governos do Partido Socialista e a António Costa.  

Lá esteve também Miguel Relvas que terá conseguido posteriormente um diploma de “verdadeira” licenciatura.   A estes juntaram-se outros destacados dirigentes e membros do Governo de Pedro Passos Coelho. Nesta sala repleta de convidados estavam ainda Paula Teixeira da Cruz, antiga ministra da Justiça, grande pretensa reformadora da justiça, Joana Marques Vidal, ex-procuradora, Marçal Grilo, antigo ministro da Educação socialista, atualmente sem filiação partidária, e a ex-procuradora Maria José Morgado, estes dois últimos que, por delicadeza, terão aceitado o convite.

A publicidade foi eficaz e bem preparada para a venda do livro. As passagens polémicas avançadas no livro foram bem estudadas e calculadas. Como costuma dizer Fernando Mendes no programa “Preço Certo” da RTP1 quando o valor da margem do concorrente para acertar no valor da Montra Final “um espetáculo”.

O senhor Dr. Carlos Costa, depois de 10 anos no cargo que terminou a 8 de julho de 2020, apesar de estar no fim do mandato, nunca perdoou a António Costa a questão do BES e do Banif nem a sua substituição pelo ex-ministro das finanças Mário Centeno,.

Os 10 anos do mandato de Carlos Costa, apesar de inicialmente pacíficos, ficaram marcados pelo tempo da troika, pela queda do BES e do Banif e por severas críticas feitas por vários quadrantes políticos. António Costa estava em funções há quatro meses e já dizia o que pensava sobre o governador do Banco de Portugal que vinha do tempo de José Sócrates e reconduzido por Pedro Passos Coelho.

No início de 2016, o primeiro-ministro acusou o Banco de Portugal da irresponsabilidade de estar “a arrastar uma decisão” sobre os lesados do BES e considerava “a todos os títulos lamentável” a forma como o supervisor da banca, Carlos Costa, vinha conduzindo o processo.

Em fevereiro do mesmo ano o primeiro-ministro António Costa afirmava ter um bom relacionamento entre instituições, que havia um mandato para cumprir e que ainda era cedo para apurar responsabilidades e se haveria, ou não, "falha grave" do governador do Banco de Portugal que o levasse a ser destituído, tudo dependeria do que concluísse a comissão de inquérito ao Banif. Em abril falou numa eventual destituição de Carlos Costa relacionada com as conclusões da comissão de inquérito ao Banif, dizendo que “Se um dia se concluir alguma coisa, as consequências serão apuradas. Não faz sentido estar agora a antecipar conclusões que no momento próprio a comissão há de tirar”.

A publicação do livro sobre Carlos Costa escrito por um autor potencialmente de direita surgiu oportunamente na altura em que vários casos pontuais, com a ajuda das televisões que repetiam sistematicamente os relatos desses casos durante os noticiários que, independentemente de ser de interesse público, davam a perceção de que há uma nota de incidência oposicionista ao Governo em funções.

É o reflexo da agenda política da direita e do facto do acento tónico da oposição estar centrado numa sucessão de casos que envolvem elementos do Governo. O cerco para o desgaste já se tinha iniciado em torno do primeiro-ministro e o caso Miguel Alves e dos 300 mil euros entregues ao insano empresário Ricardo Moutinho para um projeto não realizado caiu como sopa no mel. O que se infere daqui é como saber até que ponto o primeiro-ministro poderá ter, ou não, informações fidedignas sobre os elementos que convida para o Governo e para o seu staff mais próximo.

Quando estava em cauda o elemento escolhido para a coordenação política do executivo juntou-se o episódio em que Carlos Costa acusava a intervenção do primeiro-ministro no caso Isabel dos Santos e foi por ela desmentido numa entrevista publicada no DW-Deutsche Welle ao afirmar que “O Estado português nunca interveio a meu favor". O exposto no livro sobre o ex-governador seria uma espécie de maná para a direita desgastar o Governo.

2. Outro ponto foi a tarefa da comunicação social trazer novamente à tona o SNS e as falhas nas urgências hospitalares. Como amostra temos a orquestração, de tal modo bem feita, para mobilizar e criar insegurança na população sobre um problema que é um dos mais sensíveis, a saúde. O ataque ao SNS tem sido evidente em todos os canais de televisão que se propuseram tratar o tema causando um desnecessário alarmismo. Primeiro foi a Ginecologia, a Obstetrícia e os blocos de parto encerrados. Posteriormente passou para as urgências pediátricas a que se seguiram as urgências hospitalares e, por último, até ver, passou-se às urgências de intervenção do INEM.

As explicações dadas podem até ser razoáveis e são apontadas como a principal causa das dificuldades o completar as escalas das urgências devido à saída de muitos profissionais do SNS e à reforma de muitos outros, cujos postos de trabalho não têm sido compensados ao longo dos anos com o mesmo número de contratações.

A Ordem dos Médicos e algumas estruturas sindicais têm insistido na falta de atratividade da carreira médica no Serviço Nacional de Saúde (SNS) o que tem provocado uma "fuga" de médicos, de todas as especialidades, para mercados de trabalho mais aliciantes, no setor privado ou no estrangeiro.

O envelhecimento da classe médica também tem sido apontado, sobretudo porque os mais velhos (a partir dos 55 anos) podem ficar dispensados de fazer urgências. Aos 50 podem recusar trabalho noturno.

Ora, parece-me que para estes problemas não estará isento de responsabilidade o lóbi dos privados.  Para Pacheco Pereira o “lóbi da saúde é um dos mais poderosos que atuam em Portugal”.  São apontados os médicos e a Ordem dos Médicos, que têm uma capacidade reivindicativa muito grande sabermos que é a Ordem dos Médicos que controla o acesso à especialidade, e por isso tanto se falar na crise das especialidades, ao qual podemos acrescentar o lóbi dos privados porque o negócio da saúde é uma atividade considerada muito lucrativa. Todavia não se pode isentar de responsabilidade o Governo e o Ministério da Saúde do que acontece na saúde.

O que tem vindo a público sobre a saúde são uma espécie de casos armadilhados que parecem não ser mais doa que “uma série coincidências pontuais” que não se descarta poder ser até intencionais para criarem uma perceção de caos na população para abertura de caminho a interesses privados.

O curioso é a intensidade com que têm sido trazidas para o público, o que já se tinha verificado em agosto. Partir daí, prolongou-se até final do verão com uma relativa acalmia intensificando-se novamente há poucas semanas. Isto é, parece ter havido uma coincidência com a maioria absoluta do PS vinda do último ato eleitoral. A pergunta que se pode fazer é como todas estas situações se agravaram rápida e significativamente no espaço de alguns meses e imediatamente após ter sido estacionada a epidemia covid-19.

A Ordem dos Médicos e alguns sindicatos aproveitam para se colocar contra o Governo e executarem ações reivindicativas salariais e de revisão de carreiras. Por outro lado, o lóbi da saúde privada fará tudo para a tornar inoperacional e reduzir a eficácia do SNS tendo em vista vantagens futuras.

Luís Montenegro acompanha e ousa entrar em delírio acusando António Costa de “teimosia ideológica” no sector da saúde e por condenar o ministro da Saúde ao insucesso. Mas afinal, nós, o povo, ficamos sem conhecer o que pretende Montenegro para a saúde para podermos fazer escolhas.

O que se pode perceber nas entrelinhas das afirmações de Montenegro é a sua pretensão de destruição do SNS para o entregar aos privados. Disse ele que “Se não fossem hoje os [médicos] prestadores de serviço que vêm às unidades de saúde, não havia capacidade de resposta. Essa é a maior evidência daquilo que é uma mudança estrutural, que por teimosia ideológica do Dr. António Costa e das pessoas que têm passado no Ministério da Saúde, está a tardar em ser assumida e executada e isso tem tido como desfecho o aumento das listas de espera”.

É, assim, fácil fazer oposição com a mão cheia de nada para oferecer, mas ao mesmo tempo Montenegro “canta de galo” quando diz que o PSD irá ter uma maioria absoluta nas eleições de 2026 ao mesmo tempo que critica ter sido dada maioria absoluta ao Partido Socialista.

Eutanásia o que penso mas que não disse

13.12.22 | Manuel_AR

Eutanásia: um debate de vida sobre a morte

Fotografia: Shutterstock

“O médico que jurou defender a vida, curar, tratar e aliviar o sofrimento de um doente, passa a ser o médico que pode decidir sobre a sua morte”.

(Sofia Galvão, advogada)

Este artigo de João Miguel Tavares diz tudo o que penso e que não consegui dizer de modo tão claro  e com a eficácia pretendida, daqui a inclusão do artigo de opinião neste blogue. Se é certo que o SNS está a funcinar mal, não é menos certo que também tem  muito que funciona bem. Os lobis da saúde privada, dos médicos, dos hospitais privados e até a corporativa Ordem do Médico  e alguns sindicatos dos médicos terão alguma responsabilidade no que a partir de certa altura no que se está a passar no SNS. Talvez conseguiren a sua destruição para obterem vantagens signbificativas.

A eutanásia, os cuidados  paliativos e as listas de espera

Aprovar a eutanásia no SNS com listas de espera quilométricas e sem uma rede de cuidados paliativos decente pode parecer muito modernaço – infelizmente, é apenas cavernícola.

Luís Montenegro chegou todo orgulhoso com a sua pergunta sobre a eutanásia. Se houvesse um referendo, a pergunta que o PSD gostaria de colocar aos portugueses era esta (não se esqueçam de respirar antes): “Concorda que a morte medicamente assistida não seja punível quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável?”

 

Esta pergunta, em bom português, é uma bela treta. E não é só por ser quilométrica, palavrosa, redundante e vários velhinhos correrem o risco de falecer antes de chegarem ao fim. A pergunta é uma treta porque ignora, da primeira à última letra, o verdadeiro problema da aplicação da eutanásia em Portugal em 2022: um SNS exangue, a estoirar pelas costuras e muitíssimo incompetente em valências fundamentais, que estão intimamente relacionadas com o desejo de morrer ou de permanecer vivo.

A única vantagem de um referendo sobre a eutanásia não seria dar uma resposta à pergunta do senhor Montenegro – seria explicar o quanto aquela pergunta é uma farsa nas actuais condições do SNS. Era ter, pelo menos, uma oportunidade para mostrar aos portugueses que vivemos num país profundamente atrasado armado em altamente progressista. Um país que faz leis de primeiro mundo com hospitais públicos cada vez mais perto dos do terceiro.

Aquilo que penso sobre a eutanásia está escrito num artigo com quase três anos, chamado “Suicídio assistido, eu percebo; esta eutanásia, não”, no qual defendi a solução suíça, ou seja, a simples despenalização do suicídio assistido. O problema deste nosso país é a alergia às soluções simples, porque tudo tem sempre de começar e acabar no Estado – e é isso que torna aquela pergunta do referendo uma vastíssima mentira. A lei portuguesa não pretende apenas descriminalizar a morte medicamente assistida. Ela transforma a eutanásia num serviço praticado pelo SNS; um serviço que consome camas, médicos e recursos, quando faltam camas, médicos e recursos para tratar gente que não quer morrer, mas viver.

E, por amor da santa, não me venham dizer que estou a ser demagogo ou a misturar questões. Basta olhar para a manchete do PÚBLICO desta segunda-feira: “Incumprimento dos tempos de espera aumenta nos cancros e na cardiologia.” Com um SNS disfuncional e uma rede de cuidados paliativos miserável, que deixa de fora 80% dos pacientes que dela necessitam; com milhares de doentes oncológicos que não são atendidos quando devem, que não são operados quando precisam, que não têm lugar para onde ir, quando chegam ao fim da linha; a eutanásia é muito mais um convite do que uma opção.

As conversas a que assisto sobre a eutanásia pressupõem que o doente é um ser a pairar no vazio, que decide morrer por livre e espontânea vontade quer esteja a ser bem ou mal tratado pelo SNS, quer esteja com dores excruciantes ou sem elas, quer tenha sido operado a tempo ou não tenha. Aprovar a eutanásia no SNS com listas de espera quilométricas e sem uma rede de cuidados paliativos decente pode parecer muito modernaço – infelizmente, é apenas cavernícola. É tão fácil o trabalho de escrever leis progressistas, não é? Já quanto à miséria do nosso SNS, não há nada a fazer – é um problema estrutural, crónico e sistémico. Assina e vira as costas. Isso, sim, dá vontade de morrer.

Mais uma vez a ERC e o Ventura que queria ganhar umas eleições

08.12.22 | Manuel_AR

ERC Ventura e SIC-2.png

O caso da ERC e do Programa de Ricardo Araújo Pereira "Isto é Gozar com quem Trabalha" que não convidou na altura da campanha eleitoral André Ventura para o seu programa tem dado que falar. Publiquei no post anterior um artigo de opinião de João Miguel Tavares sobre o mesmo tema. Calha agora a vez de Carmo Afonso escrever uma artigo de opinião no mesmo jornal Público.

Carmo Afonso, à semelhança do outro articulista, mas por motivos diferentes, também não é do meu agrado. Talvez porque, um vira-se demasiado para o lado direito e a outra porque se vira demasiado para o lado esquerdo (está algo muito em consonância com  PCP). 

Nesta situação, e do meu ponto de vista, ambos abordam o assunto de Ventura e da ERC embora com perspetivas diferentes. 

Assim, apresento o artigo de Carmpo Afonso que, segundo escreveu a revista Sábado em maio de 2021, seria a nova arma contra Ventura e o Chega. "Advogada de causas (e de esquerda), entrou na luta pela ilegalização do partido ao juntar-se ao processo iniciado por Ana Gomes no Tribunal Constitucional".

Também isto é gozar com quem trabalha

Ao contrário dos programas de televisão de Ricardo Araújo Pereira, as deliberações da ERC não se destinam a fazer-nos rir.

RAP gosta de tratar bem os seus convidados. Dá-lhes a oportunidade de brilhar e de se apresentarem espirituosos. Qualquer pãozinho sem sal que lá vá acaba por revelar uma faceta, que na verdade quase todos temos, que faz merecer afecto ou simpatia. Por que raio deveria fazer isso a André Ventura?

A ERC deliberou sobre o assunto e estava particularmente inspirada. Considerou que o programa de RAP, sendo de humor, não está abrangido pelo regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral. Este regime aplica-se a todos os órgãos de comunicação social, mas, por razões óbvias e até instintivas, diz apenas respeito a jornalismo e não vincula programas de entretenimento. Aqui estaria a resposta jurídica para a questão da ERC. Não é jornalismo, não deve ser tratado como jornalismo e, por isso, não está obrigado ao cumprimento do princípio da igualdade de oportunidades aqui em causa.

Sucede que a ERC, inspirada como estava, muda de regime jurídico e passa a incluir programas de humor numa disposição de carácter geral, o art. 56.º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República (LEAR). Mais, tomou o lugar da Comissão Nacional de Eleições que, tendo essa competência prevista nas suas atribuições fundamentais, deve assegurar a igualdade de oportunidades dos candidatos por parte de entidades públicas e privadas, como previsto no referido artigo.

Claro que a ERC não é clara. Considera, por exemplo, que RAP tem uma maior margem de discricionariedade na forma como aborda o período eleitoral. Ora se não está em causa a legislação que o desobriga por não fazer jornalismo, mas sim uma lei geral que diz que todas as entidades, públicas ou privadas, estão sujeitas ao princípio da igualdade de oportunidades durante a campanha eleitoral, de onde vem esta maior discricionariedade? É que a lei geral não contém essa maleabilidade. Se estivesse em causa a aplicação do art. 56.º da LEAR, o “Isto É Gozar Com Quem Trabalha” não teria mais liberdade que um teatro municipal ao disponibilizar as suas instalações durante a campanha eleitoral a diferentes forças políticas.

Daqui saltou para considerações contraditórias e turvas como considerar que o programa de RAP cruza política com entretenimento e que a escolha de determinados convidados, com a exclusão de outros, deve ser objeto de especial ponderação. Sobretudo, seriam considerações irrelevantes se, como pretende a ERC, estivéssemos perante a aplicação da LEAR.

Pergunta: em que é que ficamos?

Talvez alguns de vós se recordem do ritmo da cantilena que marcava um sketch dos Gato Fedorento em que RAP imitava Marcelo Rebelo de Sousa e a sua posição relativamente ao aborto. A conversa entre RAP (Marcelo) e José Diogo Quintela (uma convidada de Cascais) corria assim:

– Convidada residente em Cascais: Posso fazer um aborto?
– Marcelo: Pode!
– Convidada residente em Cascais: Mas não é proibido?
– Marcelo: É!
– Convidada residente em Cascais: E o que é que me acontece?
– Marcelo: Nada!

A ERC resolveu fazer parecido. O RAP tem maior discricionariedade a escolher os seus convidados? Tem! Mas não é proibido desrespeitar o princípio da igualdade de oportunidades? É! E o que é que lhe acontece? Nada! Sucede que, ao contrário dos programas de televisão do RAP, as deliberações da ERC não se destinam a fazer-nos rir.

RAP é uma bolsa de resistência no processo de normalização do partido Chega e do seu dirigente André Ventura. Uma pessoa que sabe fazer-nos rir também sabe levar-nos a sério

RAP recusa-se a convidar André Ventura para os seus programas de entretenimento e claro que é livre para o fazer. Todos nós somos igualmente livres para ter uma opinião sobre esta decisão de RAP. Tenho prazer em falar da minha: o RAP é uma bolsa de resistência no processo de normalização do partido Chega e do seu dirigente André Ventura. É um motivo de orgulho a forma como um dos principais humoristas portugueses se recusa a embalar na ideia de que devemos tratar a propagação de um ideário racista e neofascista como um fenómeno normal da vida política portuguesa, sentarmo-nos todos à mesa e fazermos umas piadas sobre isso. Uma pessoa que sabe fazer-nos rir também sabe levar-nos a sério.

Várias vezes sentimos falta de uma intervenção da ERC a propósito de intervenções de Ventura na comunicação social. Recordem que ocupou, e muito, tempo de antena expressando posições xenófobas e discriminatórias e que a sua prestação num debate televisivo com Marcelo nas presidenciais lhe valeu uma condenação judicial já transitada em julgado. Silêncio absoluto.

E, afinal, não fazia falta nenhuma.

A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico

 

Porque o Chega e André Ventura não ganharam as eleições

06.12.22 | Manuel_AR

ERC Ventura e SIC.png

Várias vezes aqui coloquei o meu ponto de vista sobre artigos de João Miguel Tavares. Nem sempre, ou quase nunca, concordo com ele porque tenta ser isento, mas não é. A sua isenção foge sempre para o meu lado direito e só vê entraves no meu lado esquerdo. Mas, em democracia é assim, apesar de apreciar os cumprimentos com a mão esquerda, por vezes há que fazer jus quando, com isenção, criticam e comentam sobre o que a minha mão direita e a minha mão esquerda fazem. Aqui vai o  artigo com a respetiva vénia.

A ERC propõe quotas de gargalhadas para André Ventura

Um artigo de opinião de João Miguel Tavares publicado no jornal Público em 6 de dezembro de 2022

Aqui há três anos, António Costa foi ao programa da Cristina cozinhar uma cataplana de peixe. Cara ERC: para quando André Ventura e um ensopado de coelho?

Declaração de interesses: sou amigo e colega de trabalho de Ricardo Araújo Pereira. Declaração de desinteresse: o Ricardo precisa tanto que eu diga bem dele como José Sócrates precisa que eu diga mal. A justificação para vir aqui falar deste tema tem zero por cento de amiguismo e cem por cento de fascínio deliberativo: estou absolutamente maravilhado com a deliberação da ERC a propósito da ausência do Chega e de André Ventura do programa Isto É Gozar com Quem Trabalha. O tema é demasiado giro para que me possa dar ao luxo de passar ao largo.

A história: na última campanha eleitoral, a ERC recebeu várias queixas por causa da exclusão de representantes do Chega do segmento de entrevistas do programa de Ricardo Araújo Pereira – e concordou com elas. A ERC admite que Isto É Gozar com Quem Trabalha “não é um programa informativo”; admite que ele “não se rege pelas normas legais, éticas e deontológicas da actividade jornalística”; admite que é “um programa de autor”; admite que “em programas de humor deve ser admitida uma maior margem de discricionariedade na forma como é abordado o período eleitoral”; mas, apesar de admitir tudo isto, entendeu, ainda assim, que a Constituição e a Lei Eleitoral “não circunscrevem o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas à cobertura jornalística da campanha ou a programas de actualidade informativa e a serviços noticiosos”.

Donde, mesmo “um programa de entretenimento” como aquele, dado “o seu potencial para conferir visibilidade aos candidatos e influenciar o sentido de voto”, deve conformar-se às regras do período eleitoral. Lamentavelmente, a ERC não exigiu que Ventura fosse entrevistado com retroactivos (o que é pena, porque daria óptima televisão), mas recomenda à SIC que “compense na restante programação” os “desequilíbrios gerados” por Isto É Gozar com Quem Trabalha, de forma a assegurar “o pluralismo político-partidário”, violentado pelo Ricardo ao recusar-se a fazer perguntas extremamente engraçadas a André Ventura. A SIC é assim convidada a compensar o Chega pelas gargalhadas que lhe ficou a dever.

Vamos cá ver: não creio que os quatro membros da ERC que subscrevem esta deliberação tenham grande simpatia pelo Chega. O problema deles é outro, e logo a triplicar. 1) Não percebem o que é um programa de humor. 2) Não percebem o que é um programa de autor. 3) Não percebem que um regulador deveria agir como um VAR – limitar-se a intervir em casos de falta absolutamente grosseira.

Talvez ainda haja um quarto problema: os membros da ERC acham que dominam a psicologia das massas com raciocínios infantis. A cara do senhor A aparece na TV, logo, o senhor A vai obter grandes benefícios eleitorais. A sério? Na última campanha eleitoral, João Oliveira (PCP) e Francisco Rodrigues dos Santos (CDS) foram entrevistados pelo Ricardo. Ri-me muito. As eleições correram-lhes de feição, não correram?

Existe uma lamentável tradição de a ERC analisar o pluralismo partidário a partir da contagem de cabeças falantes, razão pela qual a RTP decidiu em 2008 encurtar o programa de comentário de Marcelo, porque tinha mais minutos do que o de António Vitorino. Não interessava o que se dizia, nem o interesse de quem dizia. Pelos vistos, essa mentalidade burocrática está de pedra e cal. Aqui há três anos, António Costa foi ao programa da Cristina cozinhar uma cataplana de peixe. Cara ERC: para quando André Ventura e um ensopado de coelho?