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Começo a pensar que devo calibrar o meu pensamento. O conceito de calibrar tem a ver com a ideia de comparar algo de uma espécie com outra da mesma espécie que serve de padrão. Será então um conjunto de operações que estabelece, sob condições específicas, a relação entre valores indicados por um instrumento de medição ou sistema de medição ou valores representados por uma medida de referência e os valores de grandezas estabelecidas por padrões. Com a calibração podemos conhecer o comportamento de um equipamento quantificando os erros que possa apresentar.
Por muito clubista que possa ser e muitas estima que tenha por Eusébio após os acontecimentos que rodearam a sua morte percebi que os meus padrões de pensamento necessitavam de ser calibrados de acordo com os valores de referência sociais, políticos, éticos e comunicacionais, porque não estavam aferidos com o arrebatamento exagerado que ocorreu.
A necessidade de calibragem sobreveio a partir do exagero dos órgãos de comunicação televisivos na ânsia de captar audiências. Foi um autêntico maná para a informação que mobilizou muitos milhares de telespectadores e laçou outros tantos para as ruas de Lisboa, mesmo aquelas que, sendo muito jovens, não viveram nem sentiram os momentos áureos que Eusébio deu a Portugal nos anos sessenta.
Há algo para mim inexplicável. Como é que muitos e muitos portugueses foram mobilizados e outros se automobilizaram a partir dos programas televisivos quando são incapazes de aderir a mobilizações, não importa agora quem as convoca, para se insurgirem contra o põe em causa a sua vida enquanto cidadãos e lhes retiram direitos que foram arduamente conquistados.
Devo calibrar o meu pensamento de acordo com certos padrões para perceber porque é que manifestações de pesar por Eusébio, às quais eu me associo embora não seja grande apreciador de futebol, tiveram mais afluência do que aquelas que estão contra a destruição de vidas e atentados aos direitos de milhares de cidadãos trabalhadores.
Pode haver uma explicação possível, os portugueses, tendo um défice de símbolos com que de facto se identifiquem e os envolva num projeto nacional agarram-se a símbolos efémeros e passageiros que em nada contribuem para melhorar as suas vidas. Agarram-se a "momentos de alegria" pontuais e passageiros que se esfumam na passagem dos dias. O projeto coletivo é unicamente o futebol que os une ou os desune consoante os interesses clubísticos.
Explicam-nos alguns frequentadores crónicos de momentos televisivos de informação que estas figuras tornam conhecido o nome de Portugal no mundo. Mas para quê, com que objetivo? Será que por aí se gera criação de riqueza e que, por isso, investidores virão a correr para Portugal para investir e gerar emprego? Ah! O turismo! Pois!
Por outro lado a cultura, não a futebolística claro, é simplesmente marginalizada porque, na perspetiva desta direita antissocial, não tem qualquer interesse e é vista apenas como algo que dá despesa.
A calibragem do meu pensamento não se consegue aferir no que reporta a valores que esquecem portugueses literatos, cientistas, artistas e outros, reconhecidos no estrangeiro que, de forma ignóbil, são esquecidos e se idolatram futebolistas cujas mais-valias, se é que existem neste âmbito, em nada contribuíram nem contribuem para o crescimento nem para tirar Portugal do marasmo económico e financeiro em sistematicamente que tem sido colocado. Recordo o caso do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 em que se esbanjou dinheiro em estádios inúteis.
Claro que, no caso de Eusébio, os políticos com um acontecimento tão mediatizado tinham que estar todos presentes, sem exceção. Isso interessa a um certo o eleitorado porque a diferença de um voto a mais pode fazer toda a diferença. Alguns até deram demais nas vistas, com mostra a imagem abaixo. Hipocrisia? Marketing político puro? Dá votos e visibilidade? Então, até se lambe o chão se for preciso.
Não. Afinal resolvi não calibrar o meu pensamento com aquele tipo de valores.
Recordo-me em novembro do Governo propor uma contribuição extraordinária sobre as telecomunicações para aliviar os cortes nas pensões e reformas para que houvesse uma distribuição mais equitativa dos sacrifícios. O que aconteceu entretanto? Esta medida que foi anunciada em novembro, na altura da preparação do Orçamento de Estado para 2014, foi logo contestada. Pressões surgiram do setor tecendo argumentos contra esta contribuição. Quem apareceu de forma muito subtil também a opor-se àquela medida foi o Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações intervenção no 23.º Congresso da APDC-Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações, de forma velada, veio em defesa do setor das telecomunicações.
Mais uma vez, e como sempre tem feito, o Governo amedrontou-se, recuou e cedeu perante as pressões dos mais fortes que deveriam saber ser uma contribuição extraordinária e de repartição de sacrifícios. Este Governo espezinha apenas os que sabe de antemão não terem força de protesto. Isto demonstra o caráter de quem nos governa. Procura sempre os alvos mais fáceis.
Para animar a "malta" o Ministro da Economia Pires de Lima veio hoje dizer que o ano de 2014 vai ser o ano da recuperação económica e que vamos sair da crise. Talvez, esperemos bem que sim. A pergunta que se impõe é quem vai sair da crise? Não são, com certeza, os que já foram muito prejudicados. Parece-me ser mais uma preparação para as próximas eleições europeias de maio. Preparam-se, mais uma vez, para enganar os portugueses porque creem que eles têm memória curta. A minha não é curta e está bem presente e espero que os milhões de eleitores que o governo tem sacrificado a outros interesses financeiros se recordem do passado. É que as eleições para o Parlamento Europeu podem ter influência na nossa política interna.
Aproveitando-se da crise no espaço da União Europeia, especialmente nos países intervencionados, sem que muitos se deem conta, a extrema-direita está a ficar cada vez mais presente e a capitalizar apoiantes. Chegou-se ao ponto de, sem qualquer discrição, se exibirem símbolos fascistas e nazis tal como em Espanha onde símbolos franquistas são exibidos sem quaisquer complexos.
Casos concretos deste tipo de exibições em Espanha têm vindo da Juventude do Partido Popular, partido conservador que está no poder. Muitos destes jovens têm-se feito fotografar com símbolos nazis e franquistas que colocam no Facebook e no Twitter o que levou a que representantes do Partido Popular viessem desdramatizar falando de “infantilidades” e desculpabilizando-os ao dizerem paternalisticamente que aos jovens são desculpadas determinadas atitudes que são “imperdoáveis aos mais velhos”.
Há sinais de alarme que provêm do Reino Unido, França, (veja o caso da Frente Nacional de Marine le Pen), Itália, Grécia, República Checa, Hungria e Eslováquia, todos países pertencentes à União Europeia. Em Portugal ainda se verifica uma certa contenção, talvez porque à esquerda do Partido Socialista há alguns partidos que, apesar de não terem uma elevada expressão eleitoral, ainda têm uma base de apoio social muito maior do que os seus equivalentes no resto da Europa.
O ambiente político, financeiro e económico internacional favorece os extremismos de direita que se alimentam da crise. De acordo com o jornal El País de Novembro passado, no Partido Popular de Espanha nenhum dirigente exibia símbolos franquistas nem nazis mas exibiam as cores do partido e da bandeira nacional. Atualmente, tudo mudou. Agora alguns jovens militantes daquele partido já se aventuram a mostrar publicamente símbolos franquistas.
Muitos destes movimentos extremistas surgem do interior dos partidos de direita, onde se encontram camuflados à espera de oportunidade para se manifestarem a descoberto. O curioso é que a maior parte deles são oriundos das juventudes partidárias de direita.
Já escrevi várias vezes neste blog que, em Portugal, nos partidos de direita, nomeadamente no PSD, se encontram no seu interior elementos que se denunciam pelas suas declarações públicas e na Assembleia da República que podem ser interpretadas como posições ideológicas de natureza pró nazi e segregacionista.
Não é de admirar que haja pontos comuns na origem destes grupos da extrema-direita europeia porque na prática estes grupos são oriundos dos partidos liberais, ou, no mínimo, provenientes ideologicamente deles mas que radicalizaram as suas posições. Veja-se o caso do holandês Geert Wilders, antieuropeísta, do grupo dos partidos chamados Tea Party, líder da oposição holandesa que teve origem nos liberais e que conseguiu ser o terceiro partido mais votado nas últimas eleições.
Será esta também uma oportunidade para os partidos antieuropeístas de esquerda aproveitarem e darem, como habitualmente, uma mãozinha de abertura à extrema-direita?
Nas próximas eleições para o Parlamento Europeu devemos estar muito atentos e votar no sentido de que em Portugal não se venha a verificar o mesmo.
O título deste "post" nada tem a ver com o livro de Pacheco Pereira,"Os dias do lixo", mas sim com a greve injustificada dos trabalhadores da limpeza urbana da Câmara de Lisboa.
A não ser o facto de ter afetado o sentido da visão e do olfato da cidade esta greve não teve, do meu ponto de vista, o incómodo e o prejuízo de outras como, por exemplo, as dos transportes que impedem os trabalhadores de chegar atempadamente aos seus postos de trabalho.
A chamada greve do lixo foi devida a uma deturpação dos motivos reais para que a mesma fosse justificada. Quando os sindicatos a convocaram foi no pressuposto, assumidamente errado, de que os trabalhadores da recolha de resíduos sólidos da cidade de Lisboa iriam passar para a competência das freguesias. Ora, o que estava em discussão era a descentralização para as juntas de freguesia da limpeza sim, mas das ruas, passeios e jardins, o que faz algum sentido. Neste caso cada junta seria responsável pela respetiva limpeza.
O que esteve em causa nesta greve não foi mais do que lutar contra a reorganização administrativa de Lisboa que prevê a transparência de competências da autarquia para as freguesias a gestão de equipamentos sociais e desportivos, pavimentos pedonais, mercados e feiras, para além de outras.
Embora muitas das vezes possa estar de acordo com algumas posições tomadas pela CGTP desta vez estou em completo desacordo. Não me colo com um seguidismo cego a qualquer posição de direita ou de esquerda, venha ele donde vier. Talvez, por isso, tenha deixado a militância em partidos políticos desde há muitos anos a esta parte. Para mim a disciplina partidária e a ideologia política têm limites.
Se porventura tivesse dotes literários "A Cidade de Ulisses" seria o livro que eu gostaria de ter escrito tal e qual Teolinda Gersão tão excelentemente fez. O mito de Ulisses é o mote para falar de amores e desamores tendo como cenário Lisboa.
Teolinda oferece-nos uma histartesória de amor em que Lisboa também é protagonista. Não o li apenas como um romance mas também como uma digressão vivida através de múltiplos percursos que passam pela arte pictórica e pelas realidades urbana e histórica.
As metáforas e as transposições para o presente que o leitor pode, a bel-prazer, ver aplicadas ao nosso país e ao mundo são, na minha perspetiva, cinema em prosa tais as imagens nos passam na corrente de consciência. "A cidade de Ulisses" é um universo pleno de segredos, de destruições corruptas, de fachadas políticas onde o mais forte impera porque “a lei é do mais forte e de quem tem melhores armas, é, poder, dinheiro, bons conhecimentos e bons advogados disponíveis, cada um sua medida”.
A narrativa, traçada com uma clareza ímpar, flui como uma cascata em que o leitor, ao atravessá-la, retém o folego até descortinar do outro lado vivências que brotam e se entretecem com oportunas descrições de fragmentos históricos e geográficos de Lisboa, acompanhados por factos sociais e políticos de relevante importância que nos potenciam recuperações de memórias passadas e presentes.
Na literatura, como no cinema, os personagens são a vida da ação, por elas sentimos interesse, curiosidade, fascínio, carinho, desagrado, admiração, condenação, antipatia ou simpatia que, através de um processo psicológico de projeção-identificação, tornam-se parte da forma como nós nos percebemos e de como somos. É o mesmo que se sente ao ler "A cidade de Ulisses".
“Criar era, naturalmente, um exercício de poder. Sim, eu não abdicava desse ponto. Queria exercer poder sobre o espectador. Fasciná-lo, subjugá-lo, convencê-lo, assustá-lo, enervá-lo, provocá-lo, deleitá-lo – criar-lhe emoções e reações” expressão do pensamento do personagem, artista plástico. São também poderes os que a boa literatura exerce sobre os leitores como se comprova em "A Cidade de Ulisses" em que a autora exerce ainda um outro poder: o de nos cativar para a leitura.
A geografia social e urbana foi a minha primeira paixão que, apesar de a ter atraiçoado com as Ciências da Educação, nunca esqueci, mesmo durante o deleite com esta mais recente. Sendo ambas sedutoras não resisti ao encanto da primeira porque esteve presente na unidade curricular de práticas pedagógicas da história e da geografia de Portugal que, entre outras, fui chamado a lecionar em cursos superiores de educação.
Na cidade de Ulisses a geografia e a história recentes lá estão, basta descobri-las. Para além da ficção Teolinda dá-nos apontamentos reais de roteiros lisboetas que a vida agitada do dia-a-dia não nos deixa descortinar. É no entrosamento entre o romance, a geografia urbana e a história passada e recente que se move a ação deste seu livro. Numa aula de interdisciplinaridade entre literatura e geografia este romance é um dos poucos que poderia ser utilizado. Conceitos de geografia urbana descritiva como rua, vila, avenida, talvegue entre outros são utilizados com propriedade ao descrever percursos lisboetas. Arquiteturas, mobiliário urbano, descrição da paisagem urbana fizeram-me recordar a “Leitura da Cidade” de Kevin Lynch que nos fornece importantes elementos marcantes que possibilitam a leitura da paisagem urbana e a orientação de percursos. Diz Lynch logo no primeiro capítulo que "Todo o cidadão possui numerosas relações com algumas partes da sua cidade e a sua imagem está impregnada de memórias e significações.".
Paulo Vaz, protagonista do romance, descreve que em Lisboa “…era fácil embrulhar-se no traçado irregular das ruas, que se interrompiam, cruzavam, mudavam de direção inesperadamente, ou não iam ter a lugar nenhum, acabavam num impasse”. “A única certeza, na cidade velha, era que, descendo sempre, se acabaria por chegar à Baixa e ao rio, quaisquer que fossem os acidentes de percurso.”. Lisboa não é assim nada comparável com a estrutura urbana, quase toda ortogonal, de uma cidade como Nova Iorque onde tantas são as avenidas imensas que se entrecruzam perpendicularmente com monotonia e os edifícios nos esmagam, não fosse o pulsar das gentes e do trânsito insuportável num constante corrupio.
"Portugal – O Mediterrâneo e o Atlântico" de Orlando Ribeiro, livro de geografia descritivo da paisagem física e humana de Portugal, publicado pela primeira vez em 1945, desatualizado no que à geografia humana diz respeito, mas pleno de atualidade na descrição da paisagem física, surgiram imediatamente no meu pensamento quando, já nas últimas páginas de "A Cidade de Ulisses", li que “Lisboa é uma cidade atlântica, mas de configuração mediterrânica: numa enseada que lhe oferece um abrigo natural e junto a uma colina, como em Atenas a acrópole.”.
Outra passagem recordou-me as férias passadas na Rinchoa com os seus pinhais, hoje destruídos e ocupados por blocos de cimento de habitações dormitório, quando nos finais dos anos quarenta princípios de cinquenta do século passado se gozavam nos arredores de Lisboa. Sempre que por ali passo recordo-me dos pastéis de massa tenra que a minha tia fazia e que eu devorava uns após outros seguindo de corrida para um baloiço improvisado no pinhal das traseiras da casa alugada à época.
O caminho traçado pela prosa de Teolinda em "A Cidade de Ulisses" contemplou-me com uma digressão rica em recordações, vivências e reflexões políticas e sociais que virão sempre à memória.