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A Propósito de Quase Tudo: opiniões, factos, política, sociedade, comunicação

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Os novos sinais de perigo que chegam da Ucrânia: um editorial do jornal Público

28.06.22 | Manuel_AR

Editorial

Publicado no jornal Público

27 de Junho de 2022

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Manuel Carvalho

Os novos sinais de perigo que chegam da Ucrânia

O tirano que é capaz de bombardear civis ou que encolhe os ombros perante a ameaça de uma impensável crise alimentar mundial não pensa nem actua num quadro mental em que entra a razão, a emoção ou a humanidade.

A brutalidade da invasão da Rússia continua a exigir mais do que a destruição de cidades. A satisfação dos tiranos do Kremlin não se garante com os combates na frente, o cerco dos inimigos, o bombardeamento táctico ou estratégico de alvos militares. Precisa do terror para se alimentar. Precisa de bombardear centros comerciais povoados por gente normal para mostrar músculo e manter a Ucrânia e o mundo sob ameaça. Se uma potência média resiste desde Fevereiro aos ataques do gigante, a sua punição e a dos que a apoiam têm de se pagar com a barbárie.

Nos últimos dias confirmaram-se as piores expectativas. A mão imperialista que domina o Kremlin e subjuga a Rússia não se contenta apenas com a conquista e a anexação do Donbass. As suas forças militares estão exangues, o seu papel na alta finança mundial está esgotado, mas enquanto houver gás, armas, propaganda e intimidação, Putin não vai parar. Pode haver fome generalizada nos países mais pobres, a Ucrânia pode ficar ainda mais devastada, o isolamento da Rússia no continente onde gosta de ser potência há 300 anos pode adensar-se, mas neste cenário de horrores só parece sobrar a fuga para a frente.

Faz por isso todo o sentido que a NATO e as democracias ocidentais se preparem para o pior. Que agravem as sanções, que reforcem a ajuda à Ucrânia, que tratem de aumentar a sua capacidade de resposta militar rápida para 300 mil homens. O tirano que é capaz de bombardear civis ou que encolhe os ombros perante a ameaça de uma impensável crise alimentar mundial não pensa nem actua num quadro mental em que entra a razão, a emoção ou a humanidade.

A Rússia é hoje muito mais do que nos primeiros dias do conflito uma ameaça para a Europa. A firmeza da resposta ocidental surpreendeu e irritou a fera. O Donbass já não basta. Os receios do envio de tropas para Kaliningrado ou para a fronteira entre a Lituânia e a Bielorrússia ganham consistência. Zelensky quer acabar a guerra até ao final do ano, mas nada nos garante que a Rússia, movida pelo superávite do gás e do petróleo, esteja disposta a aceitar uma meia vitória ou uma meia derrota. A megalomania é uma marca dos déspotas.

No entorpecimento que o tempo começa a causar, convém estar atento. Vivemos o momento mais dramático da história europeia desde a Segunda Guerra, e o cenário pode piorar. A unidade da Europa e da NATO e a certeza moral de que o Kremlin de hoje é uma ameaça à paz e à democracia são dos poucos trunfos de que dispomos para manter o optimismo.

 

 

Um texto que manda Putin para um certo sítio

24.06.22 | Manuel_AR

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Fotografia de Putin jornal Público

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Eugénia de Vasconcellos

Texto publicado no jornal Observador

06 abr 2022 

Vai para a Eurásia que te Pariu, Pá!

Dizem «as sanções não podem ser demasiado pesadas». Não podem? Somos colaboracionistas? Cada cêntimo para a Rússia em troca de petróleo, gás, carvão cheira a medo.Só o cheiro a medo autoriza massacres

A Rússia de Putin mente. Fá-lo com um objectivo claro, a manutenção e expansão do seu regime autocrático e cleptocrático e fá-lo por uma única razão: porque pode. Nós, sublinho, nós deixamos. E nós somos as democracias ocidentais, os herdeiros daqueles que as implementaram e as defenderam.

Em 2014, a Rússia invadiu a Ucrânia e ocupou a Crimeia. Negou-o. A Rússia, então, afirmou repetidamente que eram grupos rebeldes, separatistas, e não tropas russas. Publicamente, na Rússia, esta astúcia foi celebrada por muitos pois estava ao serviço de um bem maior: a preservação da sagrada nação russa e o mito da sua milenar duração contra tudo e todos. A popularidade de Putin disparou na altura, tal como agora, porque a Rússia de Putin tem um desígnio para preencher o vazio pós queda do muro de Berlim. Os vazios podem ser lugares terríveis quando não nos confrontamos com eles e com os lutos que nos propõem. O vazio da igreja e dinástico foi substituído pelo comunismo, pelo culto dos seus líderes e a construção de um inimigo congregador. Posteriormente, quando este regime caiu, nada havia para ocupar o seu lugar. Putin tem, progressivamente, oferecido isso, o que quer que isso seja, à Rússia: restabeleceu a igreja, o culto do líder, o nacionalismo, a missão. E a missão é reintegrar no corpo russo o que dele foi retirado sucessivamente, não interessa se pelos mongóis, se pela Grande Armada de Napoleão, se por Hitler ou pelos Estados Unidos ou pela União Europeia ou a Nato. Pela Tchetchénia ou pela Geórgia. Pelo povo ucraniano. Ainda que para isso seja necessário reescrever a história em ensaios onde os factos são rasurados e em discursos de hora e meia. Depois da reintegração a expansão, como claramente afirmou Medvedev, «construir uma Eurásia de Lisboa a Vladivostok». Se dúvidas houvesse. E claro, esta meta é exequível. A Hungria e a Sérvia demonstraram-no este domingo com as reeleições de Viktor Orban e Aleksandar Vucic, pró-putinistas patrocinados.

A verdade tem de ser repetida pelo menos tantas vezes quanto a mentira porque a luta é desigual: a democracia está em recessão. Mas é a democracia que permite pessoas como Alexandre Guerreiro a disseminar propaganda e desinformação russa em horário nobre, como permite a agenda woke e a extrema esquerda. Mesmo quando esta fragmenta e faz da esquerda, do centro e do centro direita, reféns. A democracia permite a esta extrema esquerda asséptica e maniqueísta apelidar todos quantos não subscrevem os itens agendados de «intolerantes, censores, irrelevantes, banais, fúteis e sem referências éticas». A democracia, pasme-se, permite que se vitimizem, triste figura, ao longo de um manifesto Pela Paz e Contra a Criminalização do Pensamento. Até permite a publicação no Expresso, tal é a criminalização.

A Rússia de Putin mente. E fá-lo com rigor propagandístico norteado pelo sempre actual Goebbels, «uma mentira dita uma vez continua a ser uma mentira, mas uma mentira mil vezes repetida torna-se uma verdade». Lavrov tem sido o discípulo incansável desta fé. A Rússia mente. Nega que invadiu a Ucrânia a 24 de Fevereiro de 2022. Nega ataques a civis. Nega a utilização de crianças como escudo. Nega a violação de mulheres e meninas. Nega as execuções sumárias. Nega os massacres hediondos de Bucha como negou os de Mariupol e Irpin como negará quaisquer outros com a vileza acrescida de culpar os ucranianos por esses crimes quando não lhes atribui encenações. Há cidades à fome e à sede e ao frio. Valas comuns. Cadáveres espalhados pelas ruas. Mutilados. Corpos profanados por minas. E o que se passa nos campos de triagem para onde os ucranianos estão a ser levados aos milhares? Famílias ucranianas resistentes nos territórios ocupados estão a ser separadas, despojadas de documentação, internadas aos milhares em campos de triagem, para serem relocalizadas na Rússia, como se não tivéssemos esse pesadelo acordado ainda com as memórias de 1939-45. As informações são da Cruz Vermelha. São relatadas por vítimas e jornalistas, as imagens são confirmadas por satélites. Nada disto é novo. Nada é feito pela primeira vez. A ONU, afirma que investigará para responsabilizar efectivamente os perpetradores. Tem de fazê-lo rigorosamente. O Tribunal Penal Internacional também. Sabemos todos: Putin é um criminoso de guerra. Há anos que o é. Em 1999 já o era. A pretexto do movimento separatista tchetcheno, ordenou uma «operação anti-terrorista» – parece familiar? A operação durou dez anos e foram massacrados milhares de civis, cidades arrasadas, uma carnificina. Ninguém o parou então nem depois na Geórgia onde usou mesma fórmula em 2008. Sanções e um ano depois, amigos como dantes. Síria. Arménia. Cazaquistão.

Nós, para continuarmos a viver em democracia, temos de a defender e isso obriga-nos a tomar uma posição.

O medo é a arma de Putin. É funcional. A economia é o nosso calcanhar de Aquiles. Ambos nos imobilizaram antes, e na situação ucraniana em 2014. Permitiram que fizéssemos de uma questão maior, uma questão regional. Mas esta guerra é nossa. É a nossa forma de vida que está em causa. As nossas liberdades. Dizem «as sanções não podem ser demasiado pesadas». Não podem? Somos colaboracionistas? Cada cêntimo entregue à Rússia em troca de petróleo, gás e carvão, cheira a medo. Só o cheiro a medo autoriza o massacre de civis, sabê-los desamparados e saber que as consequências desse acto são suportáveis e logo passam. A negação da entrada da Ucrânia na NATO cheira a medo. Não armar e equipar adequadamente a Ucrânia cheira a medo. Medinho. Miúfa. E não é o medo que nos vai defender. O medo vai abrir a estrada de Lisboa a Vladivostok.

A autora escreve segundo a antiga ortografia

Dúvidas, ficam sempre dúvidas, quando não há clareza

20.06.22 | Manuel_AR

O que terá levado ontem, 19/06, João Soares no comentário da semana com Miguel Poiares Maduro no Telejornal na RTP1, no momento da frase da semana, a fazer publicidade aos livros de um coronel reformado de quem proliferam “posts” no Facebook contra o Ocidente em relação à invasão da Ucrânia ?

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A frase tirada de um contexto pode ter várias conotações a quem a lê. João Soares deu-lhe a sua.

O referido senhor coronel escreveu no Facebook em 9 de junho do corrente ano que “António Costa mente. Mente como mentem todos os líderes europeus que se atrelaram à estratégia dos EUA de separar a União Europeia da Rússia e de fazer da Rússia o seu inimigo.”

Pois é, João Soares publicitou os livros do senhor coronel acrescentando que é “um grande escritor da língua portuguesa”. O que levou João Soares a elogiar o senhor coronel anti ocidente com uma frase e o aconselhamento dos seus livros? Isso deixou-me muitas dúvidas sobre a posição de João Soares em relação â matéria da Ucrânia e da Rússia. Também já tinha ficado com algumas dúvidas quanto à posição de João Soares em relação à Ucrânia numa entrevista que ele deu em 13 de março de 2022 ao jornal Sol. Soares terá dito ser contra a guerra, mas a sua clareza foi pouco clara, desculpem a redundância. Pareceu-me haver um lado obscuro e cínico na sua posição relativamente à Ucrânia quando apresenta com elogios alguém que, logo após a invasão da Ucrânia, se mostrou contra o Ocidente, NATO, EUA e U.E.

No entanto, no meio da política do bom-senso há, por outro lado, uma situação a lidar com alguma precaução, é que, nós, enquanto país, não temos vantagens em hostilizar a Rússia apesar de estarmos ao lado da Ucrânia. Não, não é o mesmo de estar bem com Deus e com o diabo.

Será mesmo que Trump não se safou?

17.06.22 | Manuel_AR

Artigo de opinião de Emma Brooks publicado no The Guardian em 15 de junho de 2022

Trump pensou que iria safar-se. As audiências de ataque do Capitólio dos EUA provam que isso não é verdade.  Emma Brockes

Emma Brockes
 
 

Grande drama, traição, catarse: a investigação televisionada do comité selecionado torna a visualização fascinante

Ivanka Trump testemunhando por vídeo para a investigação do comitê seleto da Câmara sobre o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA.

Ivanka Trump testemunhando por vídeo para a investigação do comitê seleto da Câmara sobre o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA. Fotografia: Jonathan Ernst/Reuters

Uma das piores coisas sobre a presidência de Trump foi a sensação frequente de que o homem podia fazer ou dizer qualquer coisa e, ao estilo de Alice no País das Maravilhas, essa pura loucura nunca iria acontecer. “Eu poderia”, disse Trump em 2016 , “ficar no meio da Quinta Avenida e atirar em alguém, e não perderia eleitores”.

Em 6 de janeiro de 2021, quando, instigada por Trump, uma multidão dos seus apoiantes invadiu o prédio do Capitólio dos EUA, esse princípio foi aparentemente posto à prova. As tentativas de impeachment falharam. Membros-chave da equipe de Trump recusaram-se a condená-lo. Os seus apoiantes pareciam permanecer-lhe leais. Agora, à medida que os eventos daquele dia chegam a um comité seleto da Câmara, há uma nova abordagem na luta para fazer com que isso pegue: menos a apresentação de provas por um advogado a um júri do que um drama de prestígio de um produtor a um Audiência de TV – uma com tempo limitado e várias outras opções de visualização.

Na última quinta-feira, às 20h, todas as redes de TV dos EUA, com exceção da Fox News, transmitiram a cobertura ao vivo do comité seleto da Câmara sobre o motim de 6 de janeiro. Se as audiências de Benghazi de 2015, ou as audiências de confirmação de Brett Kavanaugh três anos depois, foram, pelos padrões da maioria das TVs cabo, eventos de sucesso de TV, isso foi de uma ordem completamente diferente. Os números do primeiro dia de audiências atingiram 20 milhões apenas na TV – ou seja, sem contar com todos os que assistiram via transmissão ao vivo.

O presidente democrata do comité, o congressista Bennie Thompson, e a sua vice-presidente, a deputada republicana Liz Cheney, conduziram uma apresentação apertada de duas horas que reuniu evidências contra Trump tão habilmente quanto qualquer piloto da HBO. Ambos pareciam cientes de seu propósito mais profundo: não apenas apresentar os factos, mas construir uma narrativa que pudesse, finalmente, persuadir os americanos em dúvida de que Trump fomentou uma multidão com a intenção de derrubar a eleição.

Para isso, as audiências estão sendo produzidas por James Goldston, ex-presidente da ABC News e veterano produtor de TV. Ao contrário das audiências de Watergate televisionadas em 1973, que foram muito mais fluidas e menos convincentes, os dois primeiros dias das audiências foram altamente coreografados e dramaticamente estruturados, editados para prender a atenção.

Dos comentários de abertura de Thompson – “esta noite”, ele disse, usando a linguagem dos exclusivos de notícias, “você verá imagens nunca antes vistas do ataque brutal ao nosso Capitólio” – no formato de ecrã dividido que depositou fotos da reação enquanto testemunhas falavam, foi uma televisão extraordinária. Thompson entregou a Cheney, que fez um discurso feito sob medida para citações: “O presidente Trump convocou a multidão, reuniu a multidão e acendeu a chama deste ataque”, disse ela, antes de se dirigir a seus colegas republicanos: “Chegará um dia em que Donald Trump se irá, mas sua desonra permanecerá.”

Parte do drama nas horas que se seguiram foi o choque de ver antigos servos leais de Trump fazerem uma rápida revirvolta de 180 graus. Estes incluíam a própria Cheney, uma arquiconservadora cujo histórico de votação durante o mandato único de Trump se alinhava 93% das vezes com o homem que ela agora chamava de mentiroso. Mais, nesse sentido viria a seguir Bill Barr, o procurador-geral de Trump e um homem que até recentemente só elogiava seu ex-chefe, testemunhou num vídeo que “parar o roubo” de Trump era “burricea”, e ele não queria fazer parte disso.

Ivanka Trump, estava tão fantasmagórica que parecia praticamente um holograma, testemunhou em vídeo para dizer que acreditara em Barr; e um Jared Kushner ainda mais doentio confirmou que, depois de ser informado pelo próprio advogado de Trump de que nenhuma fraude eleitoral havia ocorrido, Kushner rejeitou a informação com “lamúria”.

As testemunhas do primeiro dia foram habilmente escolhidas: uma jovem oficial da polícia do Capitólio dos EUA, que ficou inconsciente enquanto tentava conter os manifestantes, puxou as cordas do coração. “Sou treinada para lidar com uma multidão”, disse ela, “mas não sou treinada para combate”. E o documentarista britânico Nick Quested, que captou em filme provas irrefutáveis ​​de que os eventos de 6 de janeiro não foram aleatórios, mas um plano executado por grupos supremacistas brancos como os Oath Keepers e os Proud Boys. 

Havia humor – a expressão inexpressiva de Cheney ao descrever como Trump, na noite da eleição, “seguiu o conselho de um Rudy Giuliani aparentemente embriagado”. E houve libertação emocional. É chocante o quão catártico foi ouvir um comité bipartidário, com todas as armadilhas do cargo por trás dele, finalmente dizer as palavras que estávamos esperando para ouvir:

Toda essa coreografia é projetada para construir um caso que, presumivelmente, ajudará o departamento de justiça nos seus processos criminais contra Trump. Enquanto isso, o comité estava atrás de corações e mentes, chegando ao pico naquela primeira audiência com uma montagem final de cenas de violência no Capitólio sobrepostas com áudio de Trump. “Eles eram pessoas pacíficas”, disse ele, enquanto pessoas. Eu mencionei a palavra amor, o amor, o amor no ar. ”Na quarta-feira, o público americano esperou, com a respiração suspensa, que o episódio três do drama enquanto se desenrolavam imagens dos seus apoiantes a espancar policias e a quebrar janelas. 

“Eram ótimas pessoas. Eu mencionei a palavra amor, o amor, o amor no ar”.

 Emma Brockes, colunista do The Guardian.

 

O Ocidente está errado sobre essas cinco suposições sobre Putin

10.06.22 | Manuel_AR

Um artigo na análise política isento  sobre a invasão da Ucrânia e não alinhado com extremistas anti ocidente que defendem o projeto do ocidente se submeter a Putin.

Tatiana Stanovaya

Foto:  Dmitry Kostyukov / R.Politik

Sobre a autora:

Tatiana Stanovaya é bolsista não residente no Carnegie Endowment for International Peace e fundadora e CEO da empresa de análise política R.Politik. Ela nasceu em Moscovo e mora em França desde 2010.

 Guerra da Rússia

O Ocidente está errado sobre essas cinco suposições sobre Putin, texto publicado pela primeira vez por "Política Externa" e no DER SPIGEL em 06/06/2022

A questão de saber se Putin precisa sair da guerra é secundária: ele acredita que vencerá. O Ocidente deve olhar para a situação de forma diferente se quiser ser mais eficaz.

Foto: Alexander Zemlianichenko / dpa

Uma das razões pelas quais é tão difícil entender as intenções da Rússia e o que está em jogo na guerra da Ucrânia é a discrepância significativa entre a visão dos observadores externos e a visão do Kremlin sobre os acontecimentos. Algumas coisas que alguns tomam como certa são percebidas completamente diferentes em Moscovo – como a suposta incapacidade da Rússia par alcançar uma vitória militar. A maioria das discussões de hoje no Ocidente sobre como ajudar a Ucrânia a vencer o campo de batalha ou forçar Kiev a fazer concessões têm pouco a ver com a realidade. Isso também se aplica à questão de como o presidente russo Vladimir Putin poderia ser levado a salvar a cara.

Abaixo, vou refutar cinco suposições comuns sobre como Putin vê esta guerra. O Ocidente deve olhar para a situação de forma diferente se quiser ser mais eficaz e reduzir os riscos de escalada.

Suposição 1:

Putin sabe que vai perder.

Essa suposição baseia-se no equívoco de que o principal objetivo da Rússia é obter o controle de grande parte da Ucrânia – e que, portanto, significaria o fracasso se os militares russos tivessem um desempenho ruim, não avançar ou mesmo ter que se retirar. O principal objetivo de Putin nesta guerra, no entanto, nunca foi controlar partes do território da Ucrânia, mas destruir a Ucrânia, que ele vê como um projeto "anti-Rússia". E ele quer – do seu ponto de vista – impedir que o Ocidente use o território ucraniano como ponte para atividades geopolíticas anti-russas. Como resultado, a Rússia não se vê como um fracasso. A Ucrânia não poderá juntar-se à OTAN nem existir pacificamente sem considerar as exigências da Rússia: russificação (ou "desnazificação" na língua de propaganda russa) e "financiamento da OTAN" (referido na propaganda russa como "desmilitarização"), ou seja, uma renúncia a qualquer cooperação militar com a OTAN. Para alcançar esses objetivos, a Rússia quer manter a sua presença militar em território ucraniano e continuar a atacar a infraestrutura ucraniana. Grandes ganhos territoriais ou a captura da capital ucraniana Kiev não são necessários (mesmo que a Rússia inicialmente tenha sonhado com isso). Até mesmo a anexação das regiões de Luhansk e Donetsk, que Moscovo considera apenas uma questão de tempo, é uma meta secundária local com a qual a Rússia quer fazer a Ucrânia pagar pelo que vê como decisões geopolíticas pró-ocidentais erradas das últimas duas décadas. Aos olhos de Putin, ele não vai perder esta guerra. Ele provavelmente até pensa que está a ganhar, e ele está à espera da Ucrânia admitir que a Rússia ficará ali para sempre.

 Suposição 2:

O Ocidente deve encontrar uma maneira de ajudar Putin a salvar a face, reduzindo assim os riscos de uma escalada adicional, possivelmente nuclear.

Imagine uma situação em que a Ucrânia aceita a maioria das exigências da Rússia: reconhece a Crimeia como russa e o Donbass como independente, compromete-se a reduzir o tamanho do exército e promete nunca pertencer à OTAN. Isso vai acabar com o conflito? Mesmo que a resposta pareça ser um sim retumbante para muitos, isso é errado. A Rússia está numa batalha com a Ucrânia, mas geopoliticamente ela vê-se numa guerra contra o Ocidente em território ucraniano. No Kremlin, a Ucrânia é vista como uma arma anti russa nas mãos do Ocidente; mas a sua destruição não significa automaticamente a vitória da Rússia neste jogo geopolítico antiocidental. Para Putin, esta guerra não está ocorrendo entre a Rússia e a Ucrânia. A liderança ucraniana não é um ator independente, mas uma ferramenta ocidental que deve ser neutralizada.

Quaisquer que sejam as concessões que a Ucrânia possa fazer (não importa o quão politicamente realistas possam ser), Putin continuará a escalar a guerra até que o Ocidente mude sua abordagem para o chamado problema da Rússia. Ele teria que admitir que, como Putin vê, as raízes da agressão russa residem no facto de que Washington ignorou as preocupações geopolíticas russas por 30 anos. Alcançar isso tem sido o verdadeiro objetivo de Putin, e isso não mudou. O Kremlin pode até mesmo usar exigências russas irrealistas, que Kiev rejeita, para aumentar as apostas no confronto entre a Rússia e o Ocidente – e, assim, testar se o Ocidente permanece unido e consistente. O Ocidente hoje não entende o problema: no seu esforço para parar a guerra da Rússia, está a concentrar-se nos pretextos artificiais de Moscovo para a invasão da Ucrânia. Ele ignora a obsessão de Putin com a chamada ameaça ocidental – bem como a sua disposição para forçar o Ocidente a dialogar sob as condições russas através de uma nova escalada. A Ucrânia é apenas um refém.

 

Suposição 3:

Putin está a perder não só militarmente, mas também internamente, e a situação política na Rússia é tal que Putin poderia em breve enfrentar um golpe.

O oposto é verdade, pelo menos por enquanto. A elite russa está tão preocupada em como garantir a estabilidade política e evitar protestos que está a reunir-se em torno de Putin como o único líder que pode consolidar o sistema político e evitar a agitação. A elite é politicamente impotente, assustada e vulnerável – incluindo aquelas retratadas nos media ocidentais como aquecedores e falcões. Fazer algo sobre Putin hoje seria equivalente ao suicídio a menos que Putin perca (física ou mentalmente) a sua capacidade de governar. Apesar de novas divisões e fraturas nas fileiras e insatisfação com as políticas de Putin, o regime permanece firme. A maior ameaça a Putin é o próprio Putin. Mesmo que o tempo esteja trabalhando contra ele, acordar a elite é um processo que levará muito mais tempo do que muitas pessoas esperam. Vai depender de quão presente Putin permanece na vida cotidiana do governo.

 

Suposição 4:

Putin tem medo de protestos antiguerra.

Na verdade, Putin tem mais medo dos protestos pró-guerra e tem que lidar com o zelo de muitos russos que querem destruir aqueles que chamam de nazis ucranianos. O sentimento público poderia encorajar a escalada e levar Putin a tomar uma postura mais dura e determinada – mesmo que esse sentimento seja devido à própria propaganda do Kremlin. Este é um ponto extremamente importante: Putin despertou um nacionalismo sombrio no qual ele é cada vez mais dependente. Aconteça o que acontecer com Putin, o mundo terá que lidar com essa agressividade pública e as crenças antiocidentais e antiliberais que tornam a Rússia tão problemática para o Ocidente.

 

Suposição 5:

Putin está profundamente dececionado com a sua comitiva e deu luz verde para processar funcionários de alto escalão.

Esta é uma questão muito debatida no Ocidente que surgiu da especulação: sobre a suposta prisão do ex-vice-chefe de gabinete de Putin, Vladislav Surkov, a detenção de Sergei Beseda, um alto funcionário de segurança encarregado da Ucrânia, e supostas expurgas no círculo íntimo de Putin. Todos esses rumores devem ser vistos com extremo ceticismo. Primeiro, não há confirmação de nenhum desses rumores. (Em vez disso, fontes de alto escalão sugerem que nem Beseda nem Surkov foram presos). Em segundo lugar, Putin pode estar chateado e desapontado com A sua equipa, mas não é o seu estilo realizar expurgas no seu círculo interno – a menos que crimes graves tenham sido cometidos. Para Putin, apenas as intenções contam, e se os serviços de inteligência russos o calcularam mal ou mesmo o informaram mal sem más intenções, dificilmente haverá acusação. E, finalmente, a campanha militar na Ucrânia foi meticulosamente controlada pelo próprio Putin desde o início, deixando pouco espaço para as autoridades subordinadas mostrarem iniciativa.

Tudo isso significa que o suposto dilema do Ocidente – ou dobrar o apoio à Ucrânia porque Putin está perdendo, ou apaziguar Putin, não o irritando porque ele é desesperador e perigoso – está fundamentalmente errado. Há apenas duas maneiras possíveis de sair do confronto: ou o Ocidente muda a sua atitude em relação à Rússia e começa a levar a sério as preocupações russas que levaram a esta guerra – ou o regime de Putin entra em colapso e a Rússia revê as suas ambições geopolíticas.

No momento, tanto a Rússia quanto o Ocidente parecem acreditar que o seu homólogo está condenado e que o tempo está do seu lado. Putin sonha com o Ocidente experimentando uma convulsão política, enquanto o Ocidente sonha com Putin sendo deposto ou derrubado, ou morrendo de uma das muitas doenças que ele regularmente diz ter. Ninguém está certo. Em última análise, um acordo entre a Rússia e a Ucrânia só é possível como um acordo entre a Rússia e o Ocidente como um todo – ou como resultado do colapso do regime de Putin. E isso nos dá uma ideia de quanto tempo esta guerra poderia durar: anos, no máximo.

 



 

O meu lugar na História e autoelogios seguidos de presunção e água benta bebida em quantidade

04.06.22 | Manuel_AR

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Os portugueses sempre foram sebastianistas não nos amidaremos, portanto, que andem sempre à procura de um qualquer salvador que um dia surgir. Mas, quando aparece, e começa a “tratar-lhes da saúde” assobiam para o lado e queixam-se para o vizinho do lado que nada teve a ver com o caso.

Após a eleição de Luis Montenegro para líder do PSD saiu outra vez do refúgio desta vez com o impacto que desejaria e daí esperarmos que aproveitará ou criará as oportunidades que surjam para poder sair mais vezes.

Desta vez, numa entrevista à CNN feita por uma espécie de múmia jornalística que olhava embevecida para o entrevistado que criticou a comunicação social que, disse, ter ajudado António Costa e o PS a obter maioria absoluta. Esperemos, que essa mesma comunicação social não se sinta atingida nem culpabilizada e não corra a fazer a contrição e lhe dê agora um protagonismo indevido, exagerado e imerecido, encurralada por uma múmia política fora do seu tempo. Portugal, de tempos a tempos, seja nos bons ou maus momentos, sobretudo nos de crise, refugia-se no elogio ao passado, numa espécie de purga para solução dos problemas.

Cavaco Silva saiu da inércia parcial a que se dedicou, salvo em aparecimentos pontuais para lançar memórias e outros escritos que a sua autoestima lhe dita e para conseguir algum protagonismo que acha lhe ser devido.

Cada vez que aparece à tona as suas mensagens são azedas, prenhes de pessimismo e despeito. É uma espécie de profeta e arauto da desgraça dirigida aos da sua fação, mesmo que os resultados demonstrem o contrário.

Não admira que ainda haja saudosistas dessa figura mais ou menos austera, salazarenta, pouco sociável, que se dedicou à observação das cagarras no final do seu lúgubre mandato presidencial. Este personagem que se transformou numa caricatura de político saiu ressabiado por António Costa ter conseguido formar uma maioria de esquerda de incidência parlamentar estável, contra a previsões da figura sinistra da presidência que, se o conseguisse, permitam-me a especulação, imporia uma democracia musculosa ao país, depois de ter dado descaradamente a mão a Passos Coelho para a manutenção de um governo minoritário saído das eleições legislativas de 2015.

Com a maioria absoluta do PS os traumatizados da direita vão aproveitar tudo quanto vier à tona para desclassificar, desgastar e corroer António Costa e o PS. Veja-se o que, uma tal Pipa, escreveu num comentário um artigo de opinião que Cavaco Silva escreveu para vermos ao que chega o disparate, a falsidade e as mentiras que se escrevem:

“Que grande lição! Com uma oposição em condições e uma comunicação social isenta nunca o Costa seria reeleito, muito menos com maioria. Estamos a ser ultrapassados por todos os países de leste, o povo está esmagado e empobrecido por impostos e um salário médio quase igual ao mínimo, sem crescimento, com dívida pública brutal, com uma inflação gigante e são negados aumentos de salários/pensões, uma gestão desastrosa da pandemia, um SNS de rastos, um sistema educativo miserável, uma emigração em massa ao nível dos tempos de Salazar... e mesmo assim este homem foi premiado com uma maioria absoluta? De fato controlar as TVs e a sua propaganda diária pró-PS faz milagres.”

Quem escreve uma tal verborreia pertence à fação dos que já se esqueceram do tempo do governo de Passos Coelho com o apoio, do na altura, do presidente Cavaco. Este comentário totalmente deturpado e de mentira intencional foi objeto de desmontagem num outro artigo de opinião da Bárbara Reis no jornal Público.  Se analisarmos o texto do dito comentário está próxima das palavras de ordem da extrema-esquerda que poderá estar a colar-se à direita para fazer oposição ao PS.

 

 

Para se presentear com algum protagonismo e sair da toca do esquecimento veio agitar divisões e prejuízos idênticos aos que provocou no tempo da troica fazendo com o seu dileto aprendiz Passos Coelho

Os regressos ao passado agravando divisionismos não têm dado bons resultados, mas eles continuam a ressurgir em Portugal e por essa Europa e Cavaco parece estar a surfar nessa onda.

Cavaco Silva foi muito claro ao dizer na entrevista que o PSD tem que falar para todos mesmo para aqueles que não gostam do PS (o sublinhado é meu).  É óbvio que está a conotar-se com o GHEGA e com a IL. O extremismo de direita está bem presente neste pensamento de Cavaco que não consegue disfarçar.

Saudosistas e admiradores acríticos da personagem prestam-lhe vénia com elogios à mistura sobre a sua “vasta obra de escritos” ou, no dizer de João Miguel Tavares, “vários textos marcantes ao longo da carreira”. Para alguns, felizmente poucos fiéis adeptos, Cavaco será uma figura sábia, portanto, digna de qual Prémio Nobel da literatura, da economia, da política, da democracia, isto digo eu. Isto tudo porquê? Apenas e por causa de um artigo critico que ele escreveu sobre António Costa. É que, não sei se se recordam, a memória do povo é fraca, mas a ira e a fria vingança estão instaladas nesta mesquinha personagem da política que não consegue esquecer e distanciar-se dos constrangimentos, ressentimento e revolta que António Costa lhe causou no final do seu mandato ao ter que aceitar a negociação parlamentar com o PCP e o BE que veio a ser a causa do derrube do governo de Passos Coelho e à maioria de esquerda encontrada no âmbito da Assembleia da República, a tal “geringonça”.

Cavaco não consegue ver a três dimensões, vê a política a uma dimensão, a dele.

Atualmente, por coincidência, ou não, depois de Luís Montenegro ter ganho as eleições para a liderança do PSD Cavaco, mais uma vez, saiu da sua letargia e os seus admiradores incondicionais apressaram-se a elogiar os mandatos de primeiro-ministro marcados pelo betão e pelas obras megalómanas para que ficasse na história. Momentos de reconstrução com fundos europeus que Cavaco não fez mais do que a sua obrigação, utilizá-los para desenvolver as infraestruturas de Portugal.

E, claro, Montenegro irá ser um fiel seguidor “offline” dos doutos conselhos cavaquistas. Não é por acaso que surge neste momento o artigo de opinião crítico a António Costa. Atrevo-me a dizer que irão surgir aparições e convites mais frequentes nas televisões desse santo padroeiro por parte do PSD. Aliás, não tardou e a CNN já iniciou o périplo dando-lhe voz onde começou a atirar a todos os alvos numa simbiose de ira e vingança onde teceu duras críticas à liderança de Rui Rio e elogios a Luís Montenegro.

Não terá sido por acaso que que Cavaco surge logo após a vitória de Montenegro, este sabe que sabe terá nele um precioso auxiliar na oposição ao PS que já iniciou ao sair da toca dos políticos escondidos. Cavaco sabe que é o momento para voltar ao protagonismo.

Estamos a ver que as previsões/especulações sobre Montenegro que tracei num blogue anterior começam a verificar-se. Montenegro não só é seguidor de Passos Coelho, como também vê em Cavaco o seu inspirador político.    

Cavaco Silva pretende mostrar-se como um visionário da política por antecipação e procura teorias da conspiração. Veja-se esta com base numa afirmação de Rui Rio proferida em abril de 2019 quando disse que “Nós não somos de direita. Nós somos do centro, somos moderados”. Afirmara ainda Rui Rio, líder dos sociais-democratas que “votar no PSD dá garantia de moderação”. E, claro, a douta personagem infere que “Foi um erro o PSD deixar-se enlear numa dicotomia direita esquerda”. E acrescenta que “era uma armadilha montada pelo PS e alguns órgãos de comunicação social para desqualificar o PSD e impedir alguns votantes de saírem do PS para votarem no PSD”.

Altas conspirações e conluios entre um partido e órgãos e comunicação. Mostra também a sua ira contra” alguns” órgãos de comunicação social, talvez, a SIC porque não lhe dará a papa que ele gostaria.  Num processo de avaliação não sei se não ficaria bem classificado numa escala de senilidade.  

Duvido que este político “sagaz” não consiga discernir que muitos do que não votaram PSD saíram para a IL e para o CHEGA. Mas, ao elogiar Montenegro, vem reforçar a ideia de que é um péssimo líder e vai matar o PSD. Problemático será se, como prevejo, novas lideranças venham a cheirar tanto a bafio como estes "antiquíssimos".

Em resposta ao artigo de opinião de Cavaco Silva publicado na passada quarta-feira, em que disse desafiar António Costa a “fazer mais e melhor” do que ele próprio fez nos seus governos maioritários. O atual líder do executivo afirmou na sexta-feira seguinte que está “preocupado com o futuro dos portugueses”, ao contrário de Cavaco Silva, que diz estar preocupado “com o seu lugar na história”.